Ter. Abr 23rd, 2024

A pretexto dos 150 anos do fim da pena de morte, em Portugal

(1 de julho de 1867)

A pretexto dos 150 anos do decreto de D. Luís que aboliu a pena de morte para crimes civis, publicam-se, aqui, duas cartas do escritor Victor Hugo, que refletem o impacto desta decisão no contexto internacional, e um discurso do Papa Francisco sobre a pena de morte.

Tenha-se em conta que a proposta para abolir a pena de morte para crimes civis, em Portugal, foi avançada pelo Ministro da Justiça, Manuel Baptista, em Julho de 1867 e aprovada na Câmara dos Pares do Reino, em 1 de Julho de 1867, durante o reinado de D. Luís. O Código de Justiça militar em Portugal manteve a pena de morte e só a aboliu completamente em 1976.

Antes, porém, desta abolição da pena de morte para crimes civis, já se destacara um deputado de origem aveirense, Manuel José Mendes Leite, que, em 1852, propôs um aditamento ao Ato adicional à Carta Constitucional, aditamento que, designado como artigo 16º, decretava o fim da pena de morte para crimes políticos.

(Para mais informações sobre esta discussão e sobre o adiamento do fim da pena de morte para todos os crimes civis, pode ler-se o artigo de Teotónio Barroqueiro, A pena  de morte em Portugal).

Carta de Victor Hugo ao jornalista Eduardo Coelho publicada no Diário de Notícias de 10 de Julho de 1867.

Está pois a pena de morte abolida n’esse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande historia! Penhora-me a recordação da honra que me cabe n’essa victoria ilustre.

Humilde operario do progresso, cada novo passo que elle avança me faz pulsar o coração.

Este é sublime. Abolir a morte legal deixando á morte divina todo o seu direito, todo o seu mysterio é um progresso augusto entre todos.

Felicito o vosso parlamento, os vossos pensadores, os vossos escriptores e os vossos philosophos!

Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo á Europa. Disfructae de antemão essa imensa gloria. Morte á morte! Guerra á guerra! Odio ao odio. Viva a vida! A liberdade é uma cidade imensa, da qual todos somos cidadãos.

Aperto-vos a mão como a meu compatriota na humanidade.

Victor Hugo.

Encontrada aqui: http://150anosdaabolicaodapenademorteemportugal.dglab.gov.pt/2017/02/27/correspondencia-trocada-entre-vitor-hugo-eduardo-coelho-e-brito-aranha/

Correspondência trocada entre Brito de Aranha e Victor Hugo

Ao Sr. Pedro de Brito Aranha

Hauteville-House. 15 de Julho [1867]

A vossa nobre carta fez-me bater o coração. Sabia da grande notícia; é-me agradável receber de vós o simpático eco. Não, não há pequenos povos. Mas sim, pequenos homens, infelizmente! E, por vezes, são aqueles que conduzem os grandes povos. Os povos que têm déspotas assemelham-se a leões açaimados. Amo e glorifico o vosso belo e querido Portugal. É livre, portanto, é grande. Portugal acaba de abolir a pena de morte. Acompanhar este progresso é dar um grande passo civilizacional. Desde hoje, Portugal está à cabeça da Europa. Vós, Portugueses, não deixastes de ser navegadores intrépidos. Outrora íeis à frente nos Oceanos; hoje ides à frente na verdade. Proclamar princípios é ainda mais belo que descobrir mundos. Eu grito: Glória a Portugal, e a vós: Felicidade!

Aperto a vossa mão cordialmente.

Victor Hugo

Encontrada aqui: http://150anosdaabolicaodapenademorteemportugal.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/20/2017/01/Correspond%C3%AAncia-trocada-entre-Brito-de-Aranha-e-Victor-Hugo.pdf

PARA DEBATE

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
À DELEGAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL

Quinta-feira, 23 de Outubro de 2014

«a) Sobre a pena de morte

É impossível imaginar que hoje os Estados não possam dispor de outro meio, que não seja a pena capital, para defender a vida de outras pessoas do agressor injusto.

São João Paulo II condenou a pena de morte (cf. Carta enc. Evangelium vitae, 56), como também faz o Catecismo da Igreja Católica (n. 2267).

Contudo, pode verificar-se que os Estados tirem a vida não só com a pena de morte e com as guerras, mas também quando oficiais públicos se refugiam à sombra dos poderes estatais para justificar os seus crimes. As chamadas execuções extrajudiciais ou extralegais são homicídios deliberados cometidos por alguns Estados e pelos seus agentes, com frequência feitos passar como confrontos com delinquentes ou apresentados como consequências indesejadas do uso razoável, necessário e proporcional da força para mandar aplicar a lei. Deste modo, mesmo se entre os 60 países nos quais a pena de morte está em vigor, 35 não a aplicaram nos últimos dez anos, a pena de morte, ilegalmente ou em diversos graus, aplica-se em todo o planeta.

As mesmas execuções extrajudiciais são perpetradas de maneira sistemática não só pelos Estados da comunidade internacional, mas também por entidades não reconhecidas como tais, e representam autênticos crimes.

Os argumentos contrários à pena de morte são muitos e bem conhecidos. A Igreja frisou oportunamente alguns deles, como a possibilidade da existência de erro judiciário e o uso que dela fazem os regimes totalitários e ditatoriais, que a utilizam como instrumento de supressão da dissidência política ou de perseguição das minorias religiosas e culturais, todas vítimas que para as suas respectivas legislações são «delinquentes».

Por conseguinte, todos os cristãos e homens de boa vontade estão chamados hoje a lutar não só pela abolição da pena de morte, legal ou ilegal, e em todas as suas formas, mas também para melhorar as condições carcerárias, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da liberdade. E relaciono à prisão perpétua. No Vaticano, há pouco tempo, a prisão perpétua deixou de existir no Código penal. A prisão perpétua é uma pena de morte escondida.»

Todo o discurso pode ser encontrado aqui: https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/october/documents/papa-francesco_20141023_associazione-internazionale-diritto-penale.html

Ler, ver OU ouvir

Filme: A Última Caminhada (Dead Man Walking), realizado Por Tim Robbins; Atores: Robert Prosky, Sean Penn, Susan Saradon

Livro: Victor HUGO – O Último Dia de um Condenado. Biblioteca Editores Independentes / Cotovia, fevereiro de 2010