Homilia na Solenidade de Santa Joana Princesa
Sé de Aveiro, 12 de Maio de 2011
“Eis a morada de Deus com os homens” ( Apoc. 21, 3)
1.Celebramos nesta Sé Catedral a solenidade de Santa Joana Princesa, Padroeira da cidade e diocese de Aveiro. Esta celebração testemunha o respeito de todos os aveirenses pela nossa Santa Padroeira, estende-se a todas as comunidades cristãs da diocese e prolonga-se pela tarde deste dia na solene procissão que percorre as ruas da nossa cidade.
Para compreender a Igreja, é necessário conhecer os santos, que são o seu fruto mais amadurecido e o seu testemunho mais eloquente. Para contemplar o rosto de Cristo nas diversas situações do mundo contemporâneo, é preciso olhar para os santos em cuja vida se desenha e espelha o rosto de Cristo (cf Novo millennio ineunte).
Mas a santidade não diz apenas respeito apenas à fé. Toca de perto, também, a cultura de uma terra, a memória e o desígnio do seu povo. Os santos permitiram que se criassem na sociedade novos modelos culturais, novas respostas aos problemas, novas oportunidades diante dos desafios e novos sentidos dados aos desenvolvimentos da humanidade no caminho da história. A herança dos santos “é uma herança que não se deve perder. Esta herança deve frutificar num perene dever de gratidão e num renovado propósito de imitação” ( Novo millennio ineunte, 7).
Os santos são como faróis. Eles indicam às pessoas e às comunidades as possibilidades de que o ser humano dispõe. Os santos traduzem o divino no humano e transportam o eterno para o tempo.
Em épocas de crise, em períodos de desconfiança e em momentos de desconforto diante do futuro, mais necessária se afirma uma renovada atenção para com os santos na singularidade própria de existências com um sentido de vida a conhecer, a descobrir com interesse, a amar com devoção e a seguir como exemplo.
2.A cidade e a diocese de Aveiro têm em Santa Joana, nossa Padroeira, um exemplo de vida onde os valores maiores de humanidade e de fé se conjugam em sábia e perfeita harmonia, despertando em todos os aveirenses a afirmação do melhor de si mesmos.
Santa Joana nasceu em Lisboa, em 6 de Fevereiro de 1452. Era filha do nosso rei D. Afonso V e de sua esposa D. Isabel. Portugal vivia um tempo feliz em que se alargavam as fronteiras geográficas e se abriam novos caminhos nos campos do saber e do conhecimento. Os reis eram promotores do progresso, incentivadores da cultura e testemunhas da fé. A Princesa Joana e seu irmão, o Príncipe João, viviam e cresciam neste ambiente.
Para a Infanta Joana, a fé era razão bastante dos seus sonhos e o desejo de se consagrar a Deus era convicção firme da sua vida.
No início de Agosto de 1472 decide entrar no convento de Jesus em Aveiro e aqui se dedica a uma vida de oração em diálogo com Deus e em serviço caritativo aos irmãos mais desfavorecidos, possuída de ternura e de compaixão pelos mais pobres de Aveiro, a “sua pequenina Lisboa” que tanto amou e a quem tanto se deu. Faleceu em 12 de Maio de 1490, no Convento dominicano de Jesus e foi sepultada no coro do convento. Aveiro começou a venerá-la como santa, desde logo e a invocá-la mais tarde como protectora da cidade. O seu culto foi confirmado pelo Papa Inocêncio XI, em 1693 e em Janeiro de 1965 o Santo Padre Paulo VI declarou-a padroeira de Aveiro, cidade e diocese.
3.Quando o livro do Apocalipse nos falava na primeira leitura da Jerusalém nova, a cidade santa, que desce do céu, de junto de Deus, falava do seu esplendor semelhante ao das pedras preciosas, do esplendor das muralhas e das suas portas. Mas ele descrevia sobretudo a cidade como símbolo de um povo, aquele povo das doze tribos de Israel, cujos nomes dos seus cidadãos estão inscritos sobre cada uma das suas portas. Não se trata apenas de sonhar com uma nova Jerusalém mais bela do que a cidade real. O autor deste texto leva-nos a descobrir que a nova Jerusalém conduz à realização da missão da cidade: ser cidade aberta sobre os quatro pontos cardeais e manifestar assim que o povo de Deus tem como vocação abrir-se à humanidade inteira.
A vocação da cidade é simultaneamente evocar o esplendor do dom de Deus através da sua própria beleza e revelar a universalidade do desígnio de Deus que quer na cidade estabelecer aliança com os seus habitantes. Esta bela palavra do Apocalipse oferece à Igreja de hoje uma referência original e uma visão que definem a sua própria missão: ser no mundo sinal do esplendor do dom de Deus e instrumento do destino universal deste dom. As altas muralhas da cidade santa não se destinam a impedir as pessoas de entrar mas permitem que a cidade seja vista de todos os lados. As portas franqueadas nos quatro lugares da cidade são como que um apelo a acolher nos diferentes átrios da cidade os homens e mulheres de toda a terra, vindos de todos os lados, independentemente da sua origem, cultura, situação social ou crença religiosa.
A Igreja é chamada a ter esta visibilidade e a manifestar esta beleza através da harmonia dos seus templos, do calor humano das suas assembleias, da qualidade das suas liturgias mas principalmente através da vivência cristã dos seus membros e do testemunho vivo das suas comunidades, abrindo as portas da fé ao mundo que nos rodeia.
O dinamismo das nossas comunidades e a sua vitalidade espiritual são a mais bela manifestação da beleza da Igreja. Não nos pertence conduzir o povo de Deus para um abrigo bem protegido mas sim guiar e conduzir a Igreja de portas abertas para um diálogo com o mundo, para aí anunciar a boa nova da salvação, para lhe abrir o tesouro da aliança e acolhê-lo com alegria. A nossa alegria consiste em anunciar o Evangelho ao mundo e em sermos testemunhas felizes do ardor missionário que nasce da Páscoa e do Pentecostes na textura humana e social da vida da nossa cidade e diocese.
O cristianismo tem direito de cidadania entre nós, tanto mais e quanto e melhor nós o vivamos e saibamos acolher, celebrar e viver o evangelho e levar em nós como tesouro encontrado no campo da vida, da família, do trabalho e da missão a imagem de Cristo, como nos lembrava o texto do Evangelho.
- O primeiro sinal da fé é a oração. A oração que Santa Joana escolheu como meio imprescindível da sua missão é a afirmação de que em todas as circunstâncias e em todos os lugares há Alguém que vela por nós e está disponível para responder aos nossos apelos. A oração abre-nos um caminho de fé e de sabedoria para a vida e constitui a fonte de toda a eficácia não apenas pastoral mas também noutras frentes de trabalho e de missão.
Assim, também a Igreja de Aveiro quer ser Igreja orante, lugar de esperança para o mundo. E nesta Semana de oração pelas Vocações queremos aprender com Santa Joana no seu testemunho de vida consagrada a agradecer o dom abençoado de todos os sacerdotes e consagrados (as) e a pedir insistentemente ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe.
4.Vamos proceder neste dia e nesta Catedral à bênção da primeira pedra da Casa Sacerdotal, que a Diocese vai construir como santuário de gratidão para os sacerdotes idosos ou doentes e para quantos dedicadamente os acompanharam ao longo da vida. Dedicamo-la a Santa Joana Princesa, não apenas no nome mas também no sonho e na decisão de cumprirmos assim uma nobre e necessária missão ao serviço de Aveiro. Confiamos-lhe mais este projecto como diariamente lhe pedimos que interceda pela nossa cidade e diocese e abençoe e proteja todos os aveirenses.
+António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro