Sáb. Mai 4th, 2024

  1. Deus e o homem encontram-se na Aliança

A primeira leitura é o texto do Decálogo, coração do “código da aliança”, e que teve e tem um papel importante na evolução ética da humanidade. Embora formulados de forma negativa, tem objetivos bem definidos: proteger a comunidade, o povo da Aliança, para lhe dar uma identidade e que não voltem a cair da escravidão. Isso é o que acontecerá ao povo de adorar outros deuses, uma vez que todos os povos têm os seus deuses e eram impostos aos outros povos quando conquistados militarmente.

O Decálogo expressa os direitos fundamentais, tal como hoje os defende a comunidade internacional. Pretende que as relações entre Deus e o homem, e a dos homens entre si, estejam dominadas pela adoração a Deus e pela justiça, enquanto que todo o pecado contra o próximo é um pecado contra Deus. O Decálogo é como um “escudo” que protege a santidade de Deus, mas também a dignidade de todos os seres humanos, do próximo em concreto. Antes que a humanidade se tenha dotado dos direitos fundamenais, os mandamento mostram o desejo do povo de Israel por ser um povo fiel, um povo justo, embora dependente de Deus. Mas reconhece que é em deus que está a fonte de toda a justiça e dignidade humana, segundo a melhor teologia bíblica.

2. Deus fala através da sabedoria da cruz

A segunda leitura propõe-nos a sabedoria da cruz. S. Paulo fala de Cristo crucificado que vence todas as divisões, ser dos primeiros ou dos últimos, porque na cruz de Cristo se revela um Deus que “desceu” até nós. Esse Cristo crucificado, revelação do verdadeiro Deus, é loucura para os judeus que pensavam o Messias como um libertador social e político e loucura para os gentios, porque nos seus esquemas filosóficos não cabia a ideia de Deus crucificado. Entre os milagres dos judeus e a sabedoria dos gregos ergue-se a cruz de Cristo, a boa notícia anunciada por Paulo.

De acordo com o Evangelho de S. João, depois de realizar o primeiro sinal nas bodas de Caná, Jesus subiu a Jerusalém para a Páscoa dos judeus. Começa uma nova etapa do caminho de Jesus na qual se descrevem os acontecimentos de Jerusalém e da Judeia.

A expulsão dos vendilhões do templo não é outra coisa que a proposta de Jesus de uma religião humana, libertadora, comprometida e espiritual. S. João anuncia a mudança de uma religião de culto por uma religião na qual o mais importante é dar a vida uns pelos outros, ao referir o “corpo” de jesus que substituirá o templo. Como no texto se apela à ressurreição (em três dias levantarei este templo), está claro que era o Deus de Jesus o verdadeiro Deus e não o Deus da lei. Se Deus Pai ressuscitou o seu Filho Jesus é porque não podia assumir esta morte injusta. Apesar disso, o ser humano prefere o Deus da lei e a religião do templo e dos sacrifícios de animais, em vez da religião da vida que nos oferece Jesus.

O reconhecimento da intervenção de Deus em Jesus, o reconhecimento de que Ele é o Filho e que Deus é seu Pai, é uma descoberta que os discípulos de Jesus irão fazendo pouco a pouco.

3. Desafios ao arciprestado de Anadia

A visita pastoral ao arciprestado de Anadia decorreu entre outubro e dezembro de 2022. Como vosso pastor, procurei conhecer, acompanhar de perto as realidades e comprometer o povo de Deus na vida e na missão da Igreja. Em jeito de reflexão, bem poderia dizer que as visitas pastorais que fiz ao arciprestado e a todas as paróquias foram uma oportunidade para fazermos um exame de consciência, em primeiro lugar para todos os sacerdotes, depois para os cristãos mais comprometidos no serviço e na vida da Igreja, e por último para todo e qualquer cristão.

Hoje celebramos o primeiro aniversário da chegada, à nossa diocese de Aveiro, dos símbolos da jornada Mundial da juventude – a Cruz e o ícone de Nossa Senhora. A JMJ foi uma bênção para todos pelo que significou para a Diocese e para o vosso arciprestado. Isto leva-me a fazer-vos três pedidos que julgo importantes para as vossas paróquias e arciprestado:

1º Não há vida cristã sem o empenhamento de todos. Pede-se aos sacerdotes que peregrinam convosco que trabalhem em conjunto e que tenham alguns objetivos pastorais concretos a desenvolver ao longo do ano. Sendo um arciprestado pequeno é possível mais trabalho em conjunto.

2º Os “dias nas dioceses” mostraram que é necessária uma consciência cada vez maior de que a Igreja é comunhão de comunidades, e somente o reforço dos vínculos que unem os membros dessas comunidades nos podem ajudar a ser “luz e sal” para todos quantos fazem parte desta porção do povo de Deus. O futuro do cristianismo está na capacidade de vivermos a comunhão entre nós e sermos fermento de Evangelho.

A tomada de decisões sobre as opções pastorais de uma paróquia ou arciprestado deve ser feita em conjunto, tendo em conta as estruturas de participação e corresponsabilidade: conselho arciprestal, económico e pastoral paroquial, escutando e refletindo os contributos de todos os seus membros. Onde não existem estes conselhos, é urgente que se criem. Dar mais importância e voz aos conselhos pastorais e à formação cristã são uma prioridade pastoral.

3º Temos de nos esforçar em ter paróquias que celebram com alegria a Eucaristia do domingo para fortalecerem a fé pessoal e a vida em comunidade, sentida esta como “família das famílias cristãs”. Caminhar na santidade é ser testemunha do Deus da vida, da comunhão e da partilha.

Pedimos a intercessão de Nossa Senhora da Glória, titular da nossa Catedral, de Santa Joana Princesa, nossa padroeira, e de cada um dos padroeiros das vossas paróquia neste caminho de renovação que nos leve a dar frutos de santidade.

Aveiro, 3 de março de 2024.

+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro