Deus caminha connosco
Introdução
Diz-nos S. Paulo:«Sois uma carta escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo» (2Cor 3,3). Com alegria e afeto, escrevo esta carta pastoral a todos os diocesanos, carta que recorda algumas convicções da nossa fé e, ao mesmo tempo, encoraja a crescer na santidade e no compromisso a favor das nossas comunidades.
Ela surge como partilha do que foi feito nas visitas pastorais e constitui um desafio à renovação e dinamização da vida das nossas paróquias, de uma forma mais orgânica e empenhada. A realidade que vivemos exige de todos nós um conhecimento e discernimento à luz do Evangelho vivo e pessoal de Jesus Cristo e com o dom do Espírito Santo.
Deus caminha connosco, segue os nossos passos. Nós procuramo-lo e Ele também vem ao nosso encontro. Perante a nossa caminhada, as interrogações que brotam do nosso coração e face aos desafios que se nos colocam, Ele pede para não nos conformarmos. Procuremos ser uma carta escrita não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, isto é, procuremos encher-nos da força sempre nova da Palavra de Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito em cada dia, de modo a que renasça o amor pelas comunidades e o ardor pelo anúncio do Evangelho.
1. A visita Pastoral
As visitas pastorais, conforme exige o Código de Direito Canónico (Can 396-397), são um sinal do amor e da solicitude de Deus para com a vida do seu povo e o bispo tem a obrigação de visitar toda a diocese cada cinco anos (cf. Apostolorum Successores 678). Não apenas como obrigação que o Código impõe aos Bispos, mas como missão do pastor que vai ao encontro do rebanho que lhe foi confiado. A realização da Visita Pastoral a toda a diocese de Aveiro e a vivência do Ano jubilar foram e são uma ocasião para pensarmos o que foi a nossa caminhada em Igreja nos últimos anos e para olharmos para o futuro com esperança, na certeza de que Deus caminha connosco.
A Visita Pastoral constitui-se um tempo privilegiado de contacto do bispo com as comunidades confiadas aos seus cuidados de pastor. Serve principalmente para conhecer a realidade das comunidades, não só quanto à fé cristã, mas também quanto às dimensões sociais, culturais, económicas e associativas, para celebrar com o povo de Deus e para criar laços e condições para o encontro com Cristo. São, pois, momentos fortes de evangelização e animação missionária, ajudando as comunidades a crescer na fé e no conhecimento e anúncio do Evangelho, enquanto favorecem a proximidade do bispo como pastor das comunidades, onde a amizade se fortalece, a unidade se testemunha e a comunhão se consolida.
Como pastor da diocese de Aveiro, procurei conhecer, acompanhar de perto as realidades e comprometer o povo de Deus na vida e na missão da Igreja. Em jeito de reflexão, bem poderia dizer que as visitas pastorais que fiz aos arciprestados e a todas as paróquias foram uma oportunidade para fazermos um exame de consciência, em primeiro lugar para mim e para todos os sacerdotes, depois para os cristãos mais comprometidos no serviço e na vida da Igreja, e por último para todo e qualquer cristão. Quando queremos caminhar juntos, exige-se que desenvolvamos uma atitude de escuta e de compromisso, que cada um não tenha em vista apenas os seus interesses, mas os interesses de todos – foi isto mesmo que se procurou pôr em prática nas visitas efetuadas às comunidades.
Estas visitas foram agendadas e programadas tendo presente a realidade e as particularidades próprias de cada comunidade paroquial, inserida e plenamente integrada num arciprestado e sentindo-se parte de uma Igreja particular – a Diocese.
O arciprestado de Águeda teve a sua visita de outubro de 2015 a abril de 2016; o arciprestado de Ílhavo, de janeiro a março de 2017; o arciprestado de Aveiro, de outubro de 2017 a maio de 2018; o arciprestado de Estarreja/ Murtosa, de outubro de 2018 a maio de 2019; o arciprestado de Sever do Vouga, de outubro a dezembro de 2019; o arciprestado de Albergaria-A-Velha, de janeiro a março de 2020, interrompendo a série das visitas devido à pandemia Covid-19; o arciprestado de Anadia, de outubro a dezembro de 2022; o arciprestado de Vagos, de janeiro a fevereiro de 2023; o arciprestado de Oliveira do Bairro, de outubro a dezembro de 2023.
Agradeço todo o esforço dos párocos e das pessoas que, nas diferentes paróquias, colaboraram para que a visita pastoral fosse, efetivamente, a presença do pastor diocesano no meio do seu povo. Sem a sua colaboração, muito do que foi realizado não teria sido possível.
2. Dinamismos e desafios lançados nos arciprestados
Nos dias que passei em cada um dos arciprestados, pude verificar a riqueza de instituições que formam o tecido social e eclesial e também as mais variadas formas de compromisso na vida das paróquias: catequistas, cantores, ministros extraordinários da comunhão, visitadores de doentes, movimentos apostólicos… Partilhei algumas das minhas preocupações, não dispensando uma análise de todos, em ordem a refletirmos nas necessidades e nos dinamismos pastorais que devem ser implementados pelas paróquias.
Julgo que à Igreja, implantada nas diferentes terras da nossa diocese, é necessária uma consciência cada vez maior de que a Igreja é comunhão de pessoas e de comunidades, e somente o reforço dos vínculos que unem os membros dessas comunidades cristãs nos podem ajudar a ser “luz e sal” para todos quantos fazem parte desta porção do povo de Deus. O futuro do cristianismo está na capacidade de vivermos a comunhão entre nós e sermos fermento de Evangelho. Este foi o caminho das primeiras comunidades cristãs, onde os discípulos de Jesus tinham «um só coração e uma só alma».
São três os pilares sobre os quais assenta a Igreja: a Palavra, os sacramentos, sobretudo a Eucaristia, e a caridade/amor. Foi isto mesmo que nos propôs o Papa Bento XVI na sua primeira encíclica: «Toda a atividade da Igreja é manifestação dum amor que procura o bem integral do homem: procura a sua evangelização por meio da Palavra e dos Sacramentos, empreendimento este muitas vezes heroico nas suas realizações históricas; e procura a sua promoção nos vários âmbitos da vida e da atividade humana» (DCE 19).
2.1. Testemunhas de Cristo ressuscitado
O grande desafio é ser testemunhas de Cristo ressuscitado. Seguir Jesus não é uma opção cuja iniciativa seja nossa: os discípulos são destinatários de um convite; é Ele quem toma a iniciativa. O conteúdo do convite é o próprio Jesus, por isso a resposta ao seu chamamento exige entrar na mesma dinâmica que Ele imprimiu à sua vida. A nossa identificação com Cristo e os seus desígnios requerem o compromisso de construirmos, com Ele, o Reino de amor, justiça e paz para todos. Atualmente, a proposta que deve ser feita a todos é a de despertar o desejo do Evangelho para, depois, chegarmos à maturidade cristã. Na Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, o Papa Francisco insiste que o anúncio de Cristo vivo e ressuscitado deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial.
A autorreferência da Igreja é talvez a maior das tentações das nossas paróquias e dos nossos agentes de pastoral. Centrar a Igreja sobre si mesma e as paróquias não serem capazes de ver para além da torre das suas igrejas é uma tentação muito presente. Vemos isto frequentemente quando temos dificuldade em compreender a vida das pessoas, o seu trabalho e o pouco tempo que têm para a família e para os filhos…
Queremos uma Igreja não fechada em si mesma, mas em saída. Da consulta sinodal realizada na nossa Diocese, há uma ideia sempre presente: não ter medo de arriscar quando se trata de fazer opções pastorais. Querer resultados diferentes com os mesmos processos, não é o que o Espírito pede à Igreja e a cada um de nós. Aquilo que hoje parece impossível, o Espírito Santo se encarregará de abrir nos caminhos. Depois das tentações, Jesus regressa à Galileia. Com a sua pregação, Cafarnaum e arredores viram uma grande luz, era a Boa Nova pregada a todos. Sabemos nós ver essa luz hoje nas nossas paróquias?
O modelo de Igreja que se vive e experimenta em muitas comunidades, paróquias e movimentos não favorece a participação e a missão, nomeadamente dos leigos. Transparece uma Igreja com um rosto ainda muito clerical, sobretudo na tomada de decisões. Esta situação é causa de empobrecimento e demissão na corresponsabilidade e participação como Igreja.
2.2. A corresponsabilidade na Igreja
A corresponsabilidade e a comunhão de todos na vida da Igreja constroem-se em processo, no modo como se tomam determinadas atitudes e como se decide. A tomada de decisão sobre as opções pastorais de uma paróquia deve ser feita com as estruturas de participação e corresponsabilidade: conselho económico e conselho pastoral, escutando e refletindo os contributos de todos os seus membros e não apenas do pároco. Onde não existem estes conselhos, é urgente que se criem. Dar mais importância e voz aos conselhos pastorais é uma prioridade pastoral.
Para isso, tais conselhos devem ser expressão da diversidade da comunidade paroquial e humana. Formar comunidades que sejam autênticas escolas de vivência da fé e da comunhão, gerando entre todos os seus membros laços de fidelidade, de proximidade e de confiança, que se traduzam no serviço humilde da caridade fraterna. É este o caminho para avivar o sentido de pertença à comunidade e para fortalecer os laços da comunhão, que são a primeira forma de missão, de acordo com a Palavra de Jesus, Bom Pastor: «Nisto todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,35) e de acordo também com a forma de viver das primeiras comunidades cristãs, que eram assíduas «ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações» (At 2,42).
Verifiquei que há comunidades dentro da mesma paróquia que precisam crescer ainda mais nesta comunhão e partilha de vida e, ao mesmo tempo, terem a consciência de que são muito importantes em ordem a uma presença significativa da Igreja nesses bairros ou zonas da paróquia. A comunhão não anula a diferença, antes pelo contrário, quando bem entendida, reforça-a e valoriza-a ainda mais. A comunhão nos vários serviços e ministérios é fundamental para o todo da comunidade cristã.
«A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cómodo critério pastoral: fez-se sempre assim. Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respetivas comunidades» (EG 33). É fundamental tomar o cuidado de construir comunidades fervorosas e autênticas, ao mesmo tempo que acolhedoras e missionárias; oferecer caminhos de Evangelho que sejam de iniciação, isto é, que façam apelo aos recursos profundos da pessoa ou que a conduzam àquilo que de mais profundo a pessoa possui; pôr em ação o Evangelho da bondade, pois foi a caridade dos cristãos que lhes conferiu a sua credibilidade.
Neste campo de repensarmos a pastoral das nossas comunidades, é necessário assumir que a assiduidade à Eucaristia dominical – dia da Ressurreição do Senhor – é indispensável para fortalecer a fé pessoal e o sentido de comunidade, sentida esta como “Família das famílias cristãs”. Comunidades que rezam e, ao mesmo tempo, são berço de novas vocações à vida matrimonial, à vida sacerdotal e de consagração, são forças vivas de evangelização. A vitalidade de uma comunidade cristã também se mede pela capacidade de viver a vida cristã como um caminho a percorrer, descobrindo o que Deus quer de cada um de nós. O despertar de novas vocações na Igreja não pode ser tarefa apenas dos sacerdotes e diáconos, mas tem de ser de todos os membros de uma paróquia, dos movimentos apostólicos e das famílias cristãs.
2.3. A formação cristã
Senti que, embora todos colaborem o melhor que sabem para o bem da sua comunidade, na formação cristã, especialmente dos adultos e jovens, ainda temos um longo caminho a percorrer. Em todas as Eucaristias de encerramento da visita pastoral referi a necessidade de uma formação cristã mais profunda, de modo que cada um de nós saiba dar as razões da sua fé. Sem uma paixão pela Palavra de Deus – a pessoa de Jesus – não teremos o fogo necessário para sermos evangelizadores. E isto nasce da formação cristã. Nós temos de saber dar as razões da nossa fé. Num tempo em mudança, como é o nosso tempo, sentimos que a ignorância religiosa é algo que prolifera, a todos os níveis, nas nossas comunidades cristãs. Temos de apostar intensamente na formação cristã. Sinal disto mesmo, é a dificuldade que temos tido de as paróquias sintonizarem com a formação proposta nos nossos Programas de Pastoral. Houve paróquias que se empenharam, mas muitas delas ficaram aquém daquilo que podiam fazer.
É necessário criar e implementar projetos de catequese para todas as idades da vida. A catequese de adultos é residual e desadequada. A catequese infantil precisa de ter um estilo menos escolar, menos colada ao ano letivo das escolas e com a família mais empenhada na educação cristã dos seus filhos. A formação bíblica tem de ser uma prioridade e não apenas fruto de eventos pontuais e sem critério. É necessário combater a ignorância religiosa em ordem a um maior revigoramento no compromisso cristão.
Os desafios que atualmente se nos apresentam requerem uma identidade cristã mais pessoal e fundamentada. Os nossos cristãos, na sua maioria, ainda pedem o Batismo para os seus filhos e a presença do sacerdote ou do diácono no momento da morte, participam na Eucaristia dominical ou nas festas religiosas, mas a formação cristã é um desafio ainda não assumido pela maioria. São Pedro pede aos cristãos da Ásia Menor, e hoje a cada um de nós, «Confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça» (1Pe 3,15). Somos todos convidados – bispo, sacerdotes, diáconos, consagrados, leigos empenhados – a travar esta batalha na qual a formação cristã seja fruto do empenhamento de todos. Não basta dizer que somos cristãos, é fundamental dar razões da nossa fé no local de trabalho, no ambiente familiar, nos momentos de lazer ou diversão… somos cristãos e, por isso, discípulos missionários em qualquer lugar em que nos encontremos.
A evangelização dos que andam afastados da fé, ou mesmo dos não crentes, passa pela vitalidade da fé dos cristãos e das paróquias no anúncio da Boa Nova de Jesus. Urge renovar a nossa pastoral dando mais voz aos jovens, de modo que eles sejam os evangelizadores de outros jovens. É necessário revitalizar a pastoral juvenil, dedicando tempo e energias através de retiros, encontros sistemáticos de formação, direção espiritual… Não podemos esquecer o que nos propõe o Papa Francisco na Exortação Pastoral Cristo Vive, dirigida aos jovens: A pastoral juvenil supõe duas grandes linhas de ação: uma é a busca, a convocação, a chamada que atraia novos jovens para a experiência do Senhor; a outra é o crescimento, o desenvolvimento dum percurso de maturação para quantos já fizeram essa experiência. Sobre isto, insisti muito na Exortação Evangelii Gaudium e acho que seria oportuno lembrá-lo. Por um lado, seria um erro grave pensar que, na pastoral juvenil, o querigma é deixado de lado em favor duma formação supostamente mais “sólida”. Por isso, a pastoral juvenil deveria incluir sempre momentos que ajudem a renovar e a aprofundar a experiência pessoal do amor de Deus e de Jesus Cristo vivo.
2.4. Verdadeira cultura vocacional
Temos de empenhar as nossas paróquias numa verdadeira cultura vocacional: promoção de vocações à vida matrimonial, sacerdócio e de consagração. Pessoalmente, congratulo-me com a sincera, humilde e sacrificada dedicação ao serviço do Evangelho. Mas senti que as comunidades devem ser conscientemente alertadas para a necessidade de se empenharem em responder ao apelo de Jesus: «A messe é grande, pedi ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe». Este «pedi ao Senhor da messe» inclui a oração, o chamamento pessoal e um estilo de vida que leve os jovens a aproximarem-se de Cristo. Ele continua a olhar-nos com amor e conta com o nosso testemunho e o nosso compromisso transformador. Levemos Jesus, fonte da caridade e rosto do amor, a todos os “feridos da vida”.
A maior tentação que podemos ter, nós, os agentes de pastoral,é pensarmos que só nós sabemos o que fazer, que os outros têm de acatar o que eu disser e todos temos de pensar da mesma maneira e quem não pensar assim não é dos nossos. Todos somos necessários no anúncio do Evangelho. O Papa Francisco, ao refletir na exigência de cada cristão ser evangelizador e portador de boas notícias, afirma que «em virtude do Batismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário (cf. Mt 28,19). Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização; cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários». Se não estivermos convencidos disto, olhemos para os primeiros discípulos, que logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram proclamando cheios de alegria: «Encontrámos o Messias» (Jo 1,41)» (EG 210).
2.5. A Liturgia
É urgente olhar a liturgia que temos e que se faz nas comunidades. Não pode haver uma liturgia de modelo único. A grande maioria das propostas dos grupos de consulta sinodal reclama uma outra liturgia, pois a que temos é cada vez mais estética e estática. É preciso pensar a celebração para as pessoas que temos e não haver apenas a preocupação de cumprir as orientações do missal.
Há que preparar melhor as atuais celebrações em termos de acolhimento, canto, proclamação da palavra, símbolos, silêncio, gestos… Isto vale para a celebração da Eucaristia e demais sacramentos, mas também para outras celebrações. Abundam os pedidos de celebrações mais alegres, com cânticos mais adequados às linguagens de hoje, menos leituras, mais silêncios. As homilias devem ser preparadas e pensadas de acordo com a assembleia; devem melhorar na linguagem e no conteúdo; devem fazer a ponte entre o Evangelho e temas atuais e devem promover o encontro íntimo com Deus.
A Pastoral dos funerais foi um tema muito presente durante as visitas pastorais. Diz-nos o documento final da nossa caminhada sinodal: «É pedido, com insistência, um maior cuidado com a celebração dos funerais. As exéquias devem ser preparadas e adequadas à família enlutada com palavras de conforto e esperança e aproveitadas como anúncio e evangelização dos “ocasionais” que acompanham o defunto, sem cair numa evangelização “à força”, mas não desperdiçando o momento para dar razões da fé». Temos aqui um caminho árduo a fazer. Dei conta que nos funerais, em muitas paróquias, o defunto vem para a Igreja uma hora antes das exéquias e não se faz o velório, que é tão importante em momentos como estes.
O sofrimento provocado pela morte de um familiar ou de um amigo não pode ficar sem a iluminação da fé cristã. O Ritual da Celebração das Exéquias prevê três momentos diferentes que devemos ter em conta: na casa mortuária, na igreja e no cemitério.
É aos familiares e não às Agências funerárias que pertence organizar o velório do seu ente querido que faleceu. Devemos desaconselhar vivamente a prática que se vai estabelecendo, onde o defunto fica ao cuidado das funerárias e os familiares recebem o corpo do defunto alguns momentos antes da celebração religiosa. O velório é um momento de oração pelo defunto e de comunhão fraterna entre familiares e amigos.
3. O Ano Jubilar
Os desafios deixados no Ano Jubilar da nossa Catedral, ao celebrarmos os 600 anos do início da sua construção, é sermos “teia de esperança”. É preciso pensar novos caminhos, escutar o que o Espírito Santo diz às Igrejas, reconhecer os problemas que existem. Todos os membros do Povo de Deus (leigos, religiosos e sacerdotes) são necessários numa comunidade evangelizadora. Todos estão chamados a ser membros ativos e responsáveis. Somos “teia de esperança” em que cada um participa com os seus dons e talentos. A Igreja é chamada a ser, antes de mais, a Igreja da santidade, da oração, do silêncio, da vida interior, da contemplação do rosto de Cristo, antes de anunciá-lo. O rosto de Cristo sofredor presente nos pobres, imigrantes, doentes, excluídos, sem casa e sem saúde… são rosto da Igreja e de cada um de nós no anúncio de Jesus Cristo. A opção pelos mais pobres, sejam quais forem as formas de pobreza, é fundamental para a credibilidade do Evangelho e das nossas paróquias.
A sinodalidade implica recetividade à mudança, formação e aprendizagem permanente. Todos temos de ser parte ativa dos processos de mudança do presente. «Vinde e vede» (Jo 1,38-39) é a resposta-convite de Jesus a dois discípulos de João Batista à pergunta: «onde moras?». Jesus chama-os a um percurso interior e, ao mesmo tempo, a uma disponibilidade a colocar-se concretamente em movimento, sem saber bem onde é que isto os levará. Como nos recomenda o Papa Francisco, é bom e desejável ter as portas das igrejas abertas, mas de pouco servirá se as portas da Igreja-comunidade, que é o coração de cada de um de nós, não se abrirem também para acolher. É fundamental aprender a ouvir-nos uns aos outros – bispos, padres, religiosos e leigos; todos, todos os batizados.
Precisamos de comunidades que cresçam numa lógica de corresponsabilidade eclesial e de impulso missionário. A missão tornou-se o paradigma da vida e da atuação da Igreja.
A missão da Igreja é realizar a missão de Jesus. Estar ao serviço da Igreja requer anunciar Jesus Cristo como único Salvador; formar e ajudar a crescer comunidades cristãs, e realizar uma autêntica promoçãohumana, pondo em prática os valores evangélicos (cf. RM 30). A recente JMJ (Jornada Mundial da Juventude) provou que onde há formação cristã e movimentos apostólicos é possível renovar a Igreja. Só na presença destas exigências básicas: o serviço, o diálogo, o anúncio missionário, a oração e o testemunho de comunhão eclesial é que o cristão se pode identificar com Cristo. A transmissão da fé deve estar associada, sobretudo, ao testemunho vivo de uma comunidade cristã.
4. O caminho pastoral percorrido
Ao longo dos últimos dez anos, a diocese de Aveiro procurou sintonizar com o magistério do Papa Francisco, uma vez que o Bispo diocesano iniciou aqui o seu ministério episcopal em setembro de 2014.
Vivemos já dois triénios pastorais, a pandemia nos anos 2020-2022, e atualmente estamos a terminar o Jubileu da Catedral da Diocese, com a celebração dos 600 anos do início da sua construção como Igreja do convento dominicano de São Domingos, em Aveiro.
No primeiro triénio pastoral, 2015-2018, tivemos como tema a “Igreja de Aveiro, vive a alegria da misericórdia”, centrando a vida diocesana na prática das virtudes teologais. Celebrámos o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco entre 8 de dezembro de 2015 e 20 de novembro de 2016.
Promover uma Igreja Diocesana que vive a caridade na alegria da misericórdia, consciente de que o exercício da caridade é próprio do ser da Igreja e está alicerçado no seguimento de Jesus, foi o objetivo geral do programa pastoral 2017-2018, com o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6,37).
No final do triénio celebrámos um Congresso Eucarístico Diocesano. A misericórdia é, também, critério para tornar credível a fé.
Na homilia do Congresso Eucarístico (3-6-2018), coincidente com o Dia da Igreja Diocesana, exortei a todos que Deus deve ocupar o primeiro lugar no coração e na vida de cada um de nós. Toda a lei está ao serviço do homem, não como o jugo que o oprime e o escraviza: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado». A lei tem uma finalidade libertadora e não opressora. Qualquer lei que resulte em prejuízo do homem fica sem valor, porque deixou de cumprir a sua finalidade. “Como distintivo dos seus discípulos, Cristo pôs sobretudo a lei do amore do dom de si mesmo aos outros” (AL 27). É no amor e na entrega de quem serve humildemente os irmãos que Deus oferece a vida verdadeira. Diante de muitas dificuldades e barreiras, Jesus compadece-se das nossas fraquezas, presta especial atenção aos “separados” de Deus e aos “descartados” pela comunidade e sem exclusões e aceção de pessoas.
Reforcei o que referi na apresentação do Plano Diocesano de Pastoral: «São vários os desafios que emergem da situação em que vivemos: A fragilidade de tantas famílias, a precarização do trabalho, a “turbulência” dos jovens sem horizontes de esperança para o futuro imediato, o envelhecimento da população e a solidão dos idosos, e tantos outros. Estes desafios vêm alertar-nos para a alegria da missão, para a força da misericórdia vivida com fé, esperança e caridade. Desafios que exigem um redobrado esforço da sociedade e das suas instituições, a que a Igreja se associa por dever de missão solidária em prol do bem comum».
Este Plano foi sendo vivido, com mais ou menos intensidade, com maior ou menor empenhamento, por toda a Diocese, tentando ver caminhos de futuro e procurando a chamada conversão pastoral a que o Papa Francisco nos tinha interpelado na sua Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho.
Podíamos ter feito mais e melhor, mas convosco quero dar graças a Deus por tantos colaboradores que meteram mãos ao trabalho e fomos crescendo na convicção de que sozinhos nenhuma comunidade ou agente de pastoral cresce no dinamismo de ser discípulo missionário. Isto significa olhar mais para fora de nós mesmos e não nos enredarmos em questões que não nos deixam ver o conjunto da nossa Igreja Diocesana e a sua missão de anunciar a Boa Nova de Jesus.
O nosso Congresso Eucarístico Diocesano quis ser isto mesmo: centrar a vida da Diocese no anúncio de Cristo vivo e ressuscitado, presente na Eucaristia. A morte de Cristo não deixou a comunidade dos discípulos desamparada: o Deus invisível tornou-se presente, ainda que o mundo O ignore.
A Eucaristia une-nos, em primeiro lugar, a Cristo, que se nos oferece como alimento: “O que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 56). Mas também nos une a todos os irmãos: “Formamos um só corpo os que participamos do mesmo pão” (1Cor 10, 17). Por isso, a Eucaristia é um compromisso com Cristo, que nos exige uma união real com Ele; uma união de coração e de obras; uma aceitação do Seu amor, que se manifesta no cumprimento dos seus mandamentos. E é também um compromisso com os irmãos. Se formamos um só corpo, temos de nos ajudar uns aos outros; precisamos de estar ao serviço dos irmãos. Receber o seu Corpo e o seu Sangue como alimento significa sermos discípulos de Jesus, seguirmos os seus passos, mas também um compromisso com o mundo em que vivemos. Quando Jesus diz “Tomai e comei” quer afirmar que tomemos a vida nas nossas mãos, e recebê-lO na Eucaristia exige luta e esforço para sair do pecado e superar as situações difíceis que não estão de acordo com o projeto cristão.
O pão partido e repartido é também compromisso pessoal de cada um de nós em sermos testemunhas da sua morte e ressurreição. Jesus parte o pão e oferece-o aos seus discípulos e, com este gesto, convida-nos a assumir um compromisso, integrando-nos na sua obra redentora e continuando a sua missão. Assim o entenderam os primeiros discípulos, dando testemunho da ressurreição de Jesus, assumiram todas as suas consequências, como são as perseguições, as incompreensões dos seus contemporâneos e até o martírio.
O segundo triénio pastoral, 2018-2021, baseado na vocação cristã, teve como lema “Jesus chamou os que Ele quis… eles foram… e ficaram”. Pretendeu-se descobrir o dom da vocação como seguimento de Jesus, como resposta ao seu chamamento. Foi dedicado à vocação batismal, sacerdotal e matrimonial.
A vocação cristã é o caminho da santidade, como nos recorda o Papa Francisco: «Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais» (G et Ex 15).
“A vocação batismal, caminho de santidade” foi assunto marcante no primeiro ano. Baseados na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate (nº 15), procurámos impulsionar e promover a iniciação cristã como a maneira normal de fazer discípulos missionários de Jesus, que com Ele se identificam, O seguem, dando frutos de santidade. O documento “Orientações para a celebração dos sacramentos da iniciação cristã” é fruto do estudo e da reflexão sobre a vocação batismal. A sua implementação em todas as paróquias é uma urgente necessidade, se queremos construir a identidade cristã nas nossas comunidades.
O segundo ano, 2019-2020, foi dedicado à família, comunidade com um papel muito amplo.
Baseados na Amoris laetitia (nº 72 e 88), procurámos: dar atenção à família como Igreja doméstica, para que possa cumprir a sua missão de ser a primeira escola onde, com amor se acolha a vida, se celebre a fé e se promova o desenvolvimento social;promover itinerários de formação e educação para o amor humano integral; divulgar e incentivar a catequese familiar através de itinerários de iniciação cristã que permitam às famílias celebrar a fé no lar e na comunidade paroquial. Fruto deste ano pastoral, foi publicado o documento “Acolher, discernir e integrar”, para responder aos apelos do Papa Francisco, sobre a integração dos recasados na vida da Igreja, com possibilidade de acesso aos sacramentos.
Afirmei, insistentemente, que há necessidade de estimular uma pastoral de atenção integral à família, para que esta esteja no centro das nossas preocupações pastorais, quer diocesanas quer paroquiais. Estou convicto que é cada vez mais urgente criar a cultura de família:desenvolver uma cultura assente nos valores da família, onde se conhecem, promovem e defendem os direitos da família e dos seus membros, sobretudo nas situações de maior vulnerabilidade.
Também neste período, foram analisados e interpretados, a nível arciprestal e paroquial, os dados do recenseamento à prática dominical, feito no mês de março de 2019, tendo delineado algumas linhas de ação. Num universo de 309.027 habitantes, contabilizaram-se 37.916 presenças na missa dominical (12,3%), prevalecendo a faixa etária de +70 anos (9.918) = 26,4%. De um modo geral, as mulheres estão em maior número e há 2.144 indivíduos que não foi possível incluir em faixa etária.
Estes dados são uma interpelação à Igreja de Aveiro, ao seu agir pastoral, aos processos de discernimento e reclamam uma recuperação da frescura original do Evangelho. A realidade apontou para a perda do sentido comunitário da fé e da vida cristã, requerendo da nossa parte um modelo de pastoral mais centrado na missão.
O terceiro ano, 2020-2021, teve como lema “Enviados para anunciar o Evangelho de Jesus”, dedicando especial atenção à vocação ao sacerdócio ministerial, divulgando o papel do Seminário diocesano e a Pastoral Vocacional; renovar as estruturas eclesiais de acompanhamento, discernimento e formação, a fim de que as pessoas, segundo as diversas vocações, possam viver o discipulado missionário de Jesus; promover as vocações de consagração.
Este ano já foi vivido em plena pandemia do Covid-19, o que impediu o desenrolar das ações pastorais previstas e fez com que toda a programação pastoral tivesse de ser adaptada a esta nova realidade.
Apesar dos constrangimentos, foi feito um inquérito a todo o presbitério diocesano sobre a sua vida espiritual, pastoral e comunhão presbiteral. O total de inquéritos respondidos foi 37, ou seja, cerca de 50% dos padres responderam. Conseguiu-se apurar o grau de satisfação ou insatisfação perante determinadas realidades e identificar algumas necessidades de renovação na vida da Igreja diocesana.
A solenidade do Sagrado Coração de Jesus deste ano marcou um momento de graça para o nosso presbitério e, nele, para todo o povo de Deus. Tal como se concluiu nas respostas ao inquérito feito ao presbitério, cada vez mais se torna imprescindível fazer um caminho em conjunto, em colegialidade. A sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja, oferece-nos a possibilidade de compreendermos a vida da Igreja como um “caminhar juntos”, onde todos temos o nosso lugar e ninguém pode ser excluído. Todos estão qualificados com a dignidade da função profética de Jesus, de modo a poderem discernir quais são os caminhos do Evangelho no presente, sem deixar ninguém para trás.
