Modos de interação entre ciência e religião
π [Pessoas & Ideias]
π.12 ~ Jesus e a Explicação
Miguel Oliveira Panão
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A caminho de Emaús, Jesus explica as escrituras fazendo com os dois discípulos um caminho interior, para além do exterior, que levaria os seus corações a arder quando O reconheceram na fração do pão. Jesus falava através de parábolas, não para entreter, mas explicar as coisas profundas. Não sei se alguma vez nos demos conta da tremendamente difícil missão de Jesus: a de explicar tudo, acessível a todos e em tão pouco tempo. Esta é a ideia-última que encontro em Jesus, e com a qual termino esta série de reflexões sobre Pessoas e Ideias (PI= π), sendo também o desejo-último de qualquer cientista que aspira comunicar aos outros o que compreende deste mundo complexo, e que se complexifica no tempo, através de palavras simples.
A coisa mais difícil para um cientista, e a mais necessária, é saber explicar aquilo que estuda, o que compreende daquilo que estuda, e até aquilo que não compreende, mas explica através de questões. O Método Feynman usado pelo conhecido professor e físico Richard Feynman era o que: 1) escolher um conceito; 2) explicá-lo a uma criança com palavras simples e ver se essa o entendia; 3) caso ela não entendesse significa que ainda não entendemos bem o conceito, levando-nos a estudá-lo melhor para identificar as lacunas no nosso conhecimento; 4) e, por fim, rever a nossa compreensão do conceito até se atingir o grau de simplicidade na explicação que permita a criança compreender. Sabemos que as perguntas no âmbito científico são o caminho autêntico a seguir para entender as coisas profundas que se passam fora de nós (Phýsis) e dentro de nós (Psyché). Jesus, como Filho de Deus, tinha a missão de explicar o que está para além de nós. O método de Feynman é inovador, mas o método de Jesus não parece ser semelhante ao de Feynman. Qual poderia ser a novidade da explicação em Jesus?
No seu livro, “O Início do Infinito”, David Deutsch aborda a ideia de explicação de uma maneira profunda e única. O ponto de partida que todos podemos imaginar sobre como definir explicações consiste em reconhecer serem tentativas de entender o mundo à nossa volta e o poder ilimitado que têm para causar mudanças e progresso. Deutsch argumenta que uma boa explicação é aquela que se revela difícil de variar. Ou seja, é difícil modificar uma boa explicação sem que essa perca o seu poder explicativo ou se torne falsa e deixe de ser o que pensávamos ser como explicação. Deutsch contrasta as boas explicações com as menos boas quando estas últimas são facilmente ajustáveis, acabando por não fornecer uma compreensão real do fenómeno que pretendem explicar. Deutsch discute ainda a ideia de que as explicações são ferramentas que usamos para manipular o mundo ao nosso redor. Não no sentido negativo, mas pela capacidade que a criação de boas explicações tem de nos permitir fazer coisas boas para melhorar a vida humana, como desenvolver tecnologia que cure e sociedades complexas onde todos têm lugar. É verdade que as explicações de que Deutsch fala relacionam-se mais com o conhecimento exterior da realidade e, por isso, são sempre provisórias e sujeitas a revisão, como no Método Feynman. Aliás, a procura por melhores explicações é sempre um processo contínuo e nunca podemos presumir chegarmos à verdade final sobre qualquer coisa. Algo positivo pelo sentido que tem de manter a nossa mente sempre aberta. Aliás, um efeito que Jesus conseguia sempre com as suas explicações.
Os tempos mudam com a evolução cultural, mas as explicações de Jesus permanecem intemporais. Permeadas pelo amor como energia base de tudo quanto existe, diria Teilhard de Chardin, as explicações de Jesus renovam-se continuamente. Não são explicações científicas, mas antes para as questões do sentido e significado da nossa existência. O que no mundo está ainda por descobrir é a Ciência da Existência, cuja versão mais próxima talvez fosse a “Ontologia” que estuda a natureza da existência. Porém, a Ciência da Existência para a qual Jesus oferece explicações não se restringe às coisas mais profundas, como serve também para as coisas mais banais. A amplitude das explicações de Jesus é, por assim dizer, infinita. Algo que pode apresentar algum problema para as mentes mais cépticas.
Quando queremos explicar tudo com a limitada linguagem que temos disponível, corremos o sério risco de vaguear e de acabarmos por explicar muito pouco. Por isso, as explicações de Jesus sobre o amor, o perdão, a justiça e tantas outras coisas, tornaram-se intemporais por exigirem a experiência daquilo que explicam para serem compreendidas e neste ponto, parece-me, reside o valor universal e insólito da explicação em Jesus.
A explicação em Jesus provém da vida e gera vida para ser compreendida. Significa isso que o processo de compreender uma explicação de Jesus exige a vivência, em cada tempo presente, daquilo que essa explicação sugere ao coração de cada pessoa. Por exemplo, ao vivermos o amor como dom-total-de-nós-mesmos (amor-ágape), criamos ordem a partir do caos da nossa existência. Ordem porque o amor-ágape liga o que (e quem) toca, gerando novos padrões relacionais que continuam a complexificar o universo e a permeá-lo de novidade.
A ideia última da explicação-vivificante que Jesus oferece com tudo o que explicou e foi captado nos Evangelhos, liga de forma surpreendente a razão à relação, a morte à vida, o finito ao infinito. E por mais diferente que seja a nossa cultura, pôr em prática as explicações de Jesus, se as quisermos compreender profundamente, implica a existência de uma infinidade de vias possíveis, como se fossem infinitas linguagens. E a única forma de as traduzir será através da vida em nós e entre nós. Em Jesus, a explicação vive-se.
Imagem de Lizeth Lopez por Pixabay