ação pastoral
JUBILEU DA CATEDRAL DE AVEIRO
I. PEREGRINOS NA ESPERANÇA
1. A Igreja-mãe da diocese de Aveiro
A catedral de Aveiro, outrora Igreja do Mosteiro de Nossa Senhora da Misericórdia, ou de São Domingos, celebra, este ano, os 600 anos do início da sua construção e desde o ano passado comemoramos os 550 anos da chegada da Princesa Santa Joana à vila de Aveiro e da sua entrada no Mosteiro de Jesus. Aproveitando estas efemérides, vamos celebrar,entre 12 de maio de 2023 e 13 de maio de 2024, um Ano Jubilar, concedido pelo papa Francisco, sob o lema: “Igreja de Aveiro peregrina na esperança”, em sintonia com o Jubileu de 2025 proposto pelo Papa Francisco a toda a Igreja.
Somos, pois, chamados a refletir na Igreja catedral, mãe de todas as igrejas da Diocese. Trata-se de uma iniciativa que constituirá, para os aveirenses, uma ocasião de crescimento na fé e na comunhão eclesial, mais um momento alto da vida da Diocese. Queremos que seja mais uma iniciativa que nos põe à escuta de quanto o Espírito diz à Igreja (cf. Ap 2,7) mediante a experiência de fé de tantos cristãos do nosso tempo. Ontem, como hoje, ressoam nas nossas comunidades cristãs as palavras que São Paulo dirigiu aos cristãos da Igreja de Roma: “Como hão de invocar Aquele em quem não acreditaram? E como hão de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? E como hão de anunciar se não forem enviados? Por isso está escrito: Que bem-vindos são os pés dos que anunciam as Boas novas” (Rm 10,14-15).
Para despertar nas consciências dos cristãos um sentido mais vivo da sua identidade é preciso, no contexto deste Jubileu, um sério exame de consciência. Há questões que nos merecem alguma atenção: O que faço do meu batismo e da minha confirmação? Cristo é verdadeiramente o centro da minha vida? Vivo a minha vida como uma vocação e uma missão? Estas interrogações adquirem hoje maior significado pela vastidão dos desafios e pelas opções decisivas que as atuais gerações são chamadas a efetuar. Logo após o concílio Vaticano II, refletindo na urgência da evangelização, o Papa São Paulo VI afirmava: «O que é feito, em nossos dias, daquela energia escondida da Boa Nova, suscetível de impressionar profundamente a consciência dos homens? Até que ponto e como é que essa força evangélica está em condições de transformar o homem do nosso tempo? Quais os métodos que hão de ser seguidos para proclamar o Evangelho de molde a que a sua potência possa ser eficaz» (EN 4).
Vivemos num tempo em que se torna necessário que os cristãos, iluminados e guiados pela fé, conheçam a Igreja como ela é, em toda a sua beleza e santidade, mas também nas suas misérias e pecados, para a sentir e a amar. E para isto é importante despertar no Povo de Deus o verdadeiro sensus Ecclesiae, unido à íntima consciência de ser Igreja, isto é, mistério de comunhão. Solicitada como é pelas profundas e rápidas transformações das sociedades e das culturas do nosso tempo, a Igreja sente-se chamada a reviver com um novo empenho tudo quanto o Mestre fez com os seus apóstolos. É necessário, de facto, conhecer e compreender o mundo em que vivemos e também as suas esperanças, as suas aspirações e as suas dificuldades.
Que seja um tempo de particular reflexão e redescoberta da fé, caminhada com espírito evangelizador. Construir a comunhão entre todos, a partir da nossa diversidade e viver em diálogo e comunhão uns com os outros e com o mundo que nos rodeia, é um objetivo para esta celebração. Que suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (SC 10). Propõe-se essencialmente como um período de mais intensa reflexão e oração em torno da Eucaristia, e também de renovação das nossas comunidades cristãs, de modo que estas não se fechem em si mesmas, mas ganhem uma cada vez maior consciência evangelizadora. A caridade deverá ser o rosto da nossa Igreja diocesana.
2. O Jubileu na Igreja
O jubileu é um acontecimento festivo de júbilo sob a ação do Espírito Santo. Para melhor vivermos este nosso evento, a todos convido a refletir sobre o sentido de um jubileu. A palavra jubileu encontra a sua raiz etimológica no hebraico bíblico yabal, que significa conduzir, levar, transportar, em procissão, as ofertas e os cativos, ou oferecer os dons sob a forma de cortejo. Por vezes também aparece o termo yobel associado ao Shofar, o corno dos carneiros, utilizado para anunciar as grandes festas, os grandes acontecimentos. Conforme refere o livro do Levítico (Lv 25,9), era com o toque do corno de carneiro que se anunciava o jubileu. Progressivamente, o termo passou a significar não apenas o anúncio, mas também a realidade anunciada, o próprio ano festivo. O nosso termo «jubileu» é resultado da versão hebraica para latim, levada a cabo por São Jerónimo, «jubilaeus», aproximando-o do termo «jubilus».
À semelhança do sábado e do ano sabático, celebrava-se ao fim de sete anos sabáticos «cada sete semanas de anos» (Lev 25,8). Celebrar-se-ia, portanto, de quarenta e nove em quarenta e nove anos. A expressão «quinquagésimo ano» seria uma tendência para o arredondamento numérico.
O jubileu surge nos contextos da peregrinação, da proclamação e da tradição e transforma-se, ele mesmo, no sinal por excelência ora do povo que caminha e peregrina, ora da celebração festiva e comemorativa, ou da corrente libertadora que vem de longe. O anúncio do ano jubilar produzia uma significativa onda de alegria ou júbilo – pelo que do ponto de vista bíblico, significa júbilo, fazer festa, alegria; não apenas uma alegria interior, mas uma alegria que se manifesta também exteriormente. É, pois, um sinal divino e humano que a todos liberta porque todos fazem parte do povo. No jubileu se faz memória do Pai, do dom inestimável da criação e da salvação de Deus e festeja a comunhão com todos.
Para além da revalorização do tempo, o Jubileu pretendia a conversão, uma significativa purificação das relações que visava restituir o tecido relacional, apenas possível mediante a libertação e o perdão. O ano jubilar é, assim, um tempo para pormos em prática valores sociais e religiosos, louvarmos a Deus, celebrando com alegria os seus gestos salvadores, reconhecendo que tudo recebemos das suas mãos e que nós não passamos de administradores dos seus bens. Poderíamos questionar: Quem rejubila? No fundo, enquanto povo que peregrina, todos somos chamados a refletir sobre o sentido do júbilo, da contemplação, da gratidão e do compromisso. O jubileu não trata apenas de uma questão teológica, de falar de Deus ao ser humano, mas de um convite e um tempo para refletir – um tempo de memória e de metanoia, mas também de esperança e confirmação de identidade.
Ao vivermos o Jubileu da Catedral da diocese de Aveiro, urge perceber quem somos, para onde queremos caminhar, e do que falamos quando nos referimos à catedral como Igreja-Mãe.
3. A Catedral de Aveiro em Jubileu
Há lugares que contam histórias, arquiteturas que expressam, por um lado, a fé da comunidade crente e, por outro, a beleza como expressão do amor de Deus presente no nosso mundo. Temos o exemplo da nossa Catedral de Aveiro, um tesouro e testemunho de uma história de fé da qual somos herdeiros.
Em 19 de fevereiro de 1423 – outros afirmam que foi a 13 de março – o Papa Martinho V, a pedido do Infante D. Pedro, duque de Coimbra e senhor de Aveiro, publica um breve pontifício a autorizar a fundação do convento dominicano de Nossa Senhora da Misericórdia em Aveiro[1], passando, pouco tempo depois, a chamar-se convento de São Domingos, tal como hoje o conhecemos.
Em 13 de maio desse mesmo ano era lançada a primeira pedra da igreja conventual, que é hoje a Catedral de Aveiro após a restauração da Diocese em 1938: «Este mosteiro de Nossa Senhora da Misericordia da Villa de Aueiro segundo se achou em hum caderno Antigo foi fundado e Comessado pelo Infante Dom Pedro filho del Rei dom João de boa memoria duque de Coimbra e senhor de monte mor o velho a 13 dias do mes de maio a hora da Terça no anno do nacimento de Nosso Senhor Jeshus Cristo de 1423»[2]. A igreja foi sagrada em 1464 pelo bispo de Coimbra, D. Jorge de Almeida, grande impulsionador da construção desta igreja e convento.
Estamos, igualmente, a celebrar os 550 anos da vinda da nossa padroeira Santa Joana Princesa, ou Joana de Portugal ou Joana de Avis, para a vila de Aveiro em 30 de julho de 1472. A sua vinda para o mosteiro de Aveiro só se entende porque nesta vila tinha sido fundado, em 1423, um convento dominicano masculino. As suas fundadoras – D. Brites Leitoa e D. Mícia Pereira – tinham sido acompanhadas espiritualmente pelos frades dominicanos e no momento de fundarem um convento de clausura feminino optaram por ser da ordem de São Domingos. O Memorial da Infanta Santa Joana refere que «Aos quatro dias do mês de agosto do ano do Senhor de mil quatrocentos e setenta e dois, entrou a dita senhora princesa a senhora infanta dona Joana nossa senhora neste mosteiro de Jesus Nosso Senhor, entrando com ela dentro el-rei seu pai e o príncipe seu irmão e a senhora dona Filipa sua tia e a monja dona Mícia de Alvarenga, que a dita senhora trouxera com licença da sua abadessa do mosteiro de Odivelas. Estavam já prestes para receber a dita senhora infanta a madre prioresa Brites Leitoa e a madre Maria (fol. 66 v a) de Ataíde e outras madres das mais antigas, com muita devoção e lágrimas de alegria e gozo divino misturado com temor de Deus por verem uma tão grande e não costumada obra sua não vista nem ouvida nos nossos tempos. As outras religiosas todas com grande prazer estavam no coro em devotas orações recolhidas dando muitos louvores ao Senhor Deus»[3]
No segundo quartel do século XIX, após a extinção das ordens religiosas e para agradar à rainha D. Maria II, cujo nome era Maria da Glória, passaria a ser esta igreja a sede da paróquia de Nossa Senhora da Glória, atual Sé de Aveiro.
Desde a criação da diocese em 1774 pelo papa Clemente XIV, e até 1826, a Sé funcionou na Igreja da Misericórdia. Daqui foi transferida para a Igreja de São Bernardino até 1882, altura em que a Santa Sé suprimiu várias dioceses, entre elas a de Aveiro. É só em 1938, com Pio XI, que Aveiro se torna novamente sede de bispado, vindo a funcionar na antiga igreja do Convento de São Domingos que, após destruição pelas chamas em 1843, beneficiou de remodelação. Quando foi criado o Bispado em 1774, este compunha-se de 73 paróquias e 7 arciprestados.
Em setembro de 1881, Sua Santidade o papa Leão XIII, atendendo ao pedido do rei de Portugal, D. Luís I, extinguiu cinco dioceses e entre elas a de Aveiro. Desde 1833 que o governo tinha desejos de extinguir algumas Dioceses. Em 1840 chegou o governo de então a pedir a extinção da diocese de Aveiro melindrado com a Santa Sé por ela não querer confirmar como bispo de Aveiro Frei de Santo Egídio. Em 1869, o então Ministro da Justiça determinou que se não nomeasse Bispo para Aveiro, mas apenas para determinadas Dioceses. Em 1876 foi o governo autorizado a modificar a área e a reduzir o número das dioceses até que em 1881 se deu a extinção da de Aveiro após 107 anos de existência. Esteve extinta durante 57 anos, mas pouco tempo depois da sua extinção apareceram defensores da restauração da Diocese.
Foi o senhor D. João Evangelista de Lima Vidal, arcebispo titular de Ossirinco, natural de Aveiro, auxiliado pelos núncios Giovanni Beda Cardinale, Petro Ciriaci e pela Comissão Pro-restauração do Bispado da qual fazia parte como presidente o senhor Dr. Querubim do Vale Guimarães, que conseguiu de Sua Santidade Pio XI, a restauração da Diocese pela Bula Omnium Ecclesiarum, de 24 de agosto de 1938, sendo este um desejo, várias vezes manifestado, das populações de Aveiro desde a extinção da diocese em 1882. A Diocese ficou constituída pelas freguesias dos seguintes concelhos: Águeda, Anadia, Aveiro, Albergaria-a-Velha, Ílhavo, Estarreja, Oliveira do Bairro, Murtosa, Vagos e Sever do Vouga, concelhos estes vindos das dioceses de Coimbra, Porto e Viseu. A 11 de dezembro do mesmo ano, D. João Evangelista de Lima Vidal executou essa bula papal, e desde então, a igreja do convento dominicano de Nossa Senhora da Misericórdia de Aveiro, que já era igreja matriz da Paróquia de Nossa Senhora da Glória, passou também a ser a Catedral da diocese de Aveiro.
Pela mesma Bula, ou Carta Apostólica de restauração da Diocese, foi nomeado seu «Administrador Apostólico», até ser provida, passados dois anos, de Bispo próprio, na pessoa do senhor arcebispo-bispo D. João Evangelista de Lima Vidal.
II. SOMOS A IGREJA DE CRISTO
1. O lugar do Povo de Deus
O termo “Igreja” tem origem na palavra grega ekklesía, em latim ecclesia. Inicialmente, designava assembleia, reunião pública, ajuntamento; mais tarde, passou a ser local de encontro de cristãos para a celebração da liturgia. Atualmente, designa o local onde os cristãos se reúnem para celebrar a sua fé e conjunto de todos os batizados que constituem o povo de Deus.
É como ressuscitado que Cristo continua a vir ao nosso encontro, nos conquista e transforma. Foi como testemunhas do Ressuscitado que as primeiras comunidades cristãs se tornaram as pedras do alicerce da sua Igreja. É como Cristo vivo que Ele nos comunica a sua vida, nos atrai para percorrer, com Ele, à maneira d’Ele, o caminho da vida. As verdades decisivas da fé cristã são as únicas que podem mudar as vidas e converter os corações. Isto implica, da nossa parte, assumir um papel ativo onde a nossa presença deve ser testemunho de Cristo. «Crer n’Ele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações» (EG 167).
Foi vontade de Deus santificar e salvar os homens, não isoladamente, mas constituindo um povo: a Igreja. «Aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente» (LG 9). Reunidos a Cristo pelo Batismo, os cristãos são constituídos em Povo de Deus.
A Igreja é povo e onde existe Igreja há uma comunidade de referência, sendo o Batismo o sacramento eclesial por excelência. Os membros da hierarquia, os consagrados e os leigos constituem o conjunto de todos os fiéis cristãos. Não há uma relação individual com Deus sem a comunidade, que é a mediação eclesial por excelência, o âmbito da fraternidade cristã.
A constituição dogmática Lumen Gentium, promulgada em 21 de novembro de 1964, recorda algumas imagens que ilustram o mistério da Igreja e põem em evidência as notas características reveladoras do insolúvel laço entre o Povo de Deus e Cristo. Afirma que "A Igreja é sacramento de Cristo e instrumento de união do homem com Deus, e da unidade de todo o género humano".Assim, a Igreja assenta não sobre as capacidades dos seus membros, mas sobre a íntima união com Cristo. Este povo tem por cabeça Cristo, o qual «foi entregue à morte por causa dos nossos pecados e foi ressuscitado para nossa justificação» (Rm 4,25). Cristo é a cabeça, não só porque preside, mas porque d´Ele a Igreja recebe unidade e vida.
A Igreja é, por disposição divina, organizada e regida em admirável variedade. «É que, como num só corpo, temos muitos membros, mas os membros não têm todos a mesma função, assim acontece connosco: os muitos que somos formamos um só corpo em Cristo, mas, individualmente, somos membros que pertencem uns aos outros» (Rm 12,4-5).
Cristo entregou a sua Igreja, una e única, a Pedro (cf. Jo 21,17) e aos outros apóstolos para que a apascentassem, confiando-lhes o anúncio do Evangelho (cf. Mt 28,18-20). Pelo ministério ordenado, especialmente dos bispos e dos presbíteros, a presença de Cristo, como cabeça da Igreja, torna-se visível no meio da comunidade dos fiéis.
Todos os batizados, leigos, religiosos e ministros ordenados devem concorrer para realizar a vocação fundamental da Igreja, que é a difusão do Reino de Deus. Todos somos chamados a ser povo, a comungar, a participar na vida e na missão da comunidade eclesial. Mesmo sendo muitos os ministérios e as atividades, todos concorremos para um mesmo objetivo: que Cristo seja anunciado, que todos encontrem a salvação, que o bem comum seja servido e, enfim, Deus em tudo seja glorificado. Somos chamados a ser uma Igreja viva e comunitária. Precisamos de recuperar a relação da Igreja com o mundo, que nos inclui a todos. A Igreja não é uma organização, uma associação para fins religiosos ou humanitários, mas um corpo vivo, uma comunhão de pessoas no Corpo de Jesus Cristo, que nos une a todos. A Igreja, atenta aos novos problemas e anseios da humanidade, tem de ajudar a descodificar os “sinais dos tempos” e a interpretá-los à luz do Evangelho, que nos convida a reconhecer a verdade do nosso coração, para ver onde colocamos a segurança da nossa vida.
2. A Igreja comunhão e missão
O conceito de comunhão está “no coração da autoconsciência da Igreja”, enquanto Mistério da união pessoal de cada homem com a Trindade divina e com os outros homens. A comunhão implica sempre uma dupla dimensão: vertical (comunhão com Deus) e horizontal (comunhão entre as pessoas).A comunhão é o fruto e a expressão daquele amor que, brotando do coração do Pai eterno, se derrama em nós através do Espírito que Jesus nos dá (cf. Rm 5,5), para fazer de todos nós «um só coração e uma só alma» (At 4,32). Fazer comunhão com Cristo ajuda-nos a ver os sinais da presença divina no mundo e a manifestá-los a todos os que encontrarmos.
A Igreja é “a casa e a escola da comunhão” que se edifica em torno da Eucaristia, sacramento da comunhão eclesial onde, participando realmente do corpo do Senhor, somos elevados à comunhão com Ele e entre nós.
A comunhão eclesial é comunhão de vida, de caridade e de verdade e, enquanto ligação do homem com Deus, cria uma nova relação entre os próprios seres humanos e manifesta a natureza sacramental da Igreja. Para que a comunhão não seja algo abstrato é necessário que se estimule a comunicação, a relação interpessoal e de grupo, o trabalho em equipa, a colaboração..., evitando tudo aquilo que leve à dispersão, ao isolamento, à divisão.
A Igreja não se entende sem Cristo, que a fundou para perpetuar na história a sua missão. A missão da Igreja é realizar a missão de Jesus. O redescobrir a identidade cristã coloca-nos na responsabilidade de ver a Igreja e o mundo que nos rodeia, e assumirmos o estatuto de quem se aceita como construtor de algo novo. A Igreja é fruto da missão que Jesus confiou aos Apóstolos e está permanentemente investida pelo mandato missionário «Ide, e fazei discípulos.» (cf. Mt 28,16-20). É o próprio Jesus quem nos chama "amigos" e nos envia a evangelizar todas as gentes. Seguindo a tradição dos Apóstolos, a nossa vocação é ser discípulos e fazer discípulos.
Estar ao serviço da Igreja requer anunciar Jesus Cristo único Salvador; formar e ajudar a crescer comunidades cristãs, e realizar uma autêntica promoçãohumana, pondo em prática os valores evangélicos (cf. RM 30). Só na presença destas exigências básicas: o serviço, o diálogo, o anúncio missionário e o testemunho de comunhão eclesial é que o cristão se pode identificar com Cristo. A comunhão será sempre a marca da identidade cristã.
Dar testemunho de Jesus Cristo é o maior serviço que a Igreja pode oferecer. A vivência da plena comunhão (Koinonia) expressa e faz crescer o povo de Deus. Se toda a vida eclesial é de algum modo sacramento, isto é, sinal e instrumento da união com Deus e dos homens entre si, dois momentos expressam, de modo mais pleno, e realimentam esta vida: a escuta da Palavra de Deus e a celebração da liturgia. É nestes momentos que Deus fala à comunidade reunida como “Povo de Deus”. Há necessidade de a Igreja dar testemunho credível da fé. Quanto mais a comunidade cristã estiver arraigada na experiência de Deus que brota duma fé viva, tanto mais será capaz de anunciar credivelmente aos outros a realização do Reino de Deus em Cristo.
É unidos que seremos capazes de enfrentar os imensos desafios que nos esperam.
3. Uma Igreja sinodal
A Igreja, na sua relação com o mundo e a cultura atuais, enfrenta grandes desafios e reclama-se um outro modo de presença. É necessário ganhar uma "consciência de Igreja" mais coerente, como nos referem a Lumen Gentium e a Gaudium et Spes, uma Igreja incarnada no mundo, no diálogo com o mundo e ao serviço do mundo. A Igreja deverá ser ativa na ação missionária e reforçar a dimensão comunitária da fé. Precisa da colaboração de todos e sente a necessidade de trabalhar com todos. Este trabalho começa ad intra, no enriquecimento da reflexão e auscultação das diferentes sensibilidades, na coordenação dos meios humanos e materiais, no desenvolvimento de novas dinâmicas, e prolonga-se ad extra. A participação na vida da Igreja não é somente ativismo, mas deve ser sobretudo sentimento que é alimentado pelos mesmos sentimentos de Cristo (Flp 2,5).
O grande desafio é, pois, testemunhar a alegria e a vontade em viver os desafios do Evangelho num mundo que não se conhece e numa cultura que não se compreende. O cristão nasce da Igreja e para a Igreja. É na Igreja e com a Igreja um missionário de Cristo enviado ao mundo. Assim, os crentes têm de descobrir pequenos compromissos capazes de humanizar as realidades nas quais estão inseridos: a sua família, o trabalho, as escolas, o tempo livre... É necessário promover gestos concretos que mostrem claramente o espírito do Evangelho e a posição da comunidade crente. A família, tal como a Igreja, deve ser espaço onde o Evangelho é transmitido e donde o Evangelho irradia.
Ser Igreja, antes de tudo, significa “percorrer juntos o mesmo caminho”. No que diz respeito ao caminho sinodal, em escuta e diálogo aberto, aconteceram experiências edificantes e, porque Deus nos pede que encontremos novas vias para a evangelização, continuamos a apostar nas condições de caminhar com alegria e esperança, reconhecendo antes de tudo as próprias fragilidades. Ser uma Igreja sinodal, participativa e corresponsável, é o anseio de todos nós.
O caminho sinodal não se compreende sem um discernimento segundo o Espírito de Deus, que continua, hoje como ontem, a abrir caminhos novos de renovação e participação. Uma vez que o Espírito Santo não se dá por medida, mas é infundido na sua plenitude nos que creem, a mesma graça espiritual que os crentes recebem no Batismo de modo igual, a sinodalidade tem de ser entendida com esta consciência. O Papa Francisco, no seu livro "Oração, o respiro de uma vida nova", em que sublinha o lugar e o papel da oração na vida cristã, diz-nos: “Somos muitos, diferentes, mas somos um, somos a Igreja. E essa unidade é aquela do amor, que não obriga, não humilha, não nos limita, mas nos reforça, nos constrói todos juntos e nos torna amigos”.
A missão da Igreja não é responsabilidade de alguns, mas de todos. Cada batizado é convocado para ser protagonista da missão, uma vez que todos somos discípulos missionários. A Igreja é chamada a acionar em sinergia sinodal os ministérios e os carismas presentes na sua vida para discernir os caminhos da evangelização, escutando a voz do Espírito.
É preciso discernir novos caminhos, escutar o que o Espírito Santo diz às Igrejas, discernir os problemas que existem. Na Igreja, todos somos responsáveis pela única missão do Povo de Deus no mundo, embora nem todos sejam responsáveis da mesma maneira, uma vez que existem diferentes ministérios, carismas e serviços. Uma Igreja que queira desenvolver a sua força evangelizadora tem de promover no seu seio a corresponsabilidade. Todos os membros do Povo de Deus (leigos, religiosos e sacerdotes) são necessários numa comunidade evangelizadora. Todos estão chamados a ser membros ativos e responsáveis. Ninguém se pode excluir desta missão de anunciar o Evangelho e, segundo as diferentes vocações, carismas e serviços, todos os membros do povo de Deus somos corresponsáveis da totalidade da missão da comunidade cristã. A Igreja é chamada a ser, antes de mais, a Igreja da santidade, da oração, do silêncio, da vida interior, da contemplação do rosto de Cristo, antes de anunciá-lo.
A corresponsabilidade pode ficar comprometida se não se promovem caminhos concretos de participação nas comunidades cristãs. A corresponsabilidade de todos os batizados no cumprimento da missão apostólica da Igreja pode e deve exercer-se nos diversos níveis da estruturação da comunidade cristã: a diocese (Igreja local), as paróquias e as comunidades mais pequenas dentro da comunidade paroquial.Só pode falar-se verdadeiramente de corresponsabilidade quando se está disposto a capacitar os outros para ela e a criar os espaços necessários para a exercer.
A paróquia, inserida na Igreja diocesana e através desta na Igreja universal, é a comunidade eclesial mais próxima com a qual entram em contacto, de um modo ou de outro, a imensa maioria de homens e mulheres concretos. A ela pertencem todos os que, numa região determinada, professam a fé em Jesus e foram batizados em seu nome – é a comunidade de todos os batizados. Além disso, é também uma comunidade verdadeiramente eclesial porque assume o conjunto da missão evangelizadora: o testemunho com palavras e obras que serve o primeiro anúncio, a educação na fé, a celebração da presença do Senhor, o compromisso da caridade e o esforço para transformar o mundo em Reino de Deus. Na realidade, a paróquia é um lugar privilegiado em que os fiéis podem ter uma experiência concreta da Igreja; é o espaço onde se vive o mistério da Igreja de Jesus, onde se cria a primeira comunidade do povo cristão – é uma comunidade de fé e uma comunidade batismal.
Precisamos de comunidades que crescem numa lógica de corresponsabilidade eclesial e de impulso missionário. A missão tornou-se o paradigma da vida e da atuação da Igreja. A missão não é, pois, uma função da Igreja; ela constitui a sua essência e a sua realização existencial. Desejamos uma Igreja a partir da missão e para a missão. «Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo. É preciso considerarmo-nos como que marcados a fogo por esta missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar. Nisto se revela a enfermeira autêntica, o professor autêntico, o político autêntico, aqueles que decidiram, no mais íntimo do seu ser, estar com os outros e ser para os outros» (EG 273).
Este é o momento de caminhar juntos, redescobrindo o significado concreto de humanismo, vida comum, confiança.
III. A IGREJA DIOCESANA DE AVEIRO
1. O Bispo, centro de unidade de vida na Diocese
A missão confiada por Cristo aos apóstolos durará até ao fim dos tempos, uma vez que o Evangelho que eles devem anunciar é, em todo o tempo, o princípio de toda a vida na Igreja. A sucessão apostólica é a garantia da verdadeira eclesialidade da comunidade diocesana.
Por instituição divina, os bispos sucedem aos apóstolos, como pastores da Igreja; quem os ouve, ouve a Cristo; quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo. Na pessoa dos bispos, a quem os presbíteros assistem, é o próprio Senhor Jesus Cristo, pontífice supremo, que está presente no meio dos fiéis. «Cristo Nosso Senhor, para apascentar e aumentar continuamente o Povo de Deus, instituiu na Igreja diversos ministérios, para bem de todo o corpo. Com efeito, os ministros que têm o poder sagrado servem os seus irmãos para que todos os que pertencem ao Povo de Deus, e por isso possuem a verdadeira dignidade cristã, alcancem a salvação, conspirando livre e ordenadamente para o mesmo fim. Este sagrado Concílio, seguindo os passos do Concílio Vaticano I, com ele ensina e declara que Jesus Cristo, pastor eterno, edificou a Igreja tendo enviado os Apóstolos como Ele fora enviado pelo Pai (cf. Jo 20,21); e quis que os sucessores deles, os Bispos, fossem pastores na Sua Igreja até ao fim dos tempos» (LG 18).
Ao Bispo pertence-lhe conferir a ordem; ordinariamente administrar a confirmação e benzer os óleos; governar as suas dioceses com autoridade ordinária, mas sempre em comunhão com o Papa ; conferir aos presbíteros a autoridade de reger; ter “colegialmente com todos os seus irmãos no episcopado a solicitude de todas as Igrejas” (CCE 1560). Juntamente com o múnus de santificar, a consagração episcopal confere ainda o de ensinar e de governar, ofícios que, por sua natureza, não podem exercer-se senão em comunhão hierárquica com a cabeça e com os membros do colégio apostólico. Na verdade, consta claramente da tradição, a qual aparece sobretudo nos ritos litúrgicos e no uso da Igreja, quer oriental quer ocidental, que, pela imposição das mãos e pelas palavras consecratórias, se confere a graça do Espírito Santo e se imprime o caráter sagrado, de tal modo que os Bispos, de maneira eminente e visível, fazem as vezes do próprio Cristo, mestre, pastor e pontífice, e agem em seu nome. Compete aos Bispos admitir, pelo sacramento da Ordem, novos eleitos no corpo eclesial. Em virtude do sacramento da Ordem e do ministério, todos os sacerdotes, quer seculares quer religiosos, estão unidos ao corpo episcopal e trabalham para o bem de toda a Igreja, segundo a vocação e a graça de cada um.
O bispo diocesano, como primeiro dispensador dos mistérios de Deus na Igreja particular que lhe está confiada, é o guia, o promotor e o guardião de toda a vida litúrgica. «A vida litúrgica da diocese gravita em redor do Bispo, sobretudo na igreja catedral, convencidos de que a principal manifestação da Igreja se faz numa participação perfeita e ativa de todo o Povo santo de Deus na mesma celebração litúrgica, especialmente na mesma Eucaristia, numa única oração, ao redor do único altar a que preside o Bispo rodeado pelo presbitério e pelos ministros”. Por isso, é na catedral, onde se realiza o momento mais alto da vida da Igreja, que tem lugar também a ação mais excelsa e sagrada do munus sanctificandi do Bispo; tal múnus, bem como a própria liturgia a que ele preside, inclui simultaneamente a santificação das pessoas, o culto e a glória de Deus» (João Paulo II, Pastores Gregis 34, cf. CIC can. 389).
O Bispo não está, nem pode estar, sozinho como pastor da Igreja que lhe foi confiada, neste caso na Igreja de Aveiro, embora recaia sobre ele a primeira responsabilidade de edificar a íntima comunhão de todos os fiéis no Corpo de Cristo que é a Igreja.
2. O lugar da Cátedra/Catedral
O temo “Catedral” nasceu do latim medieval como forma reduzida de ecclesia cathedralis, isto é, igreja onde tinha assento o bispo (cathedra). Nela está a cátedra (cadeira) onde tradicionalmente o bispo se senta, em atitude magisterial, para exercer o seu múnus pastoral de ensinar, santificar e governar. A Catedral ou Sé é a principal igreja de uma diocese, onde se encontra a sede de um bispo e de uma diocese. Para haver catedral, é preciso haver um bispo associado a ela. Quando o Bispo está na cátedra é sinal do Cristo cabeça, sacerdote e mestre. A sede deve manifestar essa união entre cabeça e corpo, entre Cristo e a Igreja, entre o presidente e a assembleia. A Catedral não simboliza apenas uma parte da Igreja, mas a Igreja na sua totalidade.
As catedrais, centros de peregrinação, são os principais centros difusores da religiosidade e da cultura. Pela sua força simbólica, a Catedral converte-se em casa de escuta da Palavra e lugar de elevação do espírito e de encontro com Deus.
A igreja que se evoca, quando se fala da Catedral, não é uma comunidade particular da diocese, mas a igreja de toda a Diocese, pelo que simboliza toda a Igreja diocesana. Por ter a cátedra do bispo, é chamada de “a mãe” de todas as igrejas, neste caso, de todas as igrejas de Aveiro.
A Catedral é a principal igreja da Diocese. Presidida pelo Bispo com a participação do povo que forma a comunidade diocesana, é expressão da Igreja local: casa de oração, lugar de escuta e de celebração da Igreja viva e peregrina. Dela irradia o mistério de Cristo, que se atualiza na celebração dos sacramentos, especialmente na Eucaristia, o centro de toda a vida cristã, tanto para a Igreja, quer universal quer local, como para cada um dos fiéis.
A catedral de Aveiro é, pois, sinal e expressão de toda a vida da comunidade diocesana. Ela é a Igreja-mãe e, como mãe, deve acolher a todos. Procuremos, cada vez mais, o sentido de comunhão.
IV. CONVERTER-SE NUMA IGREJA QUE CONVIDA: VINDE E VEDE
Partindo da recente consulta diocesana sinodal, podemos afirmar que a Igreja continua a ser referência pela positiva na sociedade atual, indo aonde outros não querem ir e fazendo o que muitos outros, na sociedade, não fazem.
A autêntica natureza da verdadeira Igreja é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos (cf. SC 2). Na caminhada sinodal diocesana foi significativo o número de pessoas que aceitaram colocar-se à escuta da novidade do Espírito e partilhar as suas preocupações e alegrias e apresentar propostas sobre o rumo que a Igreja deve tomar.
A Igreja, povo santo e pecador que peregrina em terras de Aveiro, convocada à participação e corresponsabilidade, demonstrou o quanto anseia percorrer caminhos amorosos de perdão e misericórdia; viver a alegria do Evangelho que a todos acolhe e abraça; servir a Deus e à humanidade pela promoção do bem comum e conversão por uma ecologia integral. Da síntese decorrente da consulta sinodal na Diocese, concluímos a necessidade de efetivamente assumir um novo estilo de ser Igreja – um estilo de Igreja que promova a comunhão a todos os níveis. Ser comunhão é pressuposto para fomentar a comunhão.
Implementar o espírito sinodal como forma de ser e edificar a Igreja de Jesus neste tempo e nesta cultura, escutando, refletindo, aprendendo e consolidando a sinodalidade, é um dos nossos grandes objetivos pastorais. A sinodalidade implica recetividade à mudança, formação e aprendizagem permanente. Todos temos de ser parte ativa dos processos de mudança do presente. «Vinde e vede» (Jo 1,38-39) é a resposta-convite de Jesus a dois discípulos de João Batista à pergunta: «onde moras?». Jesus chama-os a um percurso interior e, ao mesmo tempo, a uma disponibilidade a colocar-se concretamente em movimento, sem saber bem onde é que isto os levará. Será um encontro memorável, a tal ponto que se recorda da hora em que teve lugar. Graças à coragem de ir e ver, os discípulos podem experimentar a amizade fiel de Cristo e viver diariamente com Ele, interrogar-se e inspirar pelas suas palavras, deixar-se tocar e comover pelos seus gestos. O lugar privilegiado do nosso encontro com o Senhor é a comunidade, unida e reunida em seu nome. Que as nossas comunidades cultivem particular solicitude para receber e introduzir na vida comunitária as pessoas que chegam de outros lugares ou que se reaproximam da vida eclesial, mas também saiam para ir ao encontro dos que estão fora, fazendo-se próximo dos afastados, dos indiferentes, dos que vivem como se Deus não existisse. Como nos recomenda o Papa Francisco, é bom e desejável ter as portas das igrejas abertas, mas de pouco servirá se as portas da Igreja-comunidade, que é o coração de cada de um de nós, não se abrirem também para acolher.
V. A PEREGRINAÇÃO À CATEDRAL
Caríssimos diocesanos, tudo depende decisivamente do testemunho; somos continuamente interpelados pelos testemunhos de fé de tantos irmãos nossos que nos precederam, ministros ordenados, consagrados e leigos, e também na memória das obras de arte, nomeadamente a arte sacra. Se por um lado a arte sacra é testemunho da fé acreditada, por outro é transmissão dela ao povo de Deus. Procura através da beleza visual, chegar à beleza transcendental e tornar visível o invisível. Além do valor cultural das obras, lançamos raízes na vida da Igreja e conhecemos melhor a sua origem. Dizia São Basílio que "o que as palavras dizem ao ouvido, a arte mostra-o em silêncio". Quem a contempla tem diante de si narrativas que transcrevem, evocam e ajudam a viver as páginas da Escritura, da história da própria ação evangelizadora da Igreja.
A este respeito, a Sé catedral de Aveiro é um monumento emblemático do qual nos orgulhamos e lugar onde podemos realizar a experiência vital de busca e de escuta, onde se louva e glorifica a Deus, se dá graças e pede perdão, onde mãos se erguem ao alto, em desejo, urgência e sede de Deus. É fruto do trabalho, da colaboração e dedicação de muita gente e, acima de tudo, fruto do amor de Deus que aqui se faz presente. Que ela nos leve a descobrir sempre mais o valor da presença de Jesus no meio de nós!
A Igreja, fiel à sua origem, está sempre em renovação. Na longa tradição cristã, vivemos nos nossos dias um tempo de renovação, tempo que tem de ajudar as pessoas a descobrir Deus e a experimentarem o seu amor por elas. Deste encontro, nascerá o impulso que leva a dar testemunho da fé, nos mais diversos ambientes. Todas as celebrações devem ajudar a criar ambiente de encontro e partilha fraterna; deve passar-se de “assistir a uma celebração” para “participar numa celebração”. A contemplação é fundamental. Diz-nos o Papa Francisco que “contemplar é dar tempo para fazer silêncio para rezar, a fim de que a alma volte novamente a estar em harmonia: o equilíbrio está entre a cabeça, coração e mãos; entre pensamento, sentimento e ação. A contemplação é o antídoto para as escolhas apressadas, superficiais e inconcludentes”. De facto, quem contempla descobre a preciosa ternura do olhar de Deus, não fica sentado de braços cruzados, dedica-se com afinco à contemplação que leva à ação.
As iniciativas de encontro, diálogo e colaboração são etapas preciosas nesta peregrinação. No meio dos riscos e limites da cultura de hoje, volta a ressoar o Evangelho para nos oferecer uma vida diferente, mais saudável e mais feliz. Na força do anúncio, as estruturas podem e devem renovar-se. Somos chamados a assumir com generosa disponibilidade a parte de responsabilidade pela vida das comunidades eclesiais a que pertencemos. O rosto da Igreja depende de todos nós. O desafio passará por descobrir e viver a dimensão da Igreja como Povo de Deus, um povo ao qual todos pertencem: leigos, religiosos, ministros ordenados.
O cristão é chamado a viver a sua vida em Cristo e a considerar o dom da fé um verdadeiro tesouro para a sua vida e para a promoção de uma cultura do encontro e da solidariedade, do respeito e do diálogo, da inclusão e da integração, da gratidão e da gratuidade. Iluminados pela fé, temos o dever de nos esforçar para compreender a realidade e buscar caminhos. A fé «não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida: faz descobrir uma grande chamada — a vocação ao amor — e assegura que este amor é fiável, que vale a pena entregar-se a ele, porque o seu fundamento se encