
Missa da Ceia do Senhor
- A nova aliança no seu sangue
Celebramos nesta noite santa, três dos principais acontecimentos da nossa fé: a instituição da Eucaristia, na qual Jesus se torna alimento e fica realmente presente no meio de nós, o mandamento novo do amor, ao lavar os pés aos seus discípulos, e a instituição do sacerdócio cristão, ao pedir-nos que o façamos em sua memória.
Jesus celebra a Última Ceia com os seus apóstolos no decorrer do banquete pascal, e deu um sentido definitivo à Páscoa judaica. Com efeito, a passagem de Jesus para o Pai, pela sua morte e ressurreição – a Páscoa nova – é antecipada na Ceia e celebrada na Eucaristia, que dá cumprimento à Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final da Igreja na glória do Reino.
A expulsão dos vendilhões do templo foi um gesto simbólico de Jesus, através do qual declara que tudo o que está para trás está velho e caduco. Na Última Ceia Jesus institui uma realidade nova que, surgindo da sua vida entregue em liberdade, determinará o futuro. À forma anterior da aliança de Deus com o povo de Israel, realizada no Templo através de sacrifícios de animais, sucederá uma “nova aliança” realizada no sangue de Cristo, como dom da sua vida para o perdão dos pecados de toda a humanidade. Ambos os sinais constituem a conclusão da sua atividade pública e a manifestação de Jesus através das suas palavras. A partir de agora, o silêncio e a paixão substituem a palavra e a sua atividade pública. Daqui em diante, os gestos serão mais eloquentes que as palavras.
A união entre palavras e gestos permite-nos descobrir um ato de aliança e de sacrifício. Assistimos à conclusão de uma aliança no sangue de Jesus, como acontecimento que vai construir o futuro. O sangue é o poder da vida, que nos oferece, para a recuperarmos quando a tivermos perdido, «porque o sangue é a vida do corpo, Eu vo-lo concedo, a fim de vos servir de purificação sobre o altar, porque o sangue é que faz expiação porque é vida» (Lev 17,11).
- A oferta da sua vida pela humanidade
A Última Ceia de Jesus com os seus apóstolos é o ato com o qual Jesus termina a sua vida enquanto ainda tem liberdade. Dentro de algumas horas, já não poderá ser o protagonista do seu destino. O final da sua vida não é o resultado da sua pouca sorte, ou de algum percalço não previsto, ou condenação por parte de algum poder divino ou humano, mas sim fruto da entranhável misericórdia do Pai, que entrega o seu Filho pela vida do mundo, e fruto da lúcida liberdade do Filho, que responde com amor e sem violência, entregando-se pelos que violentamente o prendem e crucificam. Ele, consciente da sua morte inevitável, antecipa-a, torna-a presente e interpreta-a como uma oferta e intercessão por toda a humanidade; incorpora a sua eficácia salvífica universal nos sinais do pão e do vinho; manda os apóstolos repetir esta sua ação ao longo dos séculos, que é memória e anúncio da sua morte até que Ele venha, e faz que a sua entrega no tempo e no lugar seja em favor de todos. Aqueles que o celebrarem em sua memória participam do seu destino e convertem-se em beneficiários da nova aliança, formando o novo povo de Deus.
As referências à Páscoa, à hora, ao amor, à consumação, marcam os temas desta noite. O Lava-pés simboliza o fundamento da comunidade cristã, que deseja como forma de presença o serviço aos outros, e a construção da fraternidade, as novas características da comunidade cristã. Seria lógico realizar esta purificação antes de se reclinar à mesa, mas Jesus coloca este gesto no decorrer da Ceia e, cingindo-se com uma toalha, começa a lavar os pés aos discípulos. Bastará este gesto para lembrarmos a Ceia Eucarística, fundamental na nova comunidade. A verdadeira dignidade do homem reside na entrega aos outros. Esta é a maneira de atuar de Deus, tal como se revelou em Jesus.
- Fazer da vida uma Eucaristia
Alimentada na Eucaristia pelo Corpo e Sangue do Senhor, a Igreja sabe que não pode esquecer os pobres, os últimos, os excluídos, aqueles que não conhecem o amor e estão sem esperança, nem aqueles que não acreditam em Deus ou não se reconhecem em nenhuma religião instituída. Leva-os ao Senhor na oração, para depois sair a encontrá-los, com a criatividade e a audácia que o Espírito inspira na vida quotidiana (cf. Sínodo, nº 153).
A Eucaristia é verdadeiramente o sacrifício de Jesus na cruz pela salvação da humanidade, mas tem também outras duas características que são fundamentais para bem celebrarmos e vivermos a Eucaristia: faz brotar e crescer a comunhão fraterna entre os que acolhem Jesus na sua vida e leva ao serviço dos pobres, ao cuidado para com os sofredores, ao socorro de todos os que precisam, sem discriminação (cf. At 3.1-9; 6,1-6; 9,36-42; 20,33-35). Se verdadeiramente partimos da contemplação de Cristo, devemos saber vê-lo no rosto daqueles com quem Ele mesmo se quis identificar ao lavar os pés aos seus discípulos.
Deus quis unir a si os homens como seus companheiros e colaboradores, a fim de humildemente servirem a obra da santificação, porque na Sagrada Eucaristia está contido todo o bem espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa e pão vivo através dos quais dá a vida aos homens.
Unidos pelo amor e pelo serviço, peçamos também pelos nossos padres, para que todos saibamos lavar os pés aos irmãos que nos estão confiados, e àqueles que encontramos nos mais diversos caminhos da vida.
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Catedral de Aveiro, 17 de abril de 2025
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo
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