Seg. Fev 17th, 2025
Modos de interação entre ciência e religião 

π [Pessoas & Ideias]


π.8 ~ Edwards e a Proximidade

Miguel Oliveira Panão

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Contemplar o universo numa noite de céu limpo e sem iluminação das ruas, abre o nosso olhar ao infinito das estrelas. Quem alguma vez contemplou a Via Láctea já experimentou como o Universo é incomensurável diante da nossa pequenez. Pensar que Deus tenha criado tudo o que existe, do nada e por amor, e mesmo assim o vasto Universo criado não pode conter Deus, como podemos conceber que Ele esteja mais próximo de nós do que nós estamos de nós próprios? Como podem os seres humanos, restos como são da poeira que se formou na morte de uma estrela, ser capazes de se tornarem o imenso universo que pensa sobre si mesmo?

O P. Denis Edwards (1943-2019) foi um sacerdote australiano cujo pensamento teológico centralizado nos relacionamentos aproxima-nos de uma experiência humana de Deus que se faz próximo. Para Edwards, a natureza de uma experiência —

«envolve tanto o encontro como a interpretação do encontro. (…) A experiência é melhor vista como encontro com algo ou alguém que se torna disponível à consciência através da consciência reflexiva. Refere-se a um encontro interpretado no interior da consciência humana.» (Edwards, 1983)

As experiências de vida que alimentam aquilo em que acreditamos parecem estar demasiadamente condicionadas à materialidade inerente a essas experiências. Se experimento fome, ingiro alimentos. Se experimento uma alegria interior, sorrio, independentemente daquilo que se passa à minha volta. E mesmo que toda a lógica, sentido e significado dos gestos ou palavras visíveis sejam uma experiência sensível e, por isso, consideramo-la verdadeira, a experiência da consciência é, também, inegável. Todos a reconhecem porque a experimentam neles próprios. Apesar da experiência da consciência ser subjectiva, por ser única em cada pessoa, como todos a experimentamos, reconhecemos a veracidade dessa experiência no outro porque a reconhecemos em nós. E para Edwards, a experiência relacional presente em tudo no mundo provém da interpretação feita com a consciência reflexiva. Uma experiência relacional que desafia a humanidade.

«A humanidade está a ser desafiada a optar, conscientemente, por um modo de vida que respeite a interconectividade de todas as criaturas. (…)

O relacionamento entre Deus e as criaturas não deve ser entendido em termos mecanísticos. (…) A criação é compreendida em termos de relação.» (Edwards, 1992)

Denis Edwards considerava que no coração da fé estava a ciência dos relacionamentos: a ecologia (Edwards, 2006). Não nos podemos relacionar com insectos, um cão ou um crocodilo, do mesmo modo com que nos relacionamentos com outras pessoas. Porém, observar as abelhas vai para além de consumir o seu mel. Brincar com um cão vai para além da sua utilidade em nos proteger. E até nos podemos relacionar com os crocodilos, sorrindo para eles e eles para nós, desde que haja uma janela de vidro reforçado pelo meio. Brinco, mas reconheço que sem encontrar no outro uma consciência com a qual possa interagir, o ser humano tem ainda alguma dificuldade em estabelecer os relacionamentos com o mundo natural que poderia ter. Porém, segundo o pensamento de Denis Edwards,

«o Espírito transforma este mundo a partir do interior.» (Edwards, 2006)

O poder de Deus na visão de Edwards manifesta-se na proximidade dos relacionamentos impulsionada pelo amor. — «O poder de Deus é revelado em Cristo como um poder-no-amor, como um poder relacional.» Mas Edwards não esconde a dor dizendo que — «a natureza do poder revelado na cruz de Cristo deveria ser o que governa todo o pensamento Cristão sobre o Deus todo-poderoso.» — Pois, — «na cruz de Jesus, os Cristãos encontram um Deus que entra na dor do mundo e sofre com o sofrimento da criação. Na ressurreição, eles encontram a promessa de que a morte não tem a última palavra.» — A criação de Deus no amor, emergente do amor e como acto de amor, não está isenta de dor. E parece-me que Deus se fez homem e não macaco, para nos mostrar o valor da consciência-de-si-mesmo como forma de nos colocarmos no lugar do outro, conhecer a sua experiência e cuidar dessa. Não por acaso que São Paulo escreveu que — «até a criação se encontra em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi sujeita à destruição – não voluntariamente, mas por disposição daquele que a sujeitou – na esperança de que também ela será libertada da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus. Bem sabemos como toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente.» (Rm 8, 19-22) A nossa consciência é o poder relacional que Deus nos deu e através da qual podemos ser criativos nos relacionamentos de proximidade a estabelecer com o mundo natural. Por que razão está a demorar tanto para colocar a consciência ao serviço da família da Criação?

Bibliografia de Denis Edwards

  • “The Human Experience of God”, Paulist press, 1983.
  • “Made from stardust — Exploring the place of human beings within creation”, Collins Dove, 1992
  • “Ecology at the hearth of faith”, Orbis Books, 2006

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay