Estamos aqui reunidos para procedermos à Bênção da Casa Diocesana.

A palavra «Bênção» significa duas coisas: significa «bendizer» e «abençoar».

Nós estamos aqui, em primeiro lugar, para «bendizer».

Para bendizer ao Pai do Céu pelo milagre que representa a construção desta casa. Emprego a expressão «milagre» no seu significado mais amplo: alguém, alguma coisa, ou algum acontecimento que nos causa ou causou «admiração». De facto quem acompanhou a construção desta casa, desde a escolha da sua localização à oferta de todo o terreno, à elaboração do projecto, ao lançamento dos alicerces, à feitura das paredes, à cobertura e demais acabamentos; quem, semana a semana, foi dando conta da onde de generosidade – de generosidade praticada com aquele autêntico espírito evangélico que quer que a nossa mão esquerda não saiba o que faz a direita – que esta obra tem suscitado; quem assistiu a gestos lindos de desprendimento que significam, consoante as circunstancias, acções de graças a Deus por benefícios concedidos, impetração da saúde, sufrágio por alma de entes queridos e até compunção do coração por erros cometidos; quem viu de quanto é capaz imaginação para inventar maneiras de dar, como aquele senhor que, em idas frequentes a Lisboa, fazia a pé ou de autocarro o trajecto dentro da cidade para poupar, em benefício da Casa Diocesana, quanto antes gastava no aluguer de um táxi; ou daquela senhora que, pensando já no presépio que há-de armar-se na altura própria do Natal, nos mandava uma avultada soma para comprar o burrinho (de barro, entenda-se!) que ela imaginava não dever faltar num presépio; quem viu aquele sacerdote ir buscar à gaveta cinco libras em ouro, embrulhadas ainda no papel grosso da mercearia – libras que o avô lhe tinha dado – e as passou para a nossa mão para que fossem convertidas em sacos de cimentos ou pedras de pavimento; quem viu gente ir buscar aos cantos das gavetas fios de oiro, anéis de brilhantes, relógios de estimação, moedas antigas, pratos da Companhia das Índias, ou então assinar somas modestas ou avultosas em livretes de cheques, ou prontificar-se a emprestar o seu dinheiro com prazo ou sem prazo mas sempre renunciando aos juros que o dinheiro poderia dar; quem viu tudo isto e viu ainda um Amigo nosso fazer gratuitamente todos os cálculos de cimento armado, e outros a começar pelo Arquitecto autor do projeto de eletrificação limitarem-se estritamente aos seus honorários; uma empresa a oferecer toda a telha que cobre a Casa Diocesana, outra empresa a oferecer 70000 peças de azulejo para revestimento dos quartos de banho; outra a oferecer todas as peças sanitárias que foram precisas na casa; outra que ofereceu toda a louça de porcelana; outras ainda que ofereceram tijolo, as ferragens, outras coisas mais; quem viu isto e ainda as ofertas que todas as semanas vinham desta ou daquela freguesia, grãos de trigo anonimamente ajuntados a outros gãos de trigo; quem viu isto e muitas coisas mais e se comovia até às lágrimas quando, semana a semana, tinha de dar conta delas no «Correio do Vouga» – que outra coisa pode fazer senão «admirar-se», ficar extasiado pelas maravilhas que o Espírito de Deus suscita no coração das pessoas! Das pessoas adultas, gradas ou humildes que sejam, também dos jovens e até das crianças! Os vidros das janelas – não desejava esquecê-lo – são dádivas das crianças das nossas escolas e das nossas catequeses. Quando um dia aqui vierem participar num curso ou retiro, poderão olhar para um dos muitos vidros desta casa e dizer assim: «um centímetro ou um metro quadrado daquele vidro pertence-me; deixei de comer rebuçados, gelados, chupa-chupas, para que o fruto da minha economia fosse este pedacinho de vidro da Casa Diocesana».

Repito aqui o que já disse noutro sítio: se, ao principiar a Casa Diocesana, ma aparecesse um homem bom e rico e me dissesse assim «fique sossegado; a despesa a fazer com a Casa Diocesana fica à minha conta», eu ter-lhe-ia respondido: «Obrigado, Amigo! Guarde o seu dinheiro; mas eu prefiro viver desassossegado, ter de estender a mão ou ter de recorrer a empréstimos para saldar honestamente e nos prazos fixados as despesas da Casa Diocesana, a privar a Diocese, – toda a Diocese – desta oportunidade de afirmar a sua consciência diocesana». E assim tem acontecido. A construção desta Casa – como há trinta anos, quando foi da construção do Seminário de Santa Joana Princesa – é a expressão de que a Diocese está viva, compreende as suas necessidades e deseja responder aos apelos e aos reptos que nos lança a sociedade contemporânea.

Por tudo isto nós estamos muito gratos ao Pai do Céu.

Nesta hora de sol e alegria na vida da Comunidade Diocesana, nós queremos dizer a Deus o nosso obrigado. Ele é o dador de todo o bem. É Ele que suscita no coração dos seus filhos os gestos belos de que temos sido testemunhas.

À imitação da grande fundadora que foi Teresa de Ávila, nós pusemos, desde o princípio a feitura desta obra sob o patrocínio de S. José ele foi o guarda providentíssimo da Família Sagrada. Ele continua o seu valimento em tudo o que diz respeito aos meios que são necessários para o crescimento do Reino de Deus. Não podia deixar de dizer aqui em voz alta o nome do primeiro «empreiteiro» a quem encomendámos a Casa Diocesana.

Se falo esta linguagem ditada pela fé e pela experiência religiosa não sou menos sensível àquela linguagem que exprime sentimentos de gratidão para com as pessoas, que estiveram na construção desta Casa. Houve umas – e foram muitas, de todos os cantos da Diocese – que a tornaram possível, dando-nos os meios necessários. Mas houve outras que a fizeram.

Eu devo dirigir aqui uma palavra de justo encómio ao sr. Arquitecto Pedro Corujo Bernardes, que não só riscou esta obra, mas também a acompanhou com desvelo e carinho, em tudo quanto lhe pudesse dar, conjuntamente com a sobriedade e funcionalidade, um toque de beleza. Creio que o conseguiu.

A mesma palavra é devida à empresa Savecol (Sr. José Manuel e Eng.ºs Mendonça e Semedo e seus associados) não só pela sua seriedade e competência, mas ainda pela cordialidade do relacionamento humano que sempre manteve com o grupo de trabalho da Diocese.

Nesta obra trabalhou muita gente: pedreiros, carpinteiros, pintores, montadores de cozinha e lavandaria, picheleiros, electricistas, vidreiros, alcatifadores e operário sem especialização, mas também ele indispensáveis ao bom andamento da obra.

A todos desejava dizer uma palavra de agradecimento na pessoa do encarregado de obras – o senhor Álvaro, o homem sereno, competente, atencioso, que os aglutinava a todos, como um chefe de orquestra, numa grande filarmónica. Bem-hajam a todos!

Comecei por dizer «Bênção» significa «Bendizer», isto é louvar, agradecer, mas significa também «pedir a bênção» e «dar a Benção».

Nós pedimos ao Pai do Céu que, mais que as paredes desta Casa Diocesana, abençoe esta obra, que hoje inauguramos. Que abençoe a Comunidade religiosa das Irmãs Servas da Divina Providência e da Sagrada Família que desde o passado dia 26 aqui chegaram, quando pedreiros, carpinteiros, pintores, eletricistas e outros trabalhadores, por entre andaimes, escadas, cavaletes e pó (o maio, porque o miúdo ficou ainda) concluíam os seus trabalhos. Elas agarraram-se ao trabalho e ajudadas por um grupo de senhoras, de seminaristas e de padres do Seminário, puseram em 48 horas a Casa de modo a poder ser visitada e até habitada parcialmente.

Estou certo que nunca mais esquecerão esta experiência que lhes foi dado viver. Destas Religiosas vai depender, em grande parte, o bom funcionamento desta Casa.

Mas pedimos também ao Pai do Céu que se digne abençoar antecipadamente todos aqueles que vierem, mais cedo ou mais tarde, a utilizar esta Casa. Que ela seja um lugar de encontro das pessoas com Deus e consigo mesmas e, tratando-se de jovens, uma escola de preparação para a vida.

Agora que abrimos as suas portas, desde já a colocamos sob a protecção da Virgem Maria. O nome lhe demos – «Casa Diocesana de Nossa Senhora do Socorro» – seja a expressão da confiança e da devoção com que desde agora lhe entregamos esta casa. Que Ela, a Mão de Deus e da Igreja, esteja sempre aqui presente, como esteve nas Bodas de Caná, a segredar a qualquer de nós estas palavras libertadoras: «Fazei tudo o que Ele vos disser».

 

+ D. Manuel de Almeida Trindade, bispo de Aveiro

29 dezembro 1985