Sáb. Mai 4th, 2024
As leis da cidade | Espaço dedicado a textos sobre legislação

Tiago Azevedo Ramalho 

[O texto introdutório pode consultar-se aqui.]

– 12. As fronteiras: nós entre nós.Onde há Estados, há fronteiras. Há-as físicas, mas há-as igualmente humanas: mediante o vínculo da cidadania circunscreve-se a diferença entre o nós e o eles. Da existência destas fronteiras humanas resultam três problemas: o de dispor acerca do próprio estatuto («nós entre nós»); o de dispor acerca do estatuto dos estrangeiros que se inscrevam dentro das fronteiras físicas do Estado («eles entre nós»); e o de dispor acerca do estatuto dos nossos que se encontram do lado de lá («nós entre eles»). Haveria um quarto problema: o do estrangeiro do estrangeiro («eles entre eles»). Mas esse problema é, justamente, estranho ao Estado nacional.

Quanto ao nós entre nós, somente dois projectos pretendem modificar o texto constitucional: ora incidindo nos «princípios gerais», ora noutros lugares daquele texto, mas que, por conveniência, serão aqui considerados.

A primeira tem por proponente o Partido Chega, que sugere uma ligeira alteração de reforço identitário. Por um lado, prevendo a introdução de um dever de cidadania, mediante um novo número (que seria o n.º 2) a colocar no art. 4.º, norma que respeita à circunscrição do vínculo de cidadania. Passaria a dever de todos os cidadãos de «conhecer a língua e a cultura portuguesa». Por outro lado, prevendo que em todos os graus de escolaridade o ensino seja ministrado em língua portuguesa (novo n.º 3 ao art. 74.º). Exceptua-se apenas o ensino ministrado «em instituições de Estados estrangeiros» ou «por professores que não dominem a língua portuguesa e que leccionam língua estrangeira». Embora dificilmente o texto constitucional se possa considerar o lugar próprio para uma disposição desta índole (tão concreta no seu sentido dispositivo), o problema a que visa dar resposta – a da independência linguística – não deixa de merecer ponderação.

A segunda tem por proponente o PCP, e visa reforçar a protecção de cidadãos nacionais: onde no art. 33.º, 1 se lê que «não é admitida a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional», passa a ler-se que não é igualmente admitida a extradição. Como depois veremos, a proposta do PCP restringirá igualmente as causas de extradição de estrangeiros.

Trata-se, de qualquer das formas, de duas alterações muito leves. Assim se comprova o que muitos vêm sinalizando: a respeito de Portugal, não se coloca nenhum problema essencial de identidade que imponha a utilização de réguas e cânones delimitativos do que é «ser português».


Imagem de Gordon Johnson por Pixabay