HOMILIA NA CELEBRAÇÃO DOS 200 ANOS DA PROCLAMAÇÃO DE SANTA JOANA PRINCESA PROTECTORA DE AVEIRO
“ Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela” (Sl.126,1)
1.Celebramos a memória litúrgica da Dedicação da Basílica de Santa Maria Maior. Depois do Concílio de Éfeso, em 431, em que a Mãe de Jesus foi aclamada Mãe de Deus, o papa Sisto III erigiu em Roma, no monte Esquilino, uma basílica dedicada à Santa Mãe de Deus, mais tarde designada “Santa Maria Maior”. É esta a Igreja mais antiga do Ocidente dedicada a Nossa Senhora.
Reunimo-nos nesta Sé, Igreja mãe da Diocese, igualmente dedicada à Mãe de Deus sob a invocação de Nossa Senhora da Glória. É de olhar voltado para a Mãe de Deus que a Igreja tem percorrido os séculos de história e de vida e a ninguém surpreendeu que o saudoso Papa Paulo VI a tenha proclamado, na conclusão do Concílio Ecuménico Vaticano II, Mãe da Igreja.
Associamos a esta celebração litúrgica, numa bela e oportuna iniciativa da Irmandade de Santa Joana, que saúdo e a quem agradeço, a evocação dos duzentos anos da proclamação de Santa Joana Princesa, Protectora de Aveiro.
2.A Palavra de Deus que agora escutamos ajuda-nos na compreensão e no desvelamento do sentido desta dupla celebração que aqui nos reúne.
- Paulo diz-nos que “conhecer Jesus Cristo constitui o bem supremo”.
É esta a missão da Igreja. Foi Jesus Cristo o dom maior que recebemos de Maria, Sua Mãe. Aqui se situa a missão primeira que Santa Joana, a Princesa e a Infanta do Reino, assumiu na sua vida. Este é o exemplo maior de santidade que nos deixou. Conhecer Cristo é o verdadeiro e o melhor prémio que os cristãos devem procurar.
É o conhecimento de Cristo, o amor à justiça e santidade que d’Ele nascem e a coragem da participação nos seus sofrimentos e na sua cruz que estabelecem paradigmas de diferença e de perfeição cristã e que nos devem fazer confiar, olhar em frente e ser sinal de esperança para o mundo.
Assim se constrói o Reino dos Céus, a exemplo do que nos diz Jesus no Evangelho, neste seu jeito pedagógico de falar. O Reino dos Céus é um tesouro escondido no campo. É uma pérola preciosa que leva o avisado negociante a vender tudo para comprar o campo ou adquirir a pérola.
Assim fez Maria aconchegando no seu coração de Mãe o Filho de Deus e a Igreja, que Ele lhe confiou. Assim fez Santa Joana, nossa Protectora, escolhendo Aveiro para aqui melhor conhecer e amar Jesus Cristo e se identificar com Ele numa entrega à cruz redentora e num serviço exemplar e insuperável aos aveirenses.
3.Iluminados e instruídos espiritualmente pela Palavra de Deus proclamada e reflectida compreendemos melhor a razão, o sentido e o alcance do gesto de D. António José Cordeiro ao proclamar no dia 7 de Agosto de 1808 Santa Joana Princesa, Protectora do Povo de Aveiro.
A Diocese de Aveiro tinha sido criado em 1774. D. António José era o seu segundo Bispo. De imediato se apercebera da particular devoção de Aveiro à santa Princesa e Infanta do Reino que a tudo renunciara para se dedicar a Deus e às gentes de Aveiro. Deixara o seu irmão no governo do Reino de Portugal para ser irmã das gentes desta Terra aveirense.
Agradecemos e louvamos, à distância de dois séculos, este desejo do Pastor Aveirense de proclamar solene e formalmente o que estava impresso no coração dos aveirenses, que desde a morte da santa Princesa, em 12 de Maio de 1490, a veneravam como intercessora.
Acresce a este sentimento de veneração, a circunstância dolorosa que o povo português vivia face às Invasões Francesas. Com um Rei distante e ausente no Brasil, o povo português sentia a aflição da ameaça dos invasores e a desprotecção dos que dele deviam cuidar.
Atento ao clamor do povo e consciente do dever imperativo e pastoral do bispo que é estar no meio do seu povo, ser a sua voz e defensor, D. António José convocou por documento datado de 5 de Agosto de 1808, há precisamente 200 anos, uma procissão para dois dias depois implorar de Santa Joana a sua protecção e a necessária ajuda na defesa da liberdade e da paz.
Tinha o Pastor desta Diocese consciência de que “ se o Senhor não guardar a cidade em vão vigia a sentinela” (Sl.26) e por isso a confiou ao desvelo de Santa Joana, nossa padroeira e intercessora. Também ele saiu do Paço e se fez peregrino e defensor do seu povo seguindo o exemplo de Santa Joana que se fez pequena e humilde no meio do povo para ser grande aos olhos de Deus e ser nossa protecção e nossa bênção.
Cumpre-nos hoje, em circunstâncias históricas diferentes mas no coração da mesma cidade e no mesmo serviço pastoral aos aveirenses, proclamar Santa Joana Princesa nossa Protectora, agora solenemente assumida como Padroeira da Cidade e da Diocese, graças à declaração de Paulo VI em 1965.
O bem comum da nossa Terra, que queremos cada mais próspera, justa e fraterna, os valores e paradigmas de vida onde assentam a dignidade e o futuro da Cidade e o serviço pastoral da nova evangelização que a Igreja é continuamente chamada a realizar precisam do exemplo de santidade e da protecção permanente de Santa Joana.
Por seu lado, a criatividade pastoral sempre necessária para os caminhos a percorrer deve inspirar-se nos gestos pedagógicos daqueles que nos precederam e na atenção corajosa que sempre prestaram ao Povo a quem o Espírito de Deus os enviou a servir.
No início de um novo século e no limiar do terceiro milénio a exigirem audácia no esforço renovador da evangelização e coerência no testemunho exemplar da vida e da fé por parte dos cristãos, imploramos de novo para Aveiro, Cidade e Diocese, a intercessão de Santa Joana Princesa, nossa Protectora e Padroeira.
Aveiro, 5 de Agosto de 2008.
+António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro