Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
I -Um manancial de vida
Deus é amor. Criou-nos por amor. Resgatou-nos por amor e destinou-nos a uma união muito íntima com Ele. Dita união corresponde aos desejos mais entranháveis de Deus. Deus Amor tem necessidade de se difundir, e nisso encontra a sua alegria, uma alegria à medida do seu dom.
Qual não será a alegria de Deus quando encontra uma alma que lhe entrega toda a sua liberdade e na qual se pode difundir à medida dos seus desejos! As confidências de Nosso Senhor permitem-nos adivinhar essa alegria de deus: «Haverá mais alegria no céu por um pecador que se converta…».
O encontro do nosso amor com Deus Amor, o trato afectuoso que se estabelece: isso é a oração (QV 68, 44).
«Deus é Amor».
Detenhamo-nos um instante. Mais além dos imperativos que, minuto a minuto, nos prendem e nos arrancam de nós mesmos, mais além das sombras que pesam sobre nós à vezes como uma chapa de chumbo, entremos profundamente em nós mesmos, como quem volta a encontrar o amor que o faz viver ou como o filho pródigo do Evangelho, que regressa depois de uma vida de aventuras, ou como Zaqueu, «que queria ver Jesus». Encontremo-lo no fundo de nós mesmos, na raiz da nossa existência; desta existência que recebemos e que é um dom.
Nesta vida que, às vezes, nos pode parecer desconcertante e misteriosa, acolhamos a palavra de Jesus: «Hoje tenho de ficar em tua casa». Mais além dos descuidos, das infidelidades, das feridas, reconheçamos quem somos verdadeiramente, entremos nessa profundidade sempre viva onde nos está a esperar, e aí, escutemos esta palavra de Deus: «Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia»; «És precioso aos meus olhos, estimo-te e amo-te» (Jr 1, 5; Is 43, 4).
O evangelista João dá testemunho de que Deus é Amor. Deus é Amor, repete o Padre Eugénio Maria com todos os santos. A Palavra de Deus é um grande tesouro que não se pode equivocar nem enganar-nos; uma palavra fiel que não passará jamais; uma palavra que nos obtém o que apenas nos atrevemos a esperar. Uma Palavra infinita que ultrapassa o que podemos imaginar ou conceber. O Padre Eugénio Maria acreditou nela. Um contemporâneo dele, o Padre Vercoustre, encontrando-o pela primeira vez, anotou: «Estou diante de um homem que leva a Deus a sério». Toda a sua vida foi invadida pelo desejo de conduzir à descoberta do Deus Amor. Neste caminho fala por experiência.
«Com um amor infinito te amei»: é verdade? Sim, porque Deus É, e é Amor. Muitas vezes, como os santos, o Padre Eugénio Maria mergulhou neste amor infinito que é o mesmo Deus, um amor que está também na origem de todas as suas acções através da história: Faça sol, faça neblina ou tormenta, estamos sempre nos braços da misericórdia. Uma vez que tomou posse de nós, nunca mais nos larga (B 116). É uma força de amor que nos agarra, transforma, conquista e leva a agir, um sopro de amor criador e salvador, fonte da nossa confiança. Por meio das situações e dos ac9ontecimentos que abalam o mundo, no meio da fragilidade do homem, Deus vem em nossa ajuda com a sua força, a força daquele que é «Eu sou».
A Bíblia mostra-nos como Deus procura incansavelmente o homem: «Onde estás?». Deixemo-nos procurar por Ele tal como o diz São João da Cruz: «Se a alma busca a Deus, muito mais a busca o seu Amado a ela». Acolher este olhar de Deus que nos procura já é fazer oração: um dom do Senhor, Ele que nos amou primeiro.
Esta união corresponde aos desejos mais entranháveis de Deus. Porquê? Com um estilo coloquial, o padre Eugénio Maria exprime algo do mistério de Deus: o seu ser, a sua vida, consiste em dar-se; só sabe difundir o seu amor sem cessar! Perguntamo-nos: Porquê estamos no mundo? Não há necessidade de ir procurar outras razões, só há uma: é porque Deus nos amou. Deus chamou-nos por amor e este amor com o qual nos criou está sempre vivo. O que amou, ama sempre. O que nos deu, no-lo dará sempre. O que começou em nós, levá-lo-á a termo (PP 27).
É esta uma promessa vã? Ainda é válida para o homem afastado de Deus? Deus é amor, sem restrições, sem «mas», sem excepção. «Ele foi unicamente um sim», disse São Paulo (2 Co 1, 19).
O caminho da oração é Deus e é Jesus. Jesus: Deus salvador, deus connosco. Jesus: a paz caminhando nomeio do sofrimento, o perdão caminhando no meio da injustiça, o inocente morrendo junto ao ladrão. Ele é o caminho da oração, e nós também o somos na nossa história, no meio da na qual Ele deseja caminhar e amar: «És precioso aos meus olhos, amo-te».
A oração é esse movimento cheio de confiança, esse contacto íntimo em que o Senhor se dá profundamente. Desejamos esse momento. Não vamos ao encontro de alguma novidade; vamos ao encontro da Vida, da Verdade e do Amor. Vamos a este encontro com a nossa pessoa; nós mesmos, sem calar nem negra nada, abrindo de par em par o nosso ser àquele que nos conhece desde sempre: Jesus chama-nos hoje a cada um de nós, com esse nome de eternidade que um dia conheceremos… Este nome existe! (I 23-8-61).
Estou diante de ti, Senhor;
Que este momento seja todo teu.
A oração é um dom de Deus ao homem; acolhê-lo depende de cada um de nós, pois também é um dom que o homem faz a Deus.
Criado à imagem de Deus, o homem leva no seu interior uma chamada à reciprocidade; o seu ser está feito para dar livremente uma resposta num intercâmbio verdadeiro. Porquê dá tanta alegria a Deus esta resposta humana? Porque é livre, porque nasce de uma pessoa. Pois bem, embora sejamos livres para nos darmos, experimentamos a tentação de fugir diante desse dom; estamos feitos para a luz mas temos medo da luz. Na insatisfação e no sofrimento desta ambiguidade, deixemos que a oração se realize: não esperemos ser santos para rezar; não esperemos ser dignos para nos aproximarmos de Deus ou pedir-lhe ajuda; não esperemos saber rezar para rezar.
Que grande é a alegria de Deus quando encontra uma alma que lhe dá total liberdade e na qual se pode derramar! Sim, tal como o sol está disposto a entrar em casa quando abrimos a janela, assim actua Deus connosco.
Sem importar a etapa em que nos encontremos, demos-Lhe esta alegria, com humildade. Brotará uma nascente de vida para nós:
Temos que conhecer o nosso Deus.
Temos que abrir-Lhe o nosso coração
e crer na loucura de amor
que habita n’Ele,
neste gozo imenso
que encontra o amor de Deus
quando pode superar
os limites da justiça,
as barreiras dos nossos limitados méritos.
Quer dar gratuitamente,
tem necessidade de dar gratuitamente (C 26).