Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
II – Uma semelhança misteriosa
Disse Jesus: (cf. Jo 14 e 16):
«Olhai o vosso Pai, ide a Ele, vivei sob a sua luz. Porquê? Porque o vosso Pai vos ama. O amor do Pai vos envolve. Em cada instante nos olha com amor – Pai todo-poderoso, fonte de luz e de misericórdia. Vou para o Pai. Venho d’Ele e volto para Ele. Segui-me, ou antes, não me deixeis: pois viveis comigo, vinde comigo para o Pai».
Nosso Senhor testemunhou-nos o seu amor ao Pai, e o amor do Pai por Ele. Diz-nos: Asseguro-vos que vos ama.
Que fonte de consolação e de alegria! Nunca estamos sós. Temos experiência disto, temos sobretudo a palavra de Nosso Senhor: vos ama… O Espírito Santo que habita nas nossas almas ora assim: Abbá, Pai! É o Espírito filial que nos faz voltar para o Pai. O Espírito habita nas nossas almas para nos fazer penetrar na intimidade da Trindade, Jesus, pela vida que derrama, quer que nos identifiquemos com Ele, quer-nos fazer entrar na Trindade. Nela, Ele habita como Filho, e nós entraremos como filhos adoptivos, por meio da graça.
A Trindade é a nossa família, da qual já formamos parte pela fé. Que luminosa obscuridade! Jesus disse: «Manifestar-nos-emos». Promessa certa de Nosso Senhor, vida da nossa graça baptismal, que tornamos realidade pela fé (I 1-5-66; 13-6-65).
A simplicidade e a plenitude destes textos, que exprimem a unidade do mistério cristão, evocam um parentesco misterioso, uma intimidade muito profunda entre Deus e o homem. Podem todos viver isto tão simplesmente? Como pode um homem encontra-se com Deus? Que sabemos d’Ele? D’Ele, o impossível de conhecer… Encontramos a resposta na graça, tão misteriosa como Deus e «dom gratuito».
Deus não abandona o homem ao dar-lhe a existência. Tirou-o do seu coração de Pai, acompanha-o e orienta-o para Ele. Como? No seu Filho Único, oferecendo-lhe a participação na sua própria vida: a graça; porque Ele é Pai concede-lhe poder ser seu filho. O homem pode encontrar-se com Deus porque Deus se entrega a ele. Pela graça, o homem pode amar, agir, ir ao seu encontro e descobri-lo, como um filho descobre o amor de seu pai e de sua mãe deixando-se amar: somos da família de Deus. Que maravilha! Esta é a origem e o fundamento da alegria do Padre Eugénio Maria.
Porém, continua aberta a porta para o homem cuja vida leva a marca do mal? Sim; Deus não muda, não cessa de amar o pecador. A sua fidelidade é admirável! A parábola do filho pródigo revela-nos o rosto do Pai; corre para o filho que estava perdido e volta para Ele e abraça-o com ternura, cobre-o com a sua túnica e dá-lhe o anel da aliança. O seu amor é tão grande que não o acusa de nada; ultrapassa o perdão e devolve-lhes a dignidade de filho. E faz com que a alegria ressoe em toda a casa!
E o que passa com os que vivem frequentemente afastados de Deus, num mundo que não o tem em conta? E que passa com tantas e tantas pessoas que nunca receberão o baptismo? O Padre Eugénio Maria é testemunha: soube acolher na sua vida a graça poderosa de Deus e viu-a actuar em todos: o Deus cuja sabedoria e amor são imensos precede-nos e toma a iniciativa de nos amar: a nós, a mim, a todos. Como pode ser isto» É um mistério das almas, um mistério de Deus, que, escondido na sua misericórdia, guarda o segredo do homem de coração aberto que não teve verdadeiramente a possibilidade de ter acesso ao Evangelho. A Igreja, Corpo de Cristo, contém mais pessoas das que pensamos. Mas Cristo envia: «Ide, ensinai, baptizai». O Padre Eugénio Maria quis revelar-nos incansavelmente a maravilha do baptismo, que transforma o homem em filho de Deus: um tesouro que muitos desconhecem, mesmo tendo-o recebido.
O Baptismo (a palavra significa «banho») mergulha-nos na vida de Jesus Salvador, vida que brotou da Páscoa, do seu lado sempre aberto. Faz-nos renascer pelo seu perdão. «Revestistes-vos de Cristo» diz São Paulo. Atrevo-me a crer verdadeiramente que Ele quer entrar precisamente na minha história? A sua graça pode transformar num eterno esplendor a existência mais esquecida. O homem tornou-se «capaz de Deus». O dinamismo da vida espiritual, o gérmen da santidade está aí, nesta semente silenciosa. E, de facto, quando se derrama a água do baptismo, ninguém Vê nada nem acontece nada de extraordinário; no entanto, um homem se transformou em filho de Deus. Que estranho, receber um tesouro e não sentir nada! A graça que está em nós parece dormida, coberta por um véu de obscuridade, como Deus se escondeu em Belém, Mas estar na obscuridade não quer dizer que Deus me tenha abandonado.
O amor das três pessoas divinas cuida de nós: o amor do Pai, o amor do Filho e o amor sempre presente e luminoso do Espírito Santo (I 23-5-65). Deus partilha com o homem a sua própria existência, o seu segredo íntimo: a sua vida. A graça une-nos com cada uma das três Pessoas divinas e faz-nos entrar no diálogo do seu amor trinitário. O Pai vos ama, diz Jesus. Acolher esta palavra é descobrir um Pai invisível e amante que sustenta a minha vida e a minha eternidade. Acolher esta palavra é descobrir que estou ao lado do Filho, n’Ele: Segue-me, diz, vem comigo: vou para o Pai. Caminhemos juntos, Senhor, O baptismo introduz-nos nesse segredo que só Jesus conhece: ser filho de Deus muda tudo! Posso dizer: «Pai», como Jesus o disse. E posso dizer com Ele: «Pai nosso». O Pai entregou-mo como irmão e como salvador. N’Ele, acolho esta palavra: «Tu és o meu filho amado, em ti pus todo o meu amor». Demasiado belo para mim? No mais íntimo, o Espírito do Pai e do Filho infunde o seu amor, que nos faz gritar: «Abbá, Pai». Isto é a oração: o Pai atrai-me a Si, o Filho leva-me, o Espírito ora em mim, o meu Deus está aí, actuando, e eu vou para Ele.
A oração é este simples movimento do meu ser de filho marcado pela graça. A oração é o encontro de dois amores: o amor que Deus me tem e o amor que tenho a Deus. O cristão nunca ora em solitário; penetra na oração que Jesus faz a seu Pai e pode dar a sua oração a Jesus: ora com Ele e o Espírito Santo leva-o a orar.
Basta fechar os olhos, e Ele está aí.
Ponho tudo o que me pesa diante d’Ele.
Nenhuma inquietude me tire a paz.
Deus ama-me, Jesus dá-me a sua graça.
Seja na confiança, no silêncio
no meio da angústia,
o Espírito une-se a mim e diz: Abbá, Pai.
Esta invocação exprime os meus desejos,
as minhas necessidades, o meu oferecimento.
Deixo-o orar em mim.
Deixo-me levar pelo movimento
da graça que me leva para o Pai.
Dou-lhe graças.
Quando tomamos consciência da nossa graça baptismal, do selo que imprime, da luz que outorga, das esperanças que gera, encontramos uma âncora para a sua vida. Deus ama-me, Deus chama-me. Certamente a nossa natureza sensível pode estremecer, a minha inteligência pode inquietar-se, mas possuo a grande esperança, o mesmo Deus (Mo 67-68).
Mas, onde está?
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