Sex. Mar 28th, 2025

A solenidade da Imaculada Conceição, a padroeira de Portugal, de tão longas tradições entre nós, portugueses, acontece em pleno tempo de Advento, tempo em que esperamos a vinda do Salvador. Por um lado, recorda a vinda do filho de Deus feito homem, para tornar presente a salvação. Por outro lado, anuncia que, no final dos tempos, Aquele que incarnou, ressuscitou e subiu aos céus voltará glorioso para levar à sua plenitude a salvação iniciada.

Entre as duas vindas situa-se o tempo do mundo e da Igreja, de tal modo que a celebração eclesial do advento, memória e anúncio, passado e futuro, atualiza no hoje da nossa vida essa dupla vinda até nós. O que aconteceu ontem é a prova do que acontecerá no futuro e do que agora se antecipa no presente.

Maria é a síntese perfeita do que é o Advento: torna real a vinda do Salvador, a concretização do sonho, do projeto e da promessa. Maria, é, por isso, a comunhão, em si mesma, do dom e da liberdade, do sonho (darás à luz o Filho de Deus) e o seu acolhimento na nossa história humana (faça-se em mim segundo a tua palavra). Este projeto tem diferentes nomes: santidade, salvação, graça.

É isto que nos narra S. Paulo na carta aos Efésios: Deus abençoou-nos na pessoa de Cristo com toda a espécie de bênçãos espirituais, porque nos escolheu antes da criação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis. Escolheu-nos para sermos seus filhos por meio de Jesus Cristo, de acordo com o beneplácito da sua vontade.

Por isso, o projeto de Deus olha para o futuro (destinados na pessoa de Cristo), que desde o início da criação já estava presente através da sua marca de santidade. No início, Adão era, ao mesmo tempo, santo e chamado à santidade. Nele não havia pecado e estava destinado a alcançar a sua plenitude em Jesus Cristo. Esta é a perspetiva do plano de Deus – um plano que não vai do pecado à graça, mas sim da graça à abundância de graça.

O pecado, tal como é narrado na primeira leitura, supõe a irrupção na história de uma realidade que, em nenhum momento, tem a sua origem em Deus, mas sim no próprio homem tentado pelo maligno; uma realidade presente na nossa vida – pecado original –, mas que não responde à identidade do ser humano.

Maria, em virtude da eleição para ser mãe do Filho de Deus, foi preservada de toda a mancha de pecado, isto é, estava na mesma situação que Adão antes do pecado e, por esta razão, cumprem-se nela, de um modo único, as palavras da carta aos Efésios. Maria manifesta a verdade de Deus sobre o ser humano (alegra-te cheia de graça), abre-se à plenitude da graça na Palavra (Jesus Cristo), da qual vai ficar grávida por obra do Espírito Santo.

Graças ao Deus que vem, e de Maria, a mulher que acolhe no seu seio a sua vinda, tem de crescer em nós um impulso renovador do Espírito de Deus, que nos leve a atualizar o mistério da Incarnação: «Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra».

Queridos ordinandos ao diaconado permanente, diz-nos o Ritual da ordenação do bispo, dos presbíteros e diáconos que «Aos diáconos são-lhes impostas as mãos, não para o sacerdócio, mas para o ministério sagrado. Fortalecidos com a graça sacramental, servem o povo de Deus, em união com o Bispo e o seu presbitério, na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade.»

Hoje, com a vossa ordenação diaconal, sois chamados a ser discípulos na missão para a qual a Igreja vos escolheu. Seguir Jesus é manter com Ele uma profunda intimidade. Sem uma profunda intimidade com o Senhor não há seguimento autêntico. Fomos chamados para estar com Ele, para O amar e trabalhar com Ele e por Ele.

Todos os séculos da história estão repletos de testemunhos corajosos e comoventes do amor característico do seguimento. Um bispo dos primeiros tempos da Igreja, santo Inácio de Antioquia, prestes a morrer martirizado no ano de 107, em Roma, escreveu aos Romanos que queriam obter do imperador uma bula que o livrasse do martírio: «Agora que começo a ser discípulo, que nenhuma coisa visível nem invisível se oponha a que eu alcance Jesus Cristo. Fogo e cruz, quebra dos ossos, venham a mim, com a única condição de que eu alcance Jesus Cristo. Para mim, é melhor morrer em Jesus Cristo do que reinar em todos os confins da terra. Quero Aquele que morreu por nós. Amo Aquele que ressuscitou por nós».

O convite de Jesus a que o sigamos inclui um convite a que nos integremos no seu projeto. Ele não nos diz simplesmente «vinde comigo», mas «vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». Não há seguimento de Jesus sem missão a cumprir.

 E quem não se preocupa com a sua missão salvadora, a sua fome religiosa, a sua sede de Deus, o seu desejo de aprender, de rezar, de se comprometer, não é seguidor de Jesus. Quando falta a componente interior do seguimento, a missão converte-se em ativismo egocêntrico ou, quando muito, numa pura atividade generosa.

Termino com as palavras do Papa Francisco dirigidas aos agentes de pastoral do nosso país no mosteiro dos Jerónimos, e que são muito próprias da missão que hoje vos é confiada: «Quando virmos alguém, um amigo nosso, que caiu, que devemos fazer? Levantá-lo. Reparai, quando alguém tem de levantar ou ajudar uma pessoa a levantar-se, que gesto faz? Olha-a de cima para baixo. Trata-se da única ocasião, do único momento em que é lícito olhar uma pessoa de cima para baixo: quando queremos ajudá-la a levantar-se. (…) Pois bem! O segredo do caminho está um pouco nisto: na constância em caminhar. Na vida, para se conseguir algo, é preciso treinar a caminhar». Que este seja o vosso caminho de santidade com as vossas famílias e as comunidades onde trabalhardes na construção do Reino de Deus.

Peço a intercessão de Maria, a mulher do “sim”, e da nossa padroeira santa Joana Princesa, para o vosso ministério e missão.

Catedral de Aveiro, 08 de dezembro de 2023

 António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro


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