João César das Neves*
A 20 de setembro deu-se no Vaticano a sessão comemorativa dos 10 anos de Encontros dos Movimentos Populares. Como nos anteriores, o discurso do Papa à iniciativa, lançada no segundo ano do Pontificado, constitui mais um texto central do seu pensamento sobre economia.
A alocução trouxe novidades interessantes, que escaparam aos meios de comunicação, os quais preferiram sublinhar frases como: «deve haver mais impostos sobre bilionários» ou «uma percentagem tão pequena de bilionários monopoliza a maior parte da riqueza do planeta». Dias depois, por coincidência, um relatório da Oxfam, organização de ajuda internacional, afirmava: «Os 1% mais ricos do mundo possuem mais riqueza do que 95% da humanidade».
Como é que a Oxfam sabe? A resposta é simples: não sabe. A riqueza é difícil de medir a nível nacional, quanto mais no mundo. Mais importante, este número é muito enganador, pois para o nível de vida interessa, não a riqueza, mas o rendimento. Um casal com bons ordenados, sem propriedades, vive desafogadamente apesar de ter uma riqueza muito baixa (só a conta bancária), ou até negativa, se tiver uma dívida. Por outro lado, há nobres a viver na miséria num castelo em ruínas, porque a sua riqueza elevada não rende. Estes números enganam, pois, como a grande maioria das pessoas do mundo vive do trabalho, a concentração da riqueza (terras, prédios, fábricas e ações) é muito maior que a dos níveis de vida, alimentando a ideia de grandes injustiças. Há muita injustiça no mundo, mas observações destas só obscurecem e confundem a verdade.
Por outro lado, não há dúvida que os bilionários pagam poucos impostos, em boa parte porque a riqueza hoje é digital e global, difícil de taxar. Mas os pobres pouco beneficiariam dessa tributação dos super-ricos, não só porque eles são poucos e não vivem perto dos carentes, mas sobretudo porque essa receita fiscal adicional iria para programas políticos financiando desperdícios, incompetências, corrupções e guerras, abundantes nas regiões indigentes. Melhor seria sugerir aos bilionários que dessem esmola ou criassem fundações para o fazer diretamente aos que precisam.
Se isto foi o que ocupou as conversas mediáticas, qual o verdadeiro interesse do discurso papal? O Pontífice seguiu as suas ideias habituais, com a clareza e contundência que lhe conhecemos. Curiosamente, desta vez Francisco apresentou e respondeu a objeções ao seu próprio pensamento: «Um irmão disse-me: “Padre, o senhor fala muito dos pobres e pouco da classe média”»; adiante «“Não seja tão duro com os ricos”». Isto mostra como é sensível às opiniões dos fiéis. O Papa ama todos, mesmo se, na sua ansiedade pelos necessitados, parece esquecer alguns. Neste texto até retoma o grito da JMJ de Lisboa «Todos, todos, todos, todos», aplicando-o à «Escola Irmãs Alma (em Dili, em Timor-Leste), onde me saiu do coração esta frase: “Sem amor isto não se entende”».
Mais importante, Francisco ensinou como o devemos ouvir: «Não tenho o monopólio da interpretação da realidade social. Escuto». Este ponto é decisivo. O Papa é papa; não é, nem quer ser, especialista em economia. Essas questões são complexas e enganadoras, como se viu acima, e alguns grupos e interesses manipulam os discursos papais a seu favor, como o demónio cita a Escritura. Os cristãos devem seguir as orientações morais e espirituais do Magistério, mas, como o Papa diz, procurar perceber bem a realidade. Como afirmou Bento XVI, e Francisco tem citado, somos chamados a praticar a caridade, mas na verdade.
*Professor catedrático de Economia
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