Ter. Fev 18th, 2025
Modos de interação entre ciência e religião

Pontes


Ponte (X) Ciência—Teologia

Miguel Oliveira Panão

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Duas formas de compreender as visões de mundo que temos e que muitos gastam rios de palavras para justificar qual é a verdadeira. Porém, explorar o tecido da realidade nos seus aspectos interior e invisível, em consonância com o exterior e visível, implica reconhecer que são ambas duas margens do mesmo rio. A ponte que une ciência e teologia será a filosofia. O impulso que nos leva a caminhar pela ponte será a dúvida. Mas existe um elemento adicional necessário para fazer da dúvida um impulso positivo no diálogo profícuo entre ciência e teologia: a curiosidade.

A ciência tem por objecto o mundo. A teologia tem por objecto Deus. E enquanto o primeiro passo do método científico é a observação que a curiosidade suscita, no método teológico, o primeiro passo consiste em reconhecer que «a Deus jamais alguém o viu» (Jo 1, 18), pelo que a única forma será indirecta. Aliás, sendo Deus a realidade-que-tudo-determina, como expressa o teólogo Wolfhart Pannenberg, não pode haver outro objecto para a teologia que não seja Deus. Porém, Deus é inacessível à ciência e daí a grande cisão experimentada por muitas pessoas. Uma cisão que a filosofia pode ajudar a superar como ponte, mas entender o tipo de ponte não é evidente.

Existem diversas correntes filosóficas e usar a filosofia como ponte arrisca-se a limitar o alcance daquilo que a teologia pode atingir, limitando o modo como aborda as questões das realidades últimas. Diz Luis Silva em ”Teologia, Ciência e Verdade” que — «se a teologia pretender fazer uso de uma argumentação deste tipo (negativo e comparativo, recorrendo aos limites das ciências e não às suas potencialidades) ficará necessariamente privada de uma das suas maiores virtualidades: a capacidade de apontar um horizonte que, na antecipação das suas proposições, garante o sentido dos sentidos presentes na realidade» (p. 65). A ciência permite explicar a realidade física, mas a teologia ao oferecer horizontes de sentido e significado impulsionados pela procura da compreensão de Deus permite explorar a realidade última, íntima e profunda.

Como ponte, a filosofia não se sobrepõe às margens, mas oferece uma possibilidade de gramática dialogal para orientar o nosso modo de expressar o que pensamos e acolher o que os outros pensam. Não sendo filósofo ou possuindo formação senão a básica em filosofia, não é fácil fazer-me entender sem correr o risco de diminuir o alcance desta ponte. Por isso, recordo o que aprendi ser a raiz da própria palavra “filosofia”: o amor à sabedoria. E no tempo presente, onde abunda a superficialidade, afogados num mar de informação que nos mantém entretidos até à morte (como dizia Neil Postman), existe sabedoria no reconhecimento do valor de voltarmos a desenvolver uma atitude mental curiosa. Porém, não somente a curiosidade de querer saber, mas antes a curiosidade de compreender o pouco que sabemos.

É difícil para a filosofia servir de ponte entre ciência e teologia quando sabemos tão pouco de uma coisa e de outra. Com o vírus da desinformação é cada vez mais difícil para uma pessoa distinguir facto de ficção. Logo, o risco de confundirmos os horizontes com mais uma ficção é elevado. E se existe uma grande preocupação civilizacional para assegurar a literacia científica das pessoas, o que se tem feito para desenvolver a literacia teológica? Depois de ter lido todos os artigos científicos da minha área enquanto demorava horas infindáveis a medir no laboratório, dei por mim a ler teologia e fiquei fascinado. Quantas coisas não fazia a mínima ideia e pensava quão pouco nos eram oferecidas (à leitura), ao passo que relativamente à ciência, a oferta podia, inclusive, levar católicos há 30 anos a perder a fé em Deus. Algo precisa de mudar. Parece-me estarmos a precisar de uma filosofia do diálogo.

Um diálogo autêntico entre ciência e teologia que vá para além das justificações das nossas posições ou crenças. Num diálogo autêntico ecoa dentro de nós uma curiosidade imensa e genuína por aquilo que o outro pensa. As dúvidas não servem para atrair o outro para as nossas crenças, mas explorar com o outro as crenças de ambos e qual a visão da realidade, assim como o horizonte de sentido e significado que se pode abrir com a partilha de conhecimentos e experiências de vida. A filosofia do diálogo como ponte é uma filosofia de vida, que parte da vida, e que nos impulsiona a viver para as realidades últimas.


Imagem de Evgeni Tcherkasski por Pixabay