Em 22 de maio de 2020 foi criada a Comissão Diocesana de Aveiro para a Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis com o objetivo de contribuir e difundir uma cultura de prevenção, dando instrumentos de informação e formação, seguindo as normativas civis e canónicas, bem como as orientações da Santa Sé e da Conferência Episcopal Portuguesa. Aquando da apresentação do Relatório da Comissão Independente, a nossa diocese afirmou, num comunicado público de 10 de março de 2023, o compromisso de tudo fazer para que estas situações dolorosas não voltem a acontecer no seio da comunidade cristã e reafirma, mais uma vez, “tolerância zero” para os abusos de menores e pessoas vulneráveis. O empenhamento de todos nesta causa é fundamental para erradicarmos este flagelo terrível do seio da Igreja e da sociedade civil.
No ano pastoral de 2022, vivido sob o lema “Sonhemos juntos o caminho”,fizemos a caminhada sinodal proposta pelo Papa Francisco. Foi feito um balanço positivo sobre a forma como decorreu a consulta sinodal na Diocese.
Constituímos 281 grupos sinodais, integrando 4.875 pessoas, leigos, consagrados e sacerdotes. Deste trabalho resultou a síntese sinodal da diocese de Aveiro, que foi integrada na síntese nacional enviada para Roma.
O documento diocesano sobre o Sínodo, cuja síntese foi posteriormente discutida e assumida pelo conselho presbiteral e pelo conselho diocesano de pastoral, alertou-nos que é urgente aprender a fazer este caminho e fazer dele critério de ação e de vida. A sinodalidade tem de ser critério maior nos processos a implementar. Se a Igreja é povo de Deus, então, o que a todos diz respeito, por todos deve ser refletido em ordem ao discernimento e à tomada de decisões.
A ação pastoral de muitas comunidades é pouco mais que cumprir o calendário litúrgico, sem novidade, sem interpelação pessoal e sem relevância cultural e social. A Igreja, na sua relação com o mundo e cultura atuais, enfrenta grandes desafios e reclama-se um outro modo de presença, onde se acolha e se escute. Acolher, escutar, integrar e acompanhar a todos os que se identificam com Jesus, sem fazer aceção de pessoas, de grupos ou movimentos e procurar ir ao encontro das suas reais necessidades, deve ser critério pastoral fundamental. Há que assumir que a renovação, para chegar a todos e mais longe, sem perder a essência e a alegria do Evangelho, por todos tem de ser assumida.
No ano pastoral de 2023 começámos a viver, a partir de 12 de maio, e que culminará em 13 de maio de 2024, um Ano Jubilar, a propósito da celebração dos 600 anos do início da construção da Igreja catedral, concedido pelo Papa Francisco, sob o lema: “Igreja de Aveiro peregrina na esperança”.
Ao vivermos o Ano Jubilar da nossa Catedral, quisemos tomar consciência de quem somos, para onde queremos caminhar, e do que falamos quando nos referimos à catedral como Igreja-Mãe. Para melhor vivermos este acontecimento, a todos convidei a refletir sobre o sentido de um jubileu. Tratou-se de uma iniciativa que constituiu, para os diocesanos, uma ocasião de crescimento na fé e na comunhão eclesial. Porque o cristão nasce da Igreja e para a Igreja, o grande desafio é testemunhar a alegria e a vontade em viver os desafios do Evangelho num mundo que não se conhece e numa cultura que não se compreende. Mediante a experiência de fé de tantos cristãos do nosso tempo, desenvolvemos um Programa cujas atividades, eclesiais e culturais, congregaram pessoas das diferentes paróquias e comunidades, para celebrações, conferências, reflexões, momentos de oração, concertos…
As peregrinações arciprestais à Catedral, com iniciativas de encontro, diálogo e colaboração, foram momentos de escuta da Palavra e lugar de elevação do espírito e de encontro com Deus. Sempre que um arciprestado peregrina até à Igreja-Mãe, vemos reunida uma Igreja/ Diocese que anuncia, celebra e vive a sua fé.
Não podemos esquecer a vivência pastoral que supôs a Jornada Mundial da Juventude na diocese de Aveiro e em todo o nosso país. Serviu como uma oportunidade para unir a comunidade diocesana e fortalecer o seu compromisso com a missão de anunciarmos o Evangelho. Tivemos, em março de 2023, a peregrinação dos símbolos da JMJ – Cruz e Ícone de Nossa Senhora – e os dias nas dioceses, no fim de julho, que envolveram 5.000 jovens estrangeiros, que foram acolhidos em 1.945 famílias, realçando a participação e a beleza da Eucaristia do dia 30 de julho, onde estiveram mais de 10.000 pessoas: jovens e famílias. Organizados pela diocese, foram ao encontro do Santo Padre, a Lisboa, cerca de 2.000 jovens. Agora, o grande desafio é que criemos condições, com a ajuda de todos, para integrar os jovens nas nossas comunidades paroquiais e as famílias de acolhimento, de modo a motivar e envolver mais agentes pastorais e lideranças, vendo a liderança como um serviço, não como um estatuto e privilégio, para promover a diversidade de dons entre os membros e trabalhar pela unidade. O objetivo é proteger e guiar «até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo» (Ef 4,13).
