Sáb. Mai 17th, 2025

Aveirense Ilustre

Infante D. Pedro. Impulsionador do desenvolvimento de Aveiro

Cardoso Ferreira (textos)

Como Senhor de Aveiro, o Infante D. Pedro foi o primeiro grande impulsionador do desenvolvimento (urbano, económico, social e também religioso) de Aveiro. Deve-se a ele, entre outras coisas, a Feira de Março.

O Infante D. Pedro, filho do rei D. João I e da rainha D. Filipa de Lencastre, nasceu em Lisboa, em dezembro de 1392, e morreu na batalha de Alfarrobeira, no dia 20 de maio de 1449. Ficou conhecido como o “Príncipe das Sete Partidas”, devido às longas viagens que efetuou pelos principais reinos da Europa.

Duque de Coimbra e Senhor de Aveiro e Montemor, após a morte do seu irmão mais velho, o rei D. Duarte, D. Pedro assumiu a regência do reino durante a menoridade do sobrinho e futuro rei D. Afonso V (nas Cortes de 1439), por imposição do povo e das cidades, contra a vontade da alta nobreza que apoiava a rainha viúva D. Leonor de Aragão.

Como governante, defendeu a progressão pacífica da expansão marítima e do comércio com os povos autóctones, opondo-se à política de expansão nobiliárquica e guerreira protagonizada pelo seu antecessor. Por isso, em 1443 concedeu ao Infante D. Henrique a posse das terras para além do cabo Bojador e doou os primeiros subsídios às navegações atlânticas, as quais, durante a sua regência, chegaram até terras da Guiné. Em simultâneo, impulsionou a colonização dos arquipélagos da Madeira e Açores, concedendo regalias aos seus habitantes.

D. Pedro foi um “homem notavelmente instruído e culto no seu tempo, convivendo com as principais figuras da cultura e da política da Europa dessa época. Por esse facto, tem sido nomeado como representante do cosmopolitismo e do Portugal moderno, oposto ao sedentarismo e ao espírito mais cavaleiresco de seu irmão D. Duarte. Viajante ilustrado pelos mais reputados centros universitários da Europa culta do século XV, ninguém mais do que ele pugnou pela abertura do país à dinâmica cultural europeia, sublinhando a cultura como a mais importante fonte da grandeza das nações. Entre as suas obras mais relevantes contam-se o «Livro da Virtuosa Benfeitoria» (escrito pelo seu confessor Frei João Verba, com base em texto inicial do Infante) e a «Carta de Bruges», como se lê no sítio do Instituto Camões (http://cvc.instituto-camoes.pt/filosofia/m7.html).

No dia 9 de junho de 1448, data em que Afonso V atingiu a maioridade, D. Pedro entregou a regência de Portugal ao rei, o qual, logo em setembro, anulou todos os éditos de D. Pedro. Apesar de D. Pedro ser tio-avô e sogro de D. Afonso V, este iniciou uma campanha difamatória contra o ex-regente, que culminou na batalha da Alfarrobeira e na morte do Infante D. Pedro.

No entanto, o rei D. João II, filho de D. Afonso V e neto do infante D. Pedro (do lado da mãe), reabilitou a imagem do antigo regente do reino.

Infante D. Pedro, avô de Santa Joana

O infante D. Pedro casou com D. Isabel de Urgel (Catalunha), filha do conde Jaime II de Urgel e da infanta Isabel de Aragão.

Após a batalha de Alfarrobeira, os filhos varões exilaram-se. D. Pedro (1429-1466), em Espanha ficou na história como rei de Aragão (Pedro V), rei de Valência (Pedro III) e Conde de Barcelona (Pedro IV). Também D. João saiu de Portugal e foi Príncipe de Antioquia (1431-1457), tendo-se casado com Carlota de Lusignan, princesa herdeira do Chipre. O mesmo aconteceu a D. Jaime (1434-1459), que apesar de exilado em Roma, foi arcebispo e cardeal de Lisboa, administrando a sua diocese a partir de Itália. Quanto às filhas, D. Isabel (1432-1455) foi rainha de Portugal pelo seu casamento com D. Afonso V, pelo que foi mãe do rei D. João II e da Princesa D. Joana, a santa padroeira de Aveiro. D. Beatriz (1435-1462) casou com Adolfo de Cleves, senhor de Ravenstein.

D. Filipa (1437-1493), solteira, para além de tia de D. João II, foi a sua “segunda mãe” após a morte de D. Isabel. Devido a ela, tanto D. João II como a Princesa Santa Joana ficaram com grande admiração pelo avô, o Infante D. Pedro.

Infante D. Pedro com residência em Aveiro

Apesar do vasto território de que dispunha, no qual pontificavam terras como Coimbra, Aveiro, Mira, Montemor-o-Velho, Penela e Tentúgal, o infante D. Pedro foi um senhor próximo das gentes e das terras sob a sua administração, pelo que tinha residências em muitas dessas localidades, promovendo o seu desenvolvimento integrado.

Também em Aveiro D. Pedro possuía residência, não se sabe desde quando e em que local se situaria. No entanto, com a construção das muralhas de Aveiro, que se iniciaram no reinado do seu pai, o rei D. João I, durante a segunda década do século XV, D. Pedro pretendeu erguer uma nova residência com vistas mais desafogadas sobre a ria e a zona da Ribeira (onde funcionava o então porto de Aveiro), pelo que em 1435, o seu irmão e rei D. Duarte autorizou-o a construir umas casas junto à muralha e sobre a mesma, desde que elas não impedissem a circulação dos soldados em caso de defesa da vila.

Para além desta casa, o Infante tinha umas casas que comprou e que foram do prior de Fermelã, nas quais “ele pousava”.

Em Aveiro, o Infante D. Pedro assinou alguns documentos, nomeadamente duas “cartas de mercê” ao Conde de Arraiolos, uma com data de 16 de julho de 1445, e outra de 14 de agosto de 1445, bem como um outro documento datado de 16 de agosto desse mesmo ano.

Como refere Saul António Gomes, “posto que D. Pedro nunca tenha deixado de se deslocar às terras do seu ducado mondeguino, notamos que no ano de 1445 as suas estadias na zona de Coimbra, Tentúgal e Montemor-o-Velho, estendidas, ainda, a Penela e a Aveiro, foram particularmente alongadas”, e, citando o cronista Rui de Pina, refere que “D. Pedro se desloca ao Norte do país, em 1442, levando consigo D. Afonso, criança de 10 para 11 anos de idade, a fim de que começasse a conhecer o reino e algumas das suas cidades e vilas mais industriosas, como Guimarães, Porto e Aveiro”. Igualmente, “há notícia, ainda, de um confessor dominicano do monarca, Frei Dinis de Aveiro, homem de «santa vida», saído do círculo de influência do duque D. Pedro”.

Para além de casas, D. Pedro também possuía em Aveiro azenhas que moíam com água do mar, situadas no rio que “vai para junto da vila de Aveiro”, bem como “éguas e poldros que andam nas ilhas do termo do dito lugar”. Após a batalha de Alfarrobeira, todos esses bens foram confiscados por D. Afonso V e concedidos ao Conde de Odemira.

Dois anos após a morte do infante D. Pedro, o alemão Nicolau Lankmann de Walkensteon realizou uma viagem a Portugal, sobre a qual relatou que nas cercanias de Coimbra havia plantações de cana de açúcar, as quais deveriam ter pertencido ao infante D. Pedro, Duque de Coimbra, o que demostra o interesse de D. Pedro também pela agricultura nos seus territórios.

Mosteiro, Igreja, Hospital e feira franca

Além das muralhas de Aveiro, obra a que o infante D. Pedro deu especial atenção, o então senhor de Aveiro foi responsável por duas outras grandes obras, estas de cariz religioso, uma de raiz e a outra possivelmente uma ampliação.

A primeira foi a construção do Mosteiro de Santa Maria da Misericórdia, que doou à ordem de S. Domingos, motivo pelo que ficou conhecido por Mosteiro de S. Domingos, de que ainda resta a igreja (atual Sé de Aveiro) e uma pequena parte do mosteiro.

A segunda, foi a igreja de S. Miguel, que então era a matriz de Aveiro.

Uma outra obra, referida por Fernando Ferreira Dias, é o Hospital de Santa Cruz, que foi fundado pelo Infante D. Pedro, em 1443.

Também se deve a D. Pedro a realização de uma feira franca em Aveiro, cuja autorização foi dada pelo rei D. Duarte, em 27 de fevereiro de 1434. Quase seis séculos depois, essa feira continua a realizar-se anualmente, agora com a designação de “Feira de Março”.

Deve-se a D. Pedro a proibição dos nobres e outros fidalgos ao passarem por Aveiro aqui permanecerem mais de quatro dias, de modo a evitar os abusos que esses poderosos cometiam nas terras onde se instalavam.

 (A rubrica «Aveirenses ilustres» é promovida em parceria com o jornal diocesano Correio do Vouga)