Um olhar atento ao tempo que flui
Victor Bandeira*
Aquando das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), que decorreram, no nosso país, em 2023, foram inúmeras as acções tomadas e as actividades desenvolvidas, que envolveram milhares de pessoas de todas as idades, um pouco por todas as dioceses de Portugal. Na Diocese de Aveiro, peregrinaram os símbolos maiores das JMJ, durante as várias iniciativas realizadas: o ícone de Maria (Nossa Senhora Salus Populi Romani) e a Cruz peregrina, que seguiram “em peregrinação para serem anunciadores do Evangelho e acompanharem os jovens, de forma especial, nas realidades em que vivem”.
A Cruz peregrina mede 3,8 metros de altura, foi produzida em madeira, no Ano Santo de 1983, e entregue aos jovens pelas mãos do Papa João Paulo II, no Domingo de Ramos do ano seguinte, para que percorresse todo o mundo.
O ícone de Maria está associado a uma das mais populares devoções marianas em Itália, havendo o costume antigo de o levar em procissão pelas ruas de Roma, para afastar perigos e desgraças, ou pôr fim a pestes. O ícone original encontra-se na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, e é visitado pelo Papa Francisco, que ali reza e deixa um ramo de flores, antes e depois de cada viagem apostólica. Assim aconteceu também, excepcionalmente, no Domingo 23 de Março de 2025, quando teve alta do seu mais longo internamento hospitalar.
Ambos os símbolos, com tanto significado para o mundo católico, foram testemunhas do nascimento de um pequeno pedaço de terra, de novo cultivado e reconvertido, após se ter tornado em cinzas, nesta Diocese de Aveiro. Mais concretamente, estes dois símbolos, enquanto peregrinaram por terras de Estarreja, acompanharam uma iniciativa que decorreu na paróquia de Canelas: a criação de um pequeno bosque, denominado por aqueles dias de “Parque Verde JMJ 2023”.
No Dia da Árvore, a 21 de Março de 2023, durante a tarde, plantaram-se cerca de 700 árvores (estava previsto serem 1000) num terreno com cerca de 1hectare, na Rua da Mata, cedido, para o efeito, pela Junta de Freguesia, estando situado numa área ardida durante os incêndios que assolaram aquela região em 2022. No “Parque Verde JMJ 2023”, criado pelo Comité Organizador Diocesano (COD) de Aveiro, em conjunto com o Município de Estarreja, plantaram-se azevinhos, carvalhos-alvarinhos, medronheiros e sobreiros, com a premissa de aludir ao “cuidado com o ambiente e a sustentabilidade”.
Estas plantações de árvores tiveram origem num desafio mundial lançado pela Fundação JMJ Lisboa 2023, em parceria com a Global Tree Initiative (GTI), que pretende alertar para a importância da biodiversidade e para as alterações climáticas, sensibilizando a sociedade para os efeitos adversos dos eventos climáticos extremos que se têm vindo a assistir com maior regularidade.
As crianças de Canelas e os jovens da Escola Secundária de Estarreja ajudaram na plantação, juntamente com autarcas, voluntários, agentes de pastoral, religiosas, sacerdotes, técnicos e vereadores da Câmara Municipal de Estarreja, bombeiros, militares, o Bispo de Aveiro, D. António Moiteiro, e o próprio presidente da Fundação JMJ e Bispo Auxiliar de Lisboa à época, D. Américo Aguiar, hoje cardeal e Bispo de Setúbal.
Passados dois anos desta plantação de árvores, em pleno ano jubilar de 2025, fez-se uma visita ao “Parque Verde JMJ 2023”, percorrendo-se toda a área da plantação, a fim de se registar o estado actual do crescimento destas jovens árvores.
O resultado é bastante positivo! Nesta segunda Primavera em que as jovens árvores se encontram no terreno, já é visível o desabrolhar dos rebentos dos carvalhos, enquanto se mantêm as folhas persistentes dos azevinhos, dos sobreiros e dos medronheiros.
Nestes últimos dois anos, apenas morreram 10% das árvores plantadas, tendo sido substituídas por novas árvores, incluindo-se novas espécies na lista das 4 originais: uma de cedro e outra de pinheiro.
No Verão, sem a proteção da sombra de árvores de maior porte, torna-se mais difícil para estas jovens árvores atravessarem o período mais seco e mais agreste do ano. O solo, sem sombra, torna-se mais seco e mais pedregoso, dificultando a instalação de raízes e, consequentemente, o crescimento mais acelerado das jovens árvores.
No Inverno, as dificuldades advêm com as chuvas torrenciais sobre os solos desprotegidos, que lixiviam os nutrientes necessários às árvores e que mobilizam os inertes, podendo provocar sulcos que expõem as raízes ao ambiente aéreo.
É notório que tem havido cuidados com esta plantação de árvores, a Junta de Freguesia tem proporcionado a limpeza mecânica das silvas e de outras espécies infestantes, que, deixadas em crescimento livre, rapidamente atapetariam a área da plantação, não permitindo o crescimento das jovens árvores, que, pela sua natureza, é muito mais lento do que o crescimento das espécies herbáceas e sub-arbustivas.
O crescimento de um bosque, de uma floresta, torna-se muito mais difícil e demorado quando se parte do zero, como neste caso, em que não havia qualquer árvore de maior porte que pudesse garantir a estabilização dos solos, sombra, retenção de nutrientes e de humidade no solo, a renovação do ciclo dos nutrientes com a deposição de material orgânico, como as folhas que vão caindo e se vão depositando sobre a superfície, elaborando o húmus, tão necessário aos solos.
A Natureza é resiliente e há-de vir a permitir que um dia, daqui a alguns anos, a algumas décadas, possamos ser testemunhas destas árvores com maior porte, que contribuam eficazmente para o suprimento dos vários serviços de ecossistema, a fim de que o objectivo com que este “Parque Verde JMJ 2023” foi criado, seja cumprido.
O ensinamento que a Natureza nos dá com a prática desta plantação de árvores jovens e com o seu acompanhamento ao longo do tempo, é o de que o crescimento das espécies arbóreas leva o seu tempo a crescer e a desenvolver, e que a substituição de árvores antigas, levadas pelos fogos, ou decepadas e trucidadas pelas motosserras dos humanos, não é substituível a curto, nem a médio prazo, demora muito tempo. Demora décadas!
Uma árvore de grande porte é um património monumental vivo que leva décadas a erigir a sua estrutura majestosa e a proporcionar serviços equivalentes àquilo que dezenas de árvores jovens não conseguem produzir.
Portanto, lembremo-nos de que as árvores antigas ou de grande porte que hoje queimamos, decepamos, podamos, obliteramos, cortamos e que descartamos, não é possível que sejam repostas à mesma grandeza e proporção no tempo útil e diminuto da nossa vida, e da nossa condição de ser humano.
Que a Encíclica “Laudato Si” seja, de facto, palavra a pôr em prática e instrumento de trabalho sempre aberto em cima das nossas mesas, para que o desenvolvimento e os recursos naturais que hoje usamos não comprometa as gerações futuras a suprir as suas próprias necessidades.
Referências
Notícias | Lisboa 2023: Mil árvores dão vida ao «Parque Verde JMJ», na Diocese de Aveiro (c/fotos)
https://www.diocese-aveiro.pt/v2/?p=22755
https://www.lisboa2023.org/pt/artigo/mil-arvores-dedicadas-a-jmj-lisboa-2023-em-aveiro
https://www.lisboa2023.org/pt/plantacao-mundial-de-arvores
https://www.lisboa2023.org/pt/simbolos
Legendas das Figuras
Figuras 1 a 5. Momentos da plantação de árvores no “Parque Verde JMJ 2023” a 21/03/2023 (Fotos recolhidas em https://diocese-aveiro.pt/cultura/noticias-lisboa-2023-mil-arvores-dao-vida-ao-parque-verde-jmj-na-diocese-de-aveiro-c-fotos/)
Figuras 2 a 11. Panorâmica do “Parque Verde JMJ 2023” a 18/03/2025 (foto de Victor Bandeira)
Figura 12. Medronheiro em destaque no “Parque Verde JMJ 2023” a 18/03/2025 (foto de Victor Bandeira)
Figura 13. Carvalho-alvarinho em destaque no “Parque Verde JMJ 2023” a 18/03/2025 (foto de Victor Bandeira)
Figura 14. Sobreiro em destaque no “Parque Verde JMJ 2023” a 18/03/2025 (foto de Victor Bandeira)
Figura 15. Azevinho em destaque no “Parque Verde JMJ 2023” a 18/03/2025 (foto de Victor Bandeira)
Figura 16. Medronheiro em destaque com a panorâmica do “Parque Verde JMJ 2023” a 18/03/2025 (foto de Victor Bandeira)