Sáb. Mai 4th, 2024
Modos de interação entre ciência e religião 

π [Pessoas & Ideias]


π.11 ~ Eddington e a Procura

Miguel Oliveira Panão

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O nome Arthur Eddington sempre me soara ao ouvido, mas desconhecia o seu real impacte na ciência. Recentemente, ao ver um filme sobre a relação entre Eddington e Einstein, mostrando que a fama do último se deveu à prova experimental obtida pelo primeiro, é como se nesse momento, Arthur se tornasse uma sombra do gigante que Einstein foi. Porém, não foi a sua capacidade científica que me chamou a atenção, nem o facto de não lhe terem reconhecido igual mérito na procura da veracidade da Teoria da Relatividade, mas o facto de Eddington ser um crente. O filme retrata Eddington de uma forma talmente equilibrada e intelectualmente saudável que me intrigou. Poderíamos começar pela origem da sua experiência religiosa. Arthur Eddington era um Quaker.

Os Quakers são formalmente conhecidos como a Sociedade dos Amigos, uma denominação cristã fundada na Inglaterra no século XVII. Eles são conhecidos por acreditarem na “luz interior”, ou seja, a presença directa de Deus dentro do indivíduo, e consequentemente a possibilidade de comunicação directa e pessoal com Deus. Os Quakers enfatizam a igualdade, a paz, a integridade, a simplicidade e a verdade em todos os aspectos da vida, rejeitando rituais e hierarquias eclesiásticas formais. Além disso, muitos são conhecidos pela sua postura pacifista e crença convicta no livre arbítrio. Dentro dos Quakers, Eddington era uma Buscador (Seeker), alguém que busca ou procura a verdade com uma consciência alargada, confiando na luz interior que ilumina a sua inteligência e orienta a sua experiência.

A experiência de Eddington era a de que na ciência que fazemos e na religião que vivemos devíamos ser Buscadores da Luz Interior. Procurar é mais importante do que encontrar. E, enquanto muitos testemunham a sua experiência religiosa como resposta aos desafios do mundo de hoje, com Eddington, sinto aberta a oportunidade de aprendermos como é mais importante oferecer oportunidades de procura do que respostas. A verdade como luz que aponta o caminho coloca diante de nós duas hipóteses: 1) fazer crescer em nós o desejo de chegar à meta; 2) ou simplesmente permitir a nossa procura, independentemente de qualquer meta.

As sínteses científicas divulgadas através de livros ou vídeos que apelam criativamente à nossa imaginação, afectam a visão que temos do mundo, mas não só. Afectam, também, o modo como pensamos as questões religiosas. Se um bebé provém de um relacionamento genético entre um pai e uma mãe, como pode Jesus ter nascido de uma virgem? Eddington via que os electrões, os quanta e quaisquer outros elementos fundamentais do mundo material estudado pela ciência seriam manifestações de realidades mais profundas que podemos, quanto muito, estruturar, mas sem chegar à meta, mantendo-nos na procura. Quem restringe as origens humanas de Jesus às questões genéticas, perde a oportunidade aberta pela surpresa material intrigante de se orientar na direcção da realidade profunda que essa encerra: a proximidade inimaginável de Deus quando se sujeita às limitações do mundo. É uma escolha de amor verdadeiramente mais incompreensível do que o nascimento de uma virgem. Mas quem pensa nisso?

O escrito mais incisivo sobre o relacionamento entre ciência e religião de Eddington é o pequeno livro “Ciência e o Mundo Invisível” (não traduzido para português, como tantos outros livros de ciência e religião…). Nesse, Eddington diz — «Eu penso que não é a irreligião, mas a clareza de pensamento que se rebela contra a ideia de permear a investigação científica com a implicação religiosa.» — Ao que eu acrescentaria, a clareza de pensamento ajuda-nos também a rebelar contra o permear da vida religiosa com a implicação científica. Só no entrelaçar (entaglement) de mente e espírito podemos reconhecer na qualidade humana da consciência o lugar e o tempo onde as incomensuráveis realidades dos mundos visível e invisível se tocam. Eddington dá um exemplo concreto do contacto da mente com o espírito através da consciência —

«À medida que a mente é atravessada por um determinado pensamento, os átomos em algum ponto do cérebro organizam-se de forma a iniciar um impulso material transmitindo o comando mental a um músculo; ou ainda, um impulso nervoso chega do mundo exterior, e à medida que os átomos de uma célula cerebral se movem em resposta às forças físicas, simultaneamente ocorre uma sensação de dor na mente.»

A sensação é o contacto que materializa o pensamento do mundo invisível no mundo visível, ainda que seja importante dar a conhecer esse pensamento, senão caímos em solipsismo. Eddington chama a atenção da necessidade de equações para descrevermos os fenómenos físicos que acontecem no mundo. Porém, o facto de colocarmos numa equação o modo como se relacionam diversos termos, nada nessa equação pretende dar a conhecer a natureza daquilo que foi simbolizado. A ciência lida com experiências e isso torna-a credível e (esperemos) compreensível, mas a religião é também uma atitude direccionada para a experiência, onde a interacção entre nós e o ambiente suscita o desejo de conhecermos e vivermos a verdade. As sensações físicas que um pensamento proveniente da consciência suscitam são o sinal visível do mundo invisível iluminado pela luz interior cuja fonte provém do próprio Deus. As pessoas continuam à procura de respostas científicas para questões religiosas. Eddington oferece uma pista para ajudar a compreender a razão de isso não acontecer — «Simplesmente porque antes de dar uma resposta, é comum escutar a pergunta que foi feita.» — Escutar a pergunta mantém-nos na procura.

Bibliografia

  • Eddington, “Science and the Unseen Wold”, George Allen & Unwin, 1929
  • Batten, Alan H. “A Most Rare Vision-Eddington’s Thinking on the Relation Between Science and Religion.” Quarterly Journal of the Royal Astronomical Society, Vol. 35, NO. 3/SEP, P. 249, 1994 35 (1994): 249.

Imagem: Foto de Arthur Stanley Eddington