Sex. Mar 29th, 2024

Oratório Peregrino

Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com

Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro


I -Um manancial de vida

Deus é amor. Criou-nos por amor. Resgatou-nos por amor e destinou-nos a uma união muito íntima com Ele. Dita união corresponde aos desejos mais entranháveis de Deus. Deus Amor tem necessidade de se difundir, e nisso encontra a sua alegria, uma alegria à medida do seu dom.

Qual não será a alegria de Deus quando encontra uma alma que lhe entrega toda a sua liberdade e na qual se pode difundir à medida dos seus desejos! As confidências de Nosso Senhor permitem-nos adivinhar essa alegria de deus: «Haverá mais alegria no céu por um pecador que se converta…».

O encontro do nosso amor com Deus Amor, o trato afectuoso que se estabelece: isso é a oração (QV 68, 44).

«Deus é Amor».

Detenhamo-nos um instante. Mais além dos imperativos que, minuto a minuto, nos prendem e nos arrancam de nós mesmos, mais além das sombras que pesam sobre nós à vezes como uma chapa de chumbo, entremos profundamente em nós mesmos, como quem volta a encontrar o amor que o faz viver ou como o filho pródigo do Evangelho, que regressa depois de uma vida de aventuras, ou como Zaqueu, «que queria ver Jesus». Encontremo-lo no fundo de nós mesmos, na raiz da nossa existência; desta existência que recebemos e que é um dom.

Nesta vida que, às vezes, nos pode parecer desconcertante e misteriosa, acolhamos a palavra de Jesus: «Hoje tenho de ficar em tua casa». Mais além dos descuidos, das infidelidades, das feridas, reconheçamos quem somos verdadeiramente, entremos nessa profundidade sempre viva onde nos está a esperar, e aí, escutemos esta palavra de Deus: «Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia»; «És precioso aos meus olhos, estimo-te e amo-te» (Jr 1, 5; Is 43, 4).

O evangelista João dá testemunho de que Deus é Amor. Deus é Amor, repete o Padre Eugénio Maria com todos os santos. A Palavra de Deus é um grande tesouro que não se pode equivocar nem enganar-nos; uma palavra fiel que não passará jamais; uma palavra que nos obtém o que apenas nos atrevemos a esperar. Uma Palavra infinita que ultrapassa o que podemos imaginar ou conceber. O Padre Eugénio Maria acreditou nela. Um contemporâneo dele, o Padre Vercoustre, encontrando-o pela primeira vez, anotou: «Estou diante de um homem que leva a Deus a sério». Toda a sua vida foi invadida pelo desejo de conduzir à descoberta do Deus Amor. Neste caminho fala por experiência.

«Com um amor infinito te amei»: é verdade? Sim, porque Deus É, e é Amor. Muitas vezes, como os santos, o Padre Eugénio Maria mergulhou neste amor infinito que é o mesmo Deus, um amor que está também na origem de todas as suas acções através da história: Faça sol, faça neblina ou tormenta, estamos sempre nos braços da misericórdia. Uma vez que tomou posse de nós, nunca mais nos larga (B 116). É uma força de amor que nos agarra, transforma, conquista e leva a agir, um sopro de amor criador e salvador, fonte da nossa confiança. Por meio das situações e dos ac9ontecimentos que abalam o mundo, no meio da fragilidade do homem, Deus vem em nossa ajuda com a sua força, a força daquele que é «Eu sou».

A Bíblia mostra-nos como Deus procura incansavelmente o homem: «Onde estás?». Deixemo-nos procurar por Ele tal como o diz São João da Cruz: «Se a alma busca a Deus, muito mais a busca o seu Amado a ela». Acolher este olhar de Deus que nos procura já é fazer oração: um dom do Senhor, Ele que nos amou primeiro.

Esta união corresponde aos desejos mais entranháveis de Deus. Porquê? Com um estilo coloquial, o padre Eugénio Maria exprime algo do mistério de Deus: o seu ser, a sua vida, consiste em dar-se; só sabe difundir o seu amor sem cessar! Perguntamo-nos: Porquê estamos no mundo? Não há necessidade de ir procurar outras razões, só há uma: é porque Deus nos amou. Deus chamou-nos por amor e este amor com o qual nos criou está sempre vivo. O que amou, ama sempre. O que nos deu, no-lo dará sempre. O que começou em nós, levá-lo-á a termo (PP 27).

É esta uma promessa vã? Ainda é válida para o homem afastado de Deus? Deus é amor, sem restrições, sem «mas», sem excepção. «Ele foi unicamente um sim», disse São Paulo (2 Co 1, 19).

O caminho da oração é Deus e é Jesus. Jesus: Deus salvador, deus connosco. Jesus: a paz caminhando nomeio do sofrimento, o perdão caminhando no meio da injustiça, o inocente morrendo junto ao ladrão. Ele é o caminho da oração, e nós também o somos na nossa história, no meio da na qual Ele deseja caminhar e amar: «És precioso aos meus olhos, amo-te».

A oração é esse movimento cheio de confiança, esse contacto íntimo em que o Senhor se dá profundamente. Desejamos esse momento. Não vamos ao encontro de alguma novidade; vamos ao encontro da Vida, da Verdade e do Amor. Vamos a este encontro com a nossa pessoa; nós mesmos, sem calar nem negra nada, abrindo de par em par o nosso ser àquele que nos conhece desde sempre: Jesus chama-nos hoje a cada um de nós, com esse nome de eternidade que um dia conheceremos… Este nome existe! (I 23-8-61).

Estou diante de ti, Senhor;

Que este momento seja todo teu.

A oração é um dom de Deus ao homem; acolhê-lo depende de cada um de nós, pois também é um dom que o homem faz a Deus.

Criado à imagem de Deus, o homem leva no seu interior uma chamada à reciprocidade; o seu ser está feito para dar livremente uma resposta num intercâmbio verdadeiro. Porquê dá tanta alegria a Deus esta resposta humana? Porque é livre, porque nasce de uma pessoa. Pois bem, embora sejamos livres para nos darmos, experimentamos a tentação de fugir diante desse dom; estamos feitos para a luz mas temos medo da luz. Na insatisfação e no sofrimento desta ambiguidade, deixemos que a oração se realize: não esperemos ser santos para rezar; não esperemos ser dignos para nos aproximarmos de Deus ou pedir-lhe ajuda; não esperemos saber rezar para rezar.

Que grande é a alegria de Deus quando encontra uma alma que lhe dá total liberdade e na qual se pode derramar! Sim, tal como o sol está disposto a entrar em casa quando abrimos a janela, assim actua Deus connosco.

Sem importar a etapa em que nos encontremos, demos-Lhe esta alegria, com humildade. Brotará uma nascente de vida para nós:

Temos que conhecer o nosso Deus.

Temos que abrir-Lhe o nosso coração

e crer na loucura de amor

que habita n’Ele,

neste gozo imenso

que encontra o amor de Deus

quando pode superar

os limites da justiça,

as barreiras dos nossos limitados méritos.

Quer dar gratuitamente,

tem necessidade de dar gratuitamente (C 26).


Imagem de Himsan por Pixabay