
D. António Moiteiro abre as Jornadas de Formação do Clero das Dioceses do Centro
Estão a decorrer, em Fátima, as Jornadas do Clero das Dioceses do Centro de 2025 entre os dias 28 a 30 de janeiro. Contam com mais de 250 inscritos, das dioceses de Aveiro, Coimbra, Guarda, Leiria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco e Viseu.
Sob o mote de S. Paulo “Acreditei, por isso falei (2Cor 4,13)”, as jornadas partem de uma análise deste tempo pós-cristão para depois recordar como a fé se comunicava nos inícios do cristianismo e, assim, perceber melhor como se concretiza hoje este processo de iniciação à fé e integração comunitária.
Intervenção de D. António Moiteiro, na abertura das jornadas
“Acreditei, por isso falei” [2 Cor 4, 13]
Comunicação da fé em tempos de mudança
O tema da nossa formação permanente do clero das dioceses do centro tem como pano de fundo a comunicação da fé em tempos de mudança, partindo sempre do encontro transformador com o Ressuscitado, que na manhã de Páscoa envia Maria Madalena a anunciar aos discípulos a boa nova da ressurreição “Vi o Senhor” (Jo 21,18) e que no dia do Pentecostes leva Pedro a dizer: “Foi Jesus que Deus ressuscitou, e disto nós somos testemunhas” (At 2,32).
Se no ano passado refletimos sobre a transmissão da fé na primeira geração de cristãos, tal como aparece nos relatos da primeira evangelização dos Atos dos Apóstolos, este ano queremos ir um pouco mais longe e refletirmos como as primeiras gerações de cristãos foram capazes de continuar o entusiasmo inicial e lançarem os fundamentos das comunidades cristãs que se foram estabelecendo à volta do mar mediterrâneo.
A segunda carta aos Coríntios, da qual nasce o tema que unifica as nossas Jornadas de Formação “Acreditei, por isso falei”, é a carta magna do apostolado cristão e revela os aspetos mais importantes da missão de S. Paulo. Ele coloca cada um de nós diante da urgência de sermos discípulos e também na condição de pastores do rebanho de Cristo: “Vós sois uma carta de Cristo, confiada ao nosso ministério, escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo; não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne que são os vossos corações” (2Cor 3, 3).
O evangelista S. Marcos narra que na manhã de Páscoa Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e Salomé foram ao sepulcro de Jesus e diante do túmulo vazio escutam a pergunta: “Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?” E escutam também o seguinte desafio: “Ide para a Galileia e lá me vereis” (cf. Mc 16, 6-7).
Muitas formas da Igreja atual parecem-se ao túmulo vazio. A nossa missão não é chorar diante do túmulo vazio, nem procurar Jesus num mundo que já não existe. A nossa missão é ir à “Galileia de hoje” e encontrar ali Jesus vivo em novas formas de expressar a fé e de viver em comunidade. Galileia é o lugar do seguimento, da marginalidade e dos pobres. É esse o lugar do encontro com o Ressuscitado, e conhecemos Jesus Cristo na medida em que O seguimos e refazemos em nós a sua vida, animados pelo Espírito. Conhecemos Jesus, o Caminho, na medida em que refazemos o seu próprio caminho e partilhamos a sua missão e o seu destino.
Os desafios que atualmente se apresentam à Igreja requerem uma identidade cristã mais pessoal e comunitária. A autenticidade e a fecundidade da reforma da Igreja passam pela renovação através da transformação da mente, o aprofundamento do pensamento e do sentimento, da espiritualidade e da teologia, da dimensão profunda da fé. Todos somos convidados a travar esta batalha, na qual a reforma da Igreja é fruto da oração e do trabalho de todos.
O Deus de Jesus Cristo que professamos fala de muitas maneiras, tal como refere a carta aos Hebreus, que andamos a ler nas Eucaristias semanais. Fala através de muitos mediadores na Sagrada Escritura e de muitas vozes da tradição, através da autoridade dos pastores e também através de muitas vozes que não encaixam bem nos nossos esquemas de sempre, os profetas do nosso tempo. Fala também através dos sinais dos tempos, dos acontecimentos da história, da sociedade e da cultura.
O encontro com Jesus, que os primeiros discípulos reconheceram e proclamaram Messias e Senhor (cf. Lc 30-34; Jo 20,25), faz nascer e alimentar a fé n’Ele. Professar a fé não é, pois, «um facto privado, uma conceção individualista, uma opinião subjetiva, mas nasce de uma escuta e destina-se a ser pronunciada e a tornar-se anúncio» (cf. LF 22). É a este anúncio que os cristãos são chamados.
