SANTA JOANA NO CAMINHO DO AMOR DE DEUS

HOMILIA – 12/05/2014

  A finalizar a liturgia da Palavra na celebração desta Eucaristia em honra de Santa Joana, padroeira da cidade e da diocese de Aveiro, apenas desejo evocá-la como modelo de vida segundo o evangelho de Jesus Cristo. Conforme referiu a memorialista conventual, em códice escrito logo após a sua morte, «crescia nesta excelente infanta e singular princesa um grande fervor, amor divinal do reino e glória eternal». Desde nova, evitava toda a ociosidade em ver, ouvir e contar coisas vãs e supérfluas; apetecia-lhe mais a reflexão espiritual, porque o seu feitio e a sua formação não se coadunavam com o «reino terreal de que continuadamente tinha todo o prazer e abastança de riquezas, viços e deleites, segundo convinha a seu real e de el-rei, seu pai». Ocultando-se no seu oratório particular em oração e assim se mergulhando na sua consciência, qual santuário em que se encontrava consigo e com Deus, admirava e contemplava espiritualmente as maravilhas do Amor Eterno; e, quanto mais admirava e melhor contemplava, mais livre se sentia, porque a liberdade de Deus era a sua liberdade. Servindo-me das parábolas de Cristo, D. Joana achou um tesouro escondido num campo e procurou possui-lo para repartir os seus valores pelos necessitados; descobriu uma pérola preciosa e, com ela, procurou dar beleza à sua vida

A princesa saberia cultivar a alegria sã, para a partilhar com os demais; é esta uma forma admirável de caridade, por vezes heroica, e é também um sinal de verdadeira existência cristã. Poderia sofrer interiormente; mas sentir-se-ia em paz e procuraria ser superior a tudo o que a perturbasse, porque tinha a certeza de que Deus era a causa da sua imensa alegria. Apesar dos anos jovens, já procurava criar um ambiente de serenidade, de calma e de felicidade, do qual tanto carecia o pai, saudoso da esposa e onerado de trabalhos e preocupações!…

Propondo-lhe o pai e, mais tarde, o irmão possíveis casamentos, D. Joana retorquia, delicadamente mas com vigor, que sentia desgosto em ouvir falar sobre tal assunto, pois o que primeiramente pretendia era servir e oferecer-se a Deus. Na princesa, o amor consagrava-se a um ideal superior, bem vivo, que era Cristo – esse Cristo que, sendo embora Filho de Deus, trabalhou e viveu como qualquer um de nós, exceto no pecado. E, quando alguém se entusiasma por este Senhor e Amigo, é-lhe decerto exigido o amor, o qual será ainda mais puro em dedicação total. As páginas secretas da vida de muitos homens e de muitas mulheres, que deste modo sublimaram o amor, são o que há de mais refulgente na história dos seus dias. Na nossa padroeira temos disso mesmo um magnífico exemplo.

Em Santa Joana, o amor era autêntica doação e íntima união; por isso, ela partilhava dos sofrimentos de Jesus Cristo. Informou a biógrafa que, desde a mocidade, sempre destinara quotidianamente uma hora para, de rosto por terra e com lágrimas nos olhos, estar sozinha a reviver as dores de Cristo e a repetir as suas angustiosas palavras. Foi efetivamente em Cristo que a princesa descobriu Aquele que lhe trazia a liberdade baseada na verdade e que a desembaraçava de tudo o que a pudesse limitar. À semelhança daquilo que o apóstolo S. Paulo revelou sobre os seus próprios sentimentos, também Santa Joana poderia dizer dela mesma: – «Considero todas as coisas como prejuízo, comparando-as com o bem supremo, que é conhecer Cristo, meu Senhor, por quem renunciei a todas as coisas e julguei tudo como lixo, para ganhar a Cristo e n’Ele me encontrar». Ela própria estava a dar um admirável testemunho disto mesmo porque, graças a Deus, alcançava a verdadeira autonomia e a manifestava com firmeza voluntariosa.

Todavia, não se pense que Santa Joana apenas vivia a espiritualidade cristã em momentos de oração recolhida e secreta. De forma nenhuma, tanto mais que a fé, que celebra as maravilhas do Criador e se alimenta da palavra de Deus, necessariamente conduz, pelo dinamismo que lhe é próprio, à prática do amor fraterno. Não podendo exercer a caridade diretamente por não lho permitirem as circunstâncias do seu estado, ordenava que, por sua conta, se cumprissem as obras de misericórdia, se vestissem os pobres, se visitassem os presos e os doentes e se ajudassem os desamparados, os peregrinos e os estrangeiros. A princesa sentiria como carvões ardentes na sua delicada consciência as palavras de S. João Evangelista: – «Se alguém possuir bens deste mundo e, ao ver seu irmão passar necessidade, lhe fechar o coração, como pode estar nele o amor de Deus? Meus filhos, não amemos com palavras ou com a língua, mas com obras e em verdade». Outrossim, ela também poderia repetir consigo própria, mesmo por outras palavras, o que escreveu Santo António de Lisboa, falecido em 1231: – «A linguagem é viva, quando falam as obras; cessem, portanto, as palavras e falem as obras; estamos cheios de palavras, mas vazios de obras». Em Santa Joana encontramos, pois, um belo modelo de quem serve a Deus, não esquecendo os irmãos… ou antes, de quem ama a Deus presente nos pobres e nos desprotegidos!…

O povo de Aveiro soube manifestar quanto queria à sua protetora e amiga. Não fora em vão que ela aqui concretizara as aspirações da sua mocidade. Por isso, no dia da morte ocorrida em 12 de maio de 1490, puderam ouvir-se tristes comentários: – “Morreu a mãe dos desamparados! Deus levou-nos a libertadora dos oprimidos!” Todavia, estou certo de que a nossa padroeira, agora na cidade santa, na nova Jerusalém, na morada onde Deus habita com os homens, porfia no seu valimento celeste em favor dos seus conterrâneos, porque a eternidade é um ininterrupto e interminável presente. Também não duvido de que Santa Joana continua a ser a inspiradora de sonhos de muitos jovens… como a incentivadora de atos de generosidade e de atenção em favor dos que mais precisam da nossa ajuda e do nosso amor.

Mons. João Gonçalves Gaspar

Administrador diocesano de Aveiro


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