
Peregrinação arciprestado de Aveiro – Homilia
Peregrinação jubilar de Aveiro
1. A Aliança de Deus com a humanidade
O homem criado por Deus, do pó da terra, não foi capaz de permanecer na aliança de amizade e harmonia (Gn 1,26-31). A degradação do género humano após o pecado de Adão faz com que Deus se arrependa de ter criado o homem (Gn 6,5-6) e decida mandar o dilúvio como purificação da humanidade pecadora (Gn 7,17-24). Começa assim, uma nova etapa na história da humanidade, com Noé, porque ele “era agradável aos olhos do Senhor (6,8).
Depois das águas baixarem e Noé ter saído da arca com a sua família e os animais, Deus faz com ele uma nova aliança, a segunda entre Deus e os homens. Esta nova etapa do plano de Deus, tal como a primeira, precisa da bênção de Deus. A Adão e Eva Deus “abençoou-os dizendo-lhes: ‘Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra” (Gn 1,28), e nesta nova etapa “Deus abençoou Noé e os seus filhos”, com a mesma ordem “Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn 9,1).
Esta aliança, bênção e o compromisso de Deus, representa uma nova criação, um começar de novo, fruto da misericórdia de Deus e apesar da condição do homem diante de Deus.
O evangelista S. Marcos leva-nos até ao deserto com Jesus para vivermos com ele os quarenta dias de tentação e assistirmos ao início da sua vida pública.
Imediatamente após o Batismo de Jesus, o Espírito desce sobre ele e, imediatamente, “impeliu Jesus para o deserto”. Marcos revela um Jesus com pressa. A sua missão é urgente e não se pode perder tempo. A urgência é a salvação do homem, por isso, não há tempo a perder.
O deserto é o lugar das forças do mal, das forças tentadoras, representadas por Satanás e pelos animais selvagens. Ali, onde reinam as forças do mal, também se pode manifestar a força salvadora de Deus. Por isso, S. Marcos afirma que no meio das tentações Jesus é servido pelos anjos. A vitória é de quem vence a tentação e domestica as feras.
2. O Batismo, fonte de vida nova
A primeira carta de Pedro é dirigida a cristãos de origem pagã da região da Ásia Menor que vivem momentos de perseguição no início da sua adesão a Cristo, o que preocupa o apóstolo.
Os cristãos recebem o Batismo que é um mergulho nas águas mais poderosas que as do dilúvio. Noé salva-se passando pela experiência das águas, os cristãos salvam-se pela purificação da consciência no Batismo que é participação na ressurreição de Jesus. Pelo mistério do sofrimento de Cristo, cujo fruto recebemos no Batismo, até os “espíritos incrédulos” do tempo de Noé se salvam, “foi pregar também aos espíritos cativos”.
Da consulta sinodal realizada na nossa Diocese, há uma ideia sempre presente: não ter medo de arriscar quando se trata de fazer opções pastorais. Querer resultados diferentes com os mesmos processos, não é o que o Espírito pede à Igreja e a cada um de nós. Aquilo que hoje parece impossível, o Espírito Santo se encarregará de abrir nos caminhos. Depois das tentações, Jesus regressa à Galileia. Com a sua pregação, Cafarnaum e arredores viram uma grande luz, era a Boa Nova pregada a todos. Sabemos nós ver essa luz hoje nas nossas paróquias?
3. Desafios da peregrinação jubilar
Estamos a viver o Ano Jubilar da nossa Catedral, queremos tomar consciência de quem somos, para onde queremos caminhar, e do que falamos quando nos referimos à catedral como Igreja-Mãe. Para os arciprestados e paróquias esta é uma ocasião de crescimento na fé e na comunhão eclesial. Porque o cristão nasce da Igreja e para a Igreja, o grande desafio é testemunhar a alegria e a vontade em viver os desafios do Evangelho num mundo que não se conhece e numa cultura que não se compreende.
As peregrinações arciprestais à Catedral, com iniciativas de encontro, diálogo e colaboração, são momentos de escuta da Palavra e lugar de elevação do espírito e de encontro com Deus. Sempre que um arciprestado peregrina até à Igreja-Mãe, vemos reunida uma Igreja/ Diocese que anuncia, celebra e vive a sua fé.
Deixo-vos, como vosso pastor, três desafios para o nosso arciprestado de Aveiro e para cada uma das suas paróquias e comunidades cristãs:
1º Em todas as Eucaristias de encerramento da visita pastoral, em Aveiro foi no dia 31 de maio de 2018, solenidade do Corpo de Deus, referi a necessidade de uma formação cristã mais profunda, de modo que cada um de nós saiba dar as razões da sua fé. Sem uma paixão pela Palavra de Deus – a pessoa de Jesus – não teremos o fogo necessário para sermos evangelizadores. E isto nasce da formação cristã. Nós temos de saber dar as razões da nossa fé.
2º A evangelização aos que andam afastados da fé ou mesmo não crentes passa pela vitalidade da fé dos cristãos e das paróquias no anúncio da Boa Nova de Jesus. Urge renovar a nossa pastoral, dedicando tempo e energias através de retiros, encontros sistemáticos de formação, direção espiritual…. É necessário revitalizar a pastoral juvenil, dando mais voz aos jovens de modo que eles sejam os evangelizadores de outros jovens. O mesmo se diga das famílias que têm os seus filhos na catequese e pedem para eles os sacramentos. Temos de apostar nos movimentos apostólicos e nos dinamismos que eles trazem ao conjunto da vida de uma paróquia. Sem eles é mais difícil a evangelização a que todas as paróquias são chamadas.
3º Empenharmo-nos todos numa conversão pastoral tão necessária nas nossas paróquias. A conversão pastoral é o caminho de renovação da Igreja, de mudança estrutural e metodológica e até de mentalidade. «A Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério (…). Desta consciência esclarecida e operante deriva espontaneamente um desejo de comparar a imagem ideal da Igreja, tal como Cristo a viu, quis e amou, ou seja, como sua Esposa santa e imaculada (Ef 5,27), com o rosto real que a Igreja apresenta hoje. (…) Em consequência disso, surge uma necessidade generosa e quase impaciente de renovação, isto é, de emenda dos defeitos, que aquela consciência denuncia e rejeita, como se fosse um exame interior ao espelho do modelo que Cristo nos deixou de si mesmo» (EG 26).
O processo de construção da comunhão exige participação consciente e responsável. Procuremos estar em diálogo contínuo uns com os outros sob a ação do Espírito Santo. Todos devem assumir que a renovação exige conversão das pessoas e das comunidades. Não tenhamos medo de arriscar quando se trata de fazer opções pastorais. A diocese de Aveiro sonha com comunidades cristãs que coloquem Cristo ressuscitado no centro da sua vida, vivam a comunhão como o sinal visível dessa presença e formem discípulos missionários que saibam dar razões da sua fé. Abrace cada um o caminho do renovamento conforme lhe for inspirado pela graça do Espírito de Deus, lembrando que para um conhecimento mais profundo da palavra de Deus é fundamental a oração.
Apoiados na pedra angular que é Cristo, e sustentados com o seu amor, juntemos todas as pedras do nosso caminho, como refere a nossa caminhada quaresmal, e sejamos verdadeiras pedras vivas desta Igreja que é a nossa diocese de Aveiro.
Que Nossa Senhora da Glória, titular da nossa Catedral, e a Princesa Santa Joana, nossa padroeira, e cada um dos padroeiros das vossas paróquias, nos ajudem a viver e a dar frutos de santidade.
Aveiro, 18 de fevereiro de 2024.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro