Qua. Abr 24th, 2024

Oratório Peregrino

Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com

Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro


X – As asas do pássaro

O que é a esperança? Uma virtude teologal.

Pela fé toco a Deus: a fé é uma antena para chegar a Deus. A caridade une com Deus: quando amamos a Deus, somos transformados n’Ele.

Que papel tem a esperança na vida espiritual? É a virtude que nos faz caminhar. É para nós o que as asas são para o pássaro. Faz-nos ir a deus; faz-nos progredir na vida espiritual. É a que marca o ritmo da nossa caminhada para Deus. É muito importante cultivar a virtude da esperança, fortalecer as asas.

Temos que saber o que é a esperança. Por vezes somos bastante ignorantes no que se refere á esperança e confundimos esperança e sentimento. Tenho entusiasmo, logo tenho esperança; no entanto, a esperança não se manifesta sempre de maneira entusiasta.

A esperança é uma virtude pela qual desejamos a Deus, esperamos a Deus, sabemos que Deus virá e se dará a nós, e não somente Deus, mas também os meios para O alcançar…

Para explicar «o mecanismo» da esperança, há que saber que pode dirigir-se a Deus que deseja de duas maneiras:

1º Pelo movimento: desejo a Deus e vou procurá-lo; a criança que quer abraçar a sua mãe move-se para ela.

2º Aquele que quer dirigir-se a Deus sente que não o pode fazer. Por exemplo, na oração, a inteligência não encontra nada; a vontade é incapaz; não posso chegar a Deus, por isso, suspiro e aspiro (I 9-6-59).

A esperança provoca duas atitudes: uma atitude positiva de caminho para Deus e uma atitude de espera. O segundo movimento, a paciência, é geralmente o que tem mais força na oração (I 15-2-66).

As virtudes teologais não se podem separar. Separamo-las apenas para ver melhor o mecanismo da vida espiritual. Com a fé, «toco» a deus; a fé está na origem das nossas relações com Deus. A esperança é o dinamismo da fé que nos faz penetrar cada vez mais nas profundidades de Deus. A caridade une-nos com Deus, é um acto de união, o acto filial perfeito.

Em que consiste a esperança?

A esperança é uma virtude teologal pela qual esperamos com confiança tudo o que Deus nos prometeu no seu Filho Jesus. As certezas da esperança têm o seu fundamento nas certezas da fé. Conhecemos o mistério do amor de Deus pela fé, mas penetramos nas suas profundidades por meio da esperança.

«Fizeste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto até descansar em ti», diz Santo Agostinho. O próprio Deus depositou este desejo no coração do homem! Esperamos a Deus e esperamos que nos conceda o que nos prometeu.

«Pai, quero que onde Eu estiver estejam também comigo aqueles que Tu me confiaste» (Jo 17, 24). Estas são as palavras de Jesus e esta é a nossa esperança, pois Deus é infinitamente fiel às suas promessas.

São Paulo explica-nos: «Caminhamos pela fé e não pela visão» (2 Co 5, 7). «De facto, foi na esperança que fomos salvos. Ora uma esperança naquilo que se vê não é esperança… Se é o que não vemos que esperamos, então é com paciência que o temos de aguardar» (Rm 8, 24-25).

A esperança é ter fome de Deus, desse Deus que não vemos, não sentimos e, no entanto, desejamos, porque nos ama. O Padre Eugénio Maria, que era sempre muito concreto, ilustra com muita simplicidade o duplo movimento da esperança, as duas atitudes que provoca:

Jesus está no sacrário, na capela. Vou ali, vou procurá-Lo. Esta é a esperança. Mas não o consigo, não O encontro, então vou esperar… Eu sei que Ele também me procura… Para esperar que venha tenho que fazer algo, tenho que abrir a minha alma, Este é o duplo movimento a esperança. O primeiro é activo; o segundo passivo: é a paciência (I 15-2-66).

A paciência, mas não a passividade de quem não faz nada. Temos que abrir a nossa alma com um olhar de fé e esperar a Deus embora nos pareça longe, pois esperámo-Lo no meio da noite.

«Eu espero no Senhor! Sim, espero! A minha alma confia na sua palavra. A minha alma volta-se para o Senhor, mais do que a sentinela para a aurora», canta o salmista (Sl 130, 5-6).

A «constância», da qual fala São Paulo, é a perseverança, é saber permanecer esperando em plena obscuridade da fé, inclusive em plena distracção, o que, noutros termos, chamamos secura na oração.

Orar é crer e esperar: esperar no que não está no nosso poder alcançar por nós mesmos e que só Deus nos dará.

Quando oramos, podemos esperar outra coisa senão Deus? Por exemplo, esperar a nossa cura. Há bens «temporais» que podemos pedir, mas Deus conduz-nos, por vezes, por caminhos que nos podem desconcertar e que não compreendemos. Então, a nossa oração tem que ser muito humilde. O cardeal Journet conta-nos o seguinte facto: Na capela de Bourguillon, na Suíça, um ex-voto dizia com letras de ouro esta oração de agradecimento: «Ó Maria, dou-Vos graças por não me terdes concedido o que Vos pedi». A esperança teologal só espera a Deus, e só O espera por Ele e para sua alegria, que consiste em dar-se.

Meu Deus, espero em Vós.

Chamo por Vós com todo o meu ser,

Levanto as minhas mãos para Vós.

Mas no fundo do meu coração,

Sei que sois Vós quem me chamais

para ir ao vosso encontro.

João da Cruz, que o Padre Eugénio Maria citava muito, dizia: «De tudo o que não é Deus há-de a alma libertar-se para chegar a Deus. Porque toda a possessão é contra a esperança, a qual, como diz S. Paulo, é do que não se possui (3 S 7, 2).

No itinerário espiritual, a esperança, virtude para o caminho, cresce e aperfeiçoa-se ao libertar-se de tudo o que obstaculiza o seu caminhar para Deus. Este caminho estará assinalado por etapas de desprendimento. O jovem rico que pergunta a Jesus: «Que hei-de fazer para alcançar a vida eterna?» (Lc 18, 18), por acaso não sentiu crescer nele as exigências da esperança? O que Jesus lhe propõe: «Vende tudo o que tens, distribui o dinheiro pelos pobres…» só é uma primeira etapa no seu caminhar para o «tesouro» da vida eterna.

«Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração» (Mt 6, 21). Onde está o nosso tesouro? Para que o pássaro possa voar, para que possa abrir as suas asas, não o tem que reter nada; quanto mais ligeiro é o seu voo, mais alto pode voar. O mesmo acontece com a esperança teologal. Há riquezas que nos impedem ir a Deus porque são falsos apoios e, em certo modo, apreciamo-los mais do que a Deus. As verdadeiras riquezas nas quais devemos pôr a esperança são as que têm valor de eternidade.

Se quisermos possuir a Deus, devemos recordar-nos de que Deus só ocupa o lugar que lhe deixamos livre de apegos (I 15-2-66). A hora da esperança sobrenatural é a hora da pobreza espiritual, hora dolorosa mas que liberta o pássaro, até que já nada o pare no seu voo para Deus.


Imagem de Giani Pralea por Pixabay