Estamos a projetar um novo triénio pastoral, coincidindo com o Jubileu do Ano 2025, proposto pelo Papa Francisco a toda a Igreja. A nossa diocese não pode ficar alheia à exigência que o Santo Padre faz a toda a Igreja no sentido de nos prepararmos para este jubileu.
5. Perspetivas de futuro
Há que assumir que a renovação para chegar a todos e mais longe, sem perder a essência e a alegria do Evangelho, por todos tem de ser assumida. Desejo que nos sintamos sempre mais Igreja em caminho de renovação.
A Igreja é de Cristo – daqui a necessidade, para todos, de uma conversão a Ele como único Senhor. São Paulo convida-nos a preparar a vinda do Senhor, assumindo três atitudes: a alegria constante, a oração perseverante e a ação de graças contínua. Todos somos chamados a olhar o presente e o futuro da Igreja. Guiados pelo Espírito Santo, queremos ser “teia de esperança”, com a qual Cristo edifica a Igreja diocesana de Aveiro.
Até agora, foi uma visita territorial mas, neste momento, parece-me que devo dar mais atenção aos diferentes setores da pastoral: evangelização e as suas diferentes formas, a liturgia e os ministérios laicais e a caridade, a qual está na base do mandamento novo do amor. Não serão esquecidos os setores fora da comunidade eclesial, como por exemplo a saúde, educação, serviço social, migração, inovação…
As estruturas de participação são convidadas a ajudar o bispo diocesano nesta sua obrigação, enquanto pastor desta Igreja Particular de Aveiro. Para além das visitas pastorais, agora organizadas de outra forma, a vida diocesana, no seu conjunto, continua a desenvolver-se e a caminhar segundo os programas e os planos de pastoral.
Imbuído deste mesmo espírito, o próximo triénio pastoral vai lançar-nos desafios que tendo presente a realidade da Igreja de hoje e, concretamente, a Igreja diocesana de Aveiro, quer construir o futuro, fiéis a uma nova presença e de anúncio do Evangelho.
A conversão pastoral é o caminho de renovação da Igreja, de mudança estrutural e metodológica. «A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério (…). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5,27), com o rosto real que a Igreja apresenta hoje. (…) Em consequência disso, surge uma necessidade generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que aquela consciência denuncia e rejeita, como se fosse um exame interior ao espelho do modelo que Cristo nos deixou de si mesmo» (EG 26).
O ano 2024-2025 será dedicado à corresponsabilidade ministerial e sinodal no seio da Igreja povo de Deus. Pretendemos refletir na função e lugar dos ministérios laicais e a reforma da Cúria diocesana. Será também um tempo de vivermos o Sínodo dos Bispos e o Jubileu do ano 2025.
O ano 2025-2026 será dedicado a um novo estilo de ser Igreja através da sinodalidade, dinamizando a vida das comunidades num tempo com menos clero e ministérios laicais mais presentes. A realidade pastoral que estamos a viver não está adequada às necessidades e às exigências pastorais que a atualidade requer – daí a necessidade de procedermos a uma nova forma de presença da Igreja no território diocesano e a respetiva reestruturação pastoral.
A celebração dos 75 anos do nosso Seminário de Aveiro apela a um maior compromisso no envolvimento de uma renovada pastoral vocacional, reconhecendo e confiando que, apesar do número cada vez menor de sacerdotes, o Espírito de Deus não deixará de nos iluminar nos caminhos que vamos percorrer.
O ano 2026-2027 coloca no centro da vida diocesana a identidade cristã num mundo que pede discípulos militantes e missionários, promovendo a fraternidade sem fronteiras, cuidando da casa comum e valorizando o domingo. Toda a vida do cristão e das paróquias deve caminhar na e para a santidade. Esta consiste no anúncio de Jesus Ressuscitado, centro da nossa fé, e na celebração do domingo, dia do Ressuscitado. A exemplo dos primeiros cristãos, para nós cristãos, o domingo é o dia do Senhor e da caridade fraterna.
O processo de construção da comunhão exige participação consciente e responsável. Procuremos estar em diálogo contínuo uns com os outros sob a ação do Espírito Santo. Todos devem assumir que a renovação exige conversão das pessoas e das comunidades. Não tenhamos medo de arriscar quando se trata de fazer opções pastorais. A diocese de Aveiro sonha com comunidades cristãs que coloquem Cristo ressuscitado no centro da sua vida, vivam a comunhão como o sinal visível dessa presença e formem discípulos missionários que saibam dar razões da sua fé. Abrace cada um o caminho do renovamento conforme lhe for inspirado pela graça do Espírito de Deus, lembrando que para um conhecimento mais profundo da palavra de Deus é fundamental a oração.
Que Nossa Senhora da Assunção, titular da nossa Catedral, e a Princesa Santa Joana, nossa padroeira, e cada um dos padroeiros das nossas paróquias, nos ajudem a trilhar caminhos de renovação, a viver e a dar frutos de santidade.
Aveiro, 11 de maio de 2024
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro