Sex. Mar 28th, 2025

Aveirenses notáveis

JOÃO FRANCISCO DO CASAL – O EMPRESÁRIO QUE INOVOU NO SETOR DAS DUAS RODAS

Cardoso Ferreira (textos)

Parceria com o Correio do Vouga

João Francisco do Casal foi um empresário aveirense que com os veículos “Casal” inovou o setor nacional da produção de motorizadas e de motos de pequena cilindrada, tendo ainda desenvolvido um projeto para o fabrico de automóveis.

Filho de Júlio Francisco do Casal (1883 – 1963) e de Silvina Simões Morgado (1895 – 1987), João Francisco do Casal nasceu no lugar do Bonsucesso (Aradas), no dia 1 de setembro de 1922. Faleceu no dia 8 de agosto de 2021. Foi casado com Rosa Gonçalves Pata, oriunda de uma família da Gafanha da Nazaré.

Após os estudos primários, e de ter frequentado o ensino comercial e aulas de francês, João Casal iniciou a sua atividade profissional nos caminhos de ferro, em Peso da Régua.

No ano de 1945, a convite de António Marabuto, desligou-se da empresa dos caminhos de ferro para formar, em 1946, a sociedade “Marabuto, Casal & Madail, Lda”, que tinha por objetivo o comércio de mercearias. Posteriormente, em 1954, fundou a “Sociedade de Mercearias do Vouga e a empresa “J. Casal”.

Visando a exportação de mercearias, nos primeiros anos da década de 1950, João Casal visitou a Itália e, por diversas vezes, a Alemanha, contactando diretamente com a economia e com os empresários alemães, interessando-se pela reconstrução daquele país no pós Segunda Guerra Mundial.

Numa das viagens que fez à Alemanha, em 1954, esteve na Feira de Hanover, onde estabeleceu contactos com empresários de diversos ramos, já que pretendia diversificar a sua atividade para além do comércio de mercearias. Foi precisamente nesse certame que contactou com a “Zundapp-Werke GmrH”, uma empresa metalúrgica que procurava um representante em Portugal para os seus motores de rega, máquinas de costura e motorizadas.

Ainda sem qualquer vínculo formal com aquela empresa germânica, a “J. Casal” começou então a comercializar produtos daquela marca, bem como produtos de outras empresas e de outros fabricantes. Só em 1957 passou a ser representante dos motores “Zundapp” em Portugal.

Apesar de tentar, desde 1955, fundar uma empresa de montagem de bicicletas motorizadas com motor “Zundapp”, só em 1962 obteve o alvará para instalar uma oficina de reparação e afinação de bicicletas motorizadas.

Em 1961, João Casal, juntamente com dois irmãos e um primo, criou a empresa “Casal, Irmãos & Cia”, a qual posteriormente deu origem à “Veículos Casal, Lda”. Esta empresa comprava motores à “J. Casal” e quadros e outros equipamentos à “Vilar”. Depois de montados, esses veículos de duas rodas eram comercializados sob a marca “Motosal”.

Nos finais de 1963, João Casal, juntamente com o irmão Manuel Francisco do Casal, e ainda com Amândio Pereira Simões e António Costa Nogueira Rodrigues, fundou a “Metalurgia Casal, Lda”. Esta nova empresa tinha por objetivo a produção dos veículos e dos motores que seriam comercializados pela “J. Casal”. Ainda nesse ano teve início a construção das instalações da “Metalurgia Casal”, situadas junto à Estrada de Taboeira, em Esgueira.

O ano de 1965 ficou marcado pelo fim da relação entre as empresas de João Casal e os alemães da “Zundapp”. Por essa altura, o governo português, liderado por António de Oliveira Salazar, pretendia que a “Metalurgia Casal” produzisse motores, de fabrico nacional, e não se limitasse a importar motores alemães.

Por isso, em junho de 1966 esta empresa deu início à produção dos motores “Casal”. Poucos meses volvidos, a empresa começou a comercializar a scooter “Carina S 170”. No ano seguinte, a Casal iniciou a exportação dos seus motores (de motorizada e de atomizadores agrícolas) e da motorizada “Carina”. Em 1971, as exportações representavam 55% da produção da empresa.

Até ao final da década de 1960, a “Metalurgia Casal” produziu diversos modelos de motorizadas e de motores com cilindradas que iam dos 50 cc (centímetros cúbicos) aos 150 cc, De realçar que as motorizadas “Casal” tiveram bastante sucesso em exigentes mercados europeus, como era o holandês.

Em 1970, a “Casal” deu início à comercialização da primeira moto de fabrico nacional, o modelo “K 260”, de 125 cc.

No ano de 1972, foi constituída a empresa “Metalurgia Casal (Angola) Lda.”, que visava a produção de motores e motorizadas para serem comercializados naquela antiga colónia portuguesa e em países africanos limítrofes.

No ano seguinte, estabeleceu uma parceria com a “Fábrica de Bicicletas de Moçambique” para a montagem e comercialização dos veículos “Casal” naquele território então português.

A revolução de 25 de Abril de 1974 provocou alguma instabilidade no mercado nacional, a qual se refletiu na produção e comercialização de motorizadas e de motores agrícolas, facto agravado pela independência das antigas colónias portuguesas, nomeadamente Angola e Moçambique. A par disso, a entrada dos veículos motorizados de duas rodas produzidos no Japão destabilizou o próprio mercado europeu desse setor, dificultando a exportação da “Casal” para a Europa.

Depois de um período complicado, a “Metalurgia Casal” encerrou definitivamente a sua atividade em fevereiro de 2000. Por essa altura, as suas instalações foram vendidas para a construção do hipermercado “Carrefour” e centro comercial anexo.

Automóvel “Casal”

Em 1971, a Casal” solicitou autorização governamental para produzir veículos automóveis, pedido que recebeu deferimento em setembro desse mesmo ano.

O projeto dos automóveis “Casal” contava com a parceria das empresas francesas “Renault” e “Schoussons”. Os veículos a produzir teriam características próximas dos modelos “15” e “172 da “Renault”.

No entanto, a produção dos automóveis “Casal” não avançou, possivelmente devido a pressões das marcas estrangeiras que detinham fábricas de montagem em Portugal. As perturbações políticas consequentes à revolução de 25 de Abril de 1974 puseram um fim definitivo a esse projeto.

Escola de aprendizes

João Casal sonhava, desde 1956, com a fundação de uma “escola de aprendizes” na sua empresa, a qual só se concretizou em 1965.

Nesse ano, a “escola” iniciou funções ao ministrar conteúdos programáticos idênticos aos da Escola Industrial e Comercial de Aveiro, da qual eram oriundos alguns dos docentes. Os cursos de serralheiro mecânico, fresador e torneiro tinham a duração de três anos, e incluíam ainda as disciplinas de matemática, português e educação física. A “escola” dispunha de uma cantina própria.

Em 1979, essa “escola de aprendizes” deu lugar ao Centro de Formação Profissional.

Homenagens a João Casal

Em dezembro de 2017, João Francisco do Casal foi homenageado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe atribuiu a Comenda de Grande Oficial da Ordem de Mérito Empresarial, em reconhecimento do “mérito e serviço nacional” que prestou ao país.

No dia em que faria 99 anos de idade (1 de setembro de 2021), a Junta de Freguesia de Aradas homenageou João Francisco do Casal, atribuindo-lhe, a título póstumo, a Medalha de Honra da Freguesia. A cerimónia tinha sido agendada anteriormente, ainda antes do falecimento de João Francisco do Casal, ocorrida no dia 8 de agosto desse mesmo ano.