Sex. Abr 26th, 2024

70 ANOS DUDH | REFLEXÕES

A coragem de defender direitos humanos 70 anos depois

 Pedro Neto*

Longo foi o caminho percorrido pelo mundo nestes últimos anos e a Amnistia Internacional percorreu alguns desses passos e, sendo uma organização de pessoas, mobilizou pessoas para a mudança acontecer. Foi a única coisa que fez ao longo do seu mais de meio século de vida ao longo do tempo que agora comemoramos. Mobilizar pessoas para que as mudanças se levassem a efeito e as políticas, tal como os costumes, cumprissem esse mundo sonhado em 30 artigos da declaração.

As duas grandes guerras do século XX marcaram o mundo pelas atrocidades cometidas. Criaram-se as Nações Unidas, escreveu-se a declaração universal dos direitos humanos. Criaram-se mecanismos legais de proteção aos direitos humanos. Fez-se caminho, evoluiu-se, na esmagadora maioria dos países do mundo aboliu-se a pena de morte, a educação chegou a milhões de pessoas, o mundo encontrou formas de produção de alimentos que permitiriam que ninguém morresse de fome se assim quiséssemos.

No entanto, os direitos humanos não acontecem por decreto e não se implementam apenas pela regulamentação e pela força da lei e da sua implementação.

Os direitos humanos são assunto de todas as pessoas, para todos os dias e cada um e cada uma para usufruírem de direitos, terão de ser parte ativa também no cumprimento do dever de dar direitos humanos a todas as outras pessoas que há no mundo.

Cada um de nós tem de ter a coragem de a cada dia, na sua vida, defender e proteger os direitos humanos, desde os gestos concretos, pequenos e quotidianos, aos históricos e transformadores de eras.

Não sendo assim a realidade, os últimos anos têm sido de retrocesso. A guerra na Síria e no Iémen perduram persistentemente. A fome não perdura, os conflitos e perseguições do Boko Haram perduram persistentemente. Os direitos das mulheres continuam a ser negados em países tão distintos como a Arábia Saudita ou a Argentina. O direito a viver continua a ser ofendido às pessoas homossexuais que na Tchetchénia são perseguidas, detidas e torturadas. A pena de morte continua em vigor em vários países do mundo, uma ferramenta que de justiça nada tem, tratando-se ao invés de vingança. Os Rohinghya em Myanmar, os cristãos no Egito sofrem discriminação por serem pessoas religiosas.

Os direitos de milhões de refugiados que fogem da miséria e da guerra, continuam negados com famílias inteiras a não conseguirem asilo e vida tranquila onde quer que seja e sem antes passarem por tormentos pelo mar mediterrâneo e também por mares de vedações, arame farpado e discriminação. Neste momento, muitas pessoas vivem em campos de refugiados que mais parecem prisões, dentro do território da nossa Europa. E o nosso governo continua a afirmar disponibilidade para acolhimento, mas nada acontece, nem nos hotspots da Grécia ou de Itália, nem sequer cá em que a declaração de intenção de acolhimento não se materializa grande parte das vezes além da boa vontade declarada, por falta de meios, de competências de gestão e de infindáveis processos burocráticos que não deixam ninguém avançar com a vida.

Nos últimos anos a retórico do medo e do ódio têm feito alargar e aumentar os problemas de direitos humanos. Os escritos acima e tantos outros mais que podia acrescentar.

A eleição dos típicos “homens duros” que gritam inverdades e culpam toda a gente menos os próprios dos problemas que há no mundo, são especialistas em divisão e nunca em soluções, são especialistas em propagandear o ódio que levou o mundo para um estado de fechamento. Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil, Erdogan na Turquia, Orbán na Hungria, Duterte nas Filipinas, a China, a Arábia Saudita, tantos mais líderes e países em que ser-se humano continua a ser um exercício de vida em constante ameaça.

Muitos defensores de direitos humanos são hoje perseguidos apenas por isso: porque defendem direitos humanos. Muitos foram já assassinados por serem profetas de indignação que se ergueram contra a injustiça e o preconceito. Mas essa missão tem de continuar sempre e até ao dia em que os direitos humanos sejam usufruídos por todas as pessoas. Essa missão tem de continuar e conta com todos. Todos nós. A Amnistia Internacional é isso, uma multidão de pessoas que caminham por direitos humanos, por todos eles e trabalha diariamente para os defender, que caminha por liberdade, que caminha pela vida, que caminha pela coragem. Que caminha porque tem esta visão de que o mundo pode ser melhor. Junte-se a nós. Caminhe connosco. Não podemos ser poucos e não podemos descansar enquanto – mais do que anos – não se possam comemorar todos os direitos humanos.

*Diretor Executivo, Amnistia Internacional – Portugal (www.amnistia.pt)

(Artigo que se insere no âmbito das comemorações do 70º Aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos – Plataforma “Aveiro Direitos Humanos” / Diário de Aveiro)