Sáb. Abr 27th, 2024

Livros e Leituras

Luís Manuel Pereira da Silva*

 


Tempo 3.0: Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo

Miguel Oliveira Panão

Cordel d’prata | 2023 | 229 páginas


Ler o que Miguel Panão escreve surpreende, sempre. Miguel escreve como quem conversa com o leitor. Sentimo-nos levados pela mão, percorrendo o labirinto do muito, e sempre bem fundamentado, amplo conhecimento sobre as matérias que aborda.

Em ‘Tempo 3.0’, Panão decide enfrentar um dos maiores enigmas da condição humana: a sua dimensão temporal.

Enfrenta-a, não apenas como quem a quer compreender, mas, também, como cientista que é, como quem quer saber ‘lidar’ com ela.

Neste livro, Miguel Panão faz-nos constatar que as oportunidades de maior disponibilidade do tempo que se esperava advirem das conquistas tecnológicas, afinal, não parecem estar a confirmar-se. O ser humano, que esperava que a tecnologia lhe proporcionasse mais e mais fecundo tempo para o ócio, vê-se cada vez mais dissolvido no tempo que o devora, como muito bem representavam os gregos ‘crónos’, o titã que devorava os seus filhos. Miguel Panão constata este facto, mas não se basta em registá-lo: enfrenta-o e formula uma proposta – fragmenta os desafios para que eles não te fragmentem a ti.

Ousar perceber o tempo muito para além da sua condição de registo da mudança é o verdadeiro repto que nos coloca este livro.

E esse repto poderia formular-se, em síntese, do seguinte modo:

O tempo é, bem certo, a factualidade da mudança própria da condição criatural. Mas a perceção do tempo carece de um sujeito. É a esse sujeito que cabe superar a constatação de o tempo ser sucessão (cronológico) para passar a ser ‘tempo oportuno’ (kairológico) projetado para o definitivo (aionológico).

Para compreendermos cada um destes modos de ver e viver o tempo, acompanhemos o caminho que nos apresenta Miguel Panão.

O ser humano, antes de ser cindido pelo surgimento do relógio, vivia no tempo 1.0, um modo de estar na história em que os momentos são vividos com a densidade própria do ocasião oportuna, da ocasião vivida sem a ansiedade de se ausentar do agora, do aqui. O tempo é vivido, na intensidade do momento oportuno. É a etapa do tempo kairológico.

Sucedeu-lhe o tempo 2.0, aquele em que o correr inexorável dos ponteiros do relógio gasta e desgasta o ser humano.

Somos devorados na fragmentação do tempo, como se fossem pontos sem coerência nem coesão. É a etapa do tempo cronológico.

Perante esta fragmentação, Miguel Panão propõe, à luz das visões do tempo que nos proporcionam os gregos clássicos, o tempo aionológico, o tempo da esfericidade das grandes épocas, um tempo para a contemplação, para o tempo longo e alongado.

Sem que o autor o diga, podemos, com ele, concluir que a sua proposta é a de que superemos uma visão ‘possessiva’ do tempo – falamos do tempo que temos e do tempo que nos tem – para uma outra visão ‘essencial’ do tempo, em que nos vemos como o ‘tempos que somos’ e o ‘tempo em que somos’.

Miguel Panão não se propõe ser um filósofo da condição temporal, à maneira do analista distante que olha, ‘assepticamente’, para uma condição estranha a si; pelo contrário, é o sábio que olha para o que vive e procura, autenticamente, uma via para melhor a experienciar. É por isso que o seu livro apresenta propostas originais e fecundamente originantes. São muitos os conceitos e termos novos que podemos encontrar, cada um deles gerador de novas vias que conferem ao leitor instrumentos para que possa tornar este livro vida própria em si mesmo.

Ideias como a de devermos ser praticantes do ‘apreendedorismo’ e, por isso, apreendedores, ou como a do ‘capital de aprendizagem’ ou, ainda, de ‘quociente de aprendizagem’ como novo critério de apreciação da inteligência (para além do quociente de inteligência ou do quociente emocional) conferem a este livro condição para se tornar uma autêntica revolução no modo de nos pensarmos como seres temporais, mas também como agentes da transformação do nosso ‘estar no tempo’.

Lido como quem sorve uma bebida que nos invade até à mais recôndita célula do nosso ser será o modo natural e coerente de abordagem a este livro de Miguel Panão, em que o leitor descobrirá que o tempo dedicado à leitura foi tempo 3.0, seja qual for o tempo 2.0 que lhe tenha conferido…


*Professor, Presidente da Comissão Diocesana da Cultura
Autor de ‘Bem-nascido… Mal-nascido… Do ‘filho perfeito” ao filho humano’, ‘Ensaios de liberdade’ e de ‘Teologia, ciência e verdade: fundamentos para a definição do estatuto epistemológico da Teologia, segundo Wolfhart Pannenberg’