Homilia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
Homilia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus
  1. Um olhar positivo e de esperança sobre a nossa realidade

São três os grandes acontecimentos que nos pedem um olhar novo para os desafios pastorais que são colocados ao presbitério e, consequentemente, a cada um de nós: o recenseamento à prática dominical realizado em março de 2019; a pandemia que tem afetado quer o nosso plano pastoral quer a vida das nossas comunidades cristãs e mesmo a vida pessoal de cada um de nós; e o recente inquérito que deu origem à caminhada realizada como presbitério, da qual esta celebração é um momento significativo.

Os dados do recenseamento requerem da nossa parte um modelo de pastoral mais centrado na missão, mais atento aos afastados, exigindo de todos uma conversão pastoral, como caminho de renovação da Igreja. Diz-nos o Papa Francisco na Carta aos padres nos 160 anos da morte de Cura d`Ars: “Reconheçamos a nossa fragilidade, sim; mas deixemos que Jesus a transforme e nos projete sempre de novo para a missão. Não percamos a alegria de nos sentir “ovelhas”, de saber que Ele é o nosso Senhor e Pastor”.

As acomodações a que a Igreja teve e tem de se adaptar à realidade que nos condiciona, tais como o encerramento das igrejas nos momentos mais críticos, o medo que se instalou em tantos cristãos que aos domingos participavam na vida da comunidade, a catequese que teve de se reinventar, e     o exercício da caridade a ter que estar atento e disposto a socorrer os novos tipos de pobreza, do qual o isolamento social é o mais gritante. Como afirmam os bispos portugueses no documento Desafios pastorais da pandemia, é preciso identificar as salas de catequese “modernas”, os espaços novos para uma evangelização missionária.

O facto de estarmos como presbitério, desde o mês de janeiro, a preparar este Dia de Oração Mundial pela Santificação dos Sacerdotes, coloca-nos numa caminhada conjunta de todos em ordem à renovação espiritual e pastoral do presbitério e de cada um de nós.

2. O Senhor ama-nos e chama-nos pelo nome (Os 11,1)

A palavra da Escritura que acabámos de escutar diz respeito à nossa vida enquanto presbíteros. Deus chama-nos pelo nosso nome, acolhe-nos no seus braços e ensina-nos a caminhar, tal como fez, desde o início, ao seu povo.

S. Paulo, que dedicou a sua vida ao anúncio do Evangelho, exorta-nos a sermos cheios da força pelo Espírito Santo, para que em nós se robusteça o homem interior; que Cristo, pela fé, habite em nossos corações; que estejamos alicerçados no amor, a fim de termos a capacidade de conhecer o amor de Cristo, que ultrapassa todo o conhecimento.

O sangue e a água que jorraram do Coração de Jesus Cristo são o cumprimento das Escrituras e o sacrifício do verdadeiro Cordeiro Pascal, que é Jesus, que nos amou dando a vida por nós. São também o desafio a oferecermos essa mesma vida, celebrada nos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia, fundamento da vida cristã. O anúncio do Evangelho pede aos cristãos a coragem de habitar “novo areópagos”, encontrando os instrumentos e os percursos que tornem audível a mensagem cristã.

3. Uma Igreja sempre em caminho    

Cada vez mais se torna necessário fazer um caminho em conjunto, em colegialidade, tal como referem as respostas ao inquérito feito aos sacerdotes. A nossa diocese não pode ficar alheia à exigência que o Santo Padre faz a toda a Igreja no sentido de prepararmos o próximo Sínodo dos Bispos, que tem como título “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão”. Esta preparação, a nível local, consta de várias etapas já calendarizadas, iniciando-se em Roma nos dias 9 e 10 de outubro e, no domingo seguinte, 17 de outubro, cada bispo deverá fazer a abertura do Sínodo na sua diocese. Concretamente, convido todos os agentes de pastoral para uma assembleia diocesana de abertura do Ano Pastoral, na tarde do dia 17 de outubro.

A sinodalidade, como dimensão constitutiva da Igreja, oferece-nos a possibilidade de compreendermos o nosso ministério vivido numa comunhão de presbitério. São João Crisóstomo refere que “Igreja e Sínodo são sinónimos”, o que significa que a Igreja não é mais do que este caminhar juntos, padres e leigos, ao encontro de Cristo Senhor. Entenderemos assim “que dentro dela ninguém pode ser `elevado` acima dos outros. Pelo contrário, na Igreja é necessário que alguém ´se abaixe` pondo-se ao serviço dos irmãos ao longo do caminho”.

4. A nossa conversão pastoral

O nosso ministério sacerdotal exige que não nos conformemos a este mundo, mas que vivamos neste mundo. Somos chamados a assumir uma atitude permanente de conversão pastoral.

Não é indiferente o que somos e o modo como vivemos. Entre o ser e o agir do ministério que assumimos deve existir sintonia, harmonia e coerência.

Reconhecer que depende de nós toda e qualquer renovação é o ponto de partida para um presbitério renovado. Para além das conclusões que serão apresentadas no encontro a realizar de seguida no Seminário, gostaria de convosco refletir sobre duas dimensões que dão unidade a todas as conclusões: a conversão pessoal e a comunhão arciprestal.

A proximidade a Deus provoca mudança: o Evangelho exige conversão e fé. Esta conversão nasce não tanto do querer ser melhor, nem sequer de se saber bom, mas da certeza de que Deus, o Bem por excelência, está próximo.  Isto implica não apenas aceitar que Deus vem ao nosso encontro, mas também deixar os nossos caminhos e tomar aquele pelo qual Deus vem até nós. Acreditar nele é colocar-se ao seu serviço, sem condições nem desculpas, como fez Maria (Lc 1,35). Convido, por isso, os sacerdotes a fazerem o seu retiro anual, que será na Casa Diocesana de Albergaria nos próximos dias cinco a nove de Julho. O retiro anual, como é referido nas conclusões a serem apresentadas dentro de momentos, é um tempo privilegiado para que cada padre reconfigure o seu coração à maneira do Bom Pastor, espaço fundamental para se ajudar a prevenir o vazio a que a acédia e o cansaço podem conduzir.

A comunhão arciprestal é outra dimensão necessária para termos um presbitério renovado. A Legislação Diocesana, recentemente editada, refere que o arciprestado será, na Diocese, a unidade primordial da ação pastoral, coordenada a nível territorial. Deste modo, os párocos e demais sacerdotes residentes no arciprestado estão constituídos em equipa, a qual tem por missão refletir sobre as realidades humanas e eclesiais do território, encontrar orientações pastorais comuns, aplicar o plano e programas diocesanos, estimular, coordenar e avaliar as atividades apostólicas e pastorais de todo o arciprestado e dos serviços diocesanos especializados que nele atuam (cf. I, 3).

Para vivermos esta comunhão é necessário conviver, concelebrar, aprender a trabalhar juntos, partilhar sucessos e fragilidades, nomeadamente com os colegas do arciprestado, para sermos o rosto fraterno Cristo, onde o bispo, sacerdotes e diáconos devem suscitar a fraternidade na construção da comunidade cristã. É neste espírito de comunhão que, no dia um de dezembro, vamos realizar uma Assembleia de presbíteros, onde a presença de todos é imprescindível.

O individualismo afeta a corresponsabilidade pastoral nos seus variados níveis e é um obstáculo para a conversão à sinodalidade. Urge unificar todos os aspetos do nosso sacerdócio em torno da caridade pastoral, que é o caminho para a perfeição sacerdotal: serviço que nos santifica e santifica aqueles a quem servimos.

Que São José, o Guardião do Redentor, seja pai para o nosso presbitério, alcançando-nos graça e misericórdia no cumprimento da nossa missão. Amen

Aveiro, 11 de junho de 2021.

+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro


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