Os textos da Sagrada Escritura referem que o chamamento vem de fora de nós, daquele em cujas mãos está a nossa vida e cujos desígnios orientam a nossa história. A vocação, o chamamento, é de iniciativa divina, enquanto o seguimento é sobretudo um exercício de obediência evangélica. É estarmos atentos à voz de Deus, para a escutar e pôr em prática. Sem «obediência» a Deus e serviço aos irmãos não há vida cristã. Por isso, o encontro com o Ressuscitado é o germe teologal da vocação ao seguimento, e o encontro com os nossos irmãos (presbitérios, comunidades cristãs, serviços diocesanos, anúncio do Evangelho, formação cristã…) é quase sempre a mediação da nossa vocação. Fidelidade a Cristo e fidelidade aos nossos irmãos, são as duas fidelidades essenciais da nossa vida de ministros ordenados.
É necessário que as comunidades vivam um forte sentido eclesial radicado na alegria da pertença e no desejo de a servir: o mundo precisa de uma terapia do amor, terapia essa que deve acontecer no seio da comunidade eclesial. Hoje, o apelo a viver o Evangelho passa de uns para os outros, muitas vezes, por contágio. Necessitamos de pessoas que nos ajudem a crescer na fé e a apaixonar-se pelas realidades espirituais, a partir da sua própria experiência espiritual. A vida comunitária, a vida espiritual e a vida apostólica devem ser capazes de inspirar experiências novas. Comunidades que, em conjunto, partilham, rezam, celebram e ajudam a discernir sobre os sinais e a vontade de Deus tornam-se oásis para o florescimento das vocações. A prioridade será criar condições de possibilidade de encontro com Cristo, procurado na interioridade, seguido no Evangelho e reconhecido no rosto dos irmãos, através de uma vida de oração, de liturgia e de compromisso social.
Olhando-nos cada dia ao espelho, humildes e vigilantes, procuremos ‘deixar-nos tocar’, viver no Espírito e segundo o Espírito. É do testemunho e da vivência concreta que podem vir as mudanças. Conscientes de que os frutos do Espírito não são a desilusão, a tristeza, a solidão, a separação, mas a confiança, a alegria, o acolhimento, a comunhão e o serviço, cabe a cada um de nós – dentro da sua comunidade, organização ou movimento – discernir com mais profundidade os desafios da ação pastoral, para compreender a realidade e encontrar caminhos.
Ser bispo, presbítero ou consagrado equivale a estar associado ao Mistério Pascal de uma maneira especial e específica. Hoje em dia, o Deus que anunciamos continua a querer revelar-se impotente no meio do secularismo do nosso mundo, da corrupção da vida política, da apatia com a qual os que têm riquezas olham para os que as não têm. É-nos difícil compreender que o Senhor esteja presente na Igreja sob o sinal da cruz e da «impotência», mas Deus nunca nos abandona.
Jesus continua a fazer a cada um de nós, a pergunta (Jo 6,67) que tem uma força de interpelação impressionante: «Também vós quereis ir embora?» Karl Rahner, num artigo sobre a fé do sacerdote de hoje, diz: «Será de estranhar, caros sacerdotes, que Jesus nos faça hoje a mesma pergunta, a cada um de nós, sem que possamos adiar a resposta? As palavras de Pedro resumem a vida cristã e o seu significado último. Aonde iremos sem Ti se Tu tens palavras que dão a Vida eterna? Nós cremos e sabemos que Tu és O santo de Deus». Vale a pena ser cristão, presbítero e bispo para poder dizer a Jesus Cristo estas palavras.
Esta experiência transformadora começa por modificar o ânimo dos discípulos e regressam a alegria e a esperança. A experiência do último Sínodo dos Bispos pode ajudar-nos a “redescobrir a corresponsabilidade no exercício do ministério, que exige também a colaboração com os outros membros do povo de Deus. Uma distribuição mais articulada das tarefas e das responsabilidades, um discernimento mais corajoso daquilo que pertence propiamente ao ministério ordenado e daquilo que pode e deve ser delegado a outros, favorecerá o seu exercício de modo espiritualmente mais sadio e pastoralmente mais dinâmico em cada uma das suas ordens” (nº 74).
Desejo que estas Jornadas de Formação do Clero decorram sobre o signo da esperança. Somos todos peregrinos da esperança. Na autobiografia do Papa Francisco, publicada recentemente, ele diz-nos: “Para nós, cristãos, o futuro tem um nome e esse nome é esperança. A esperança é a virtude de um coração inquieto que não se fecha no escuro, não para no passado, não sobrevive no presente, mas sabe ver lucidamente o amanhã”.
Boas jornadas e um grande bem-haja a quem as organizou e a todos vós que as tornais realidade.
Fátima, 28 de janeiro de 2025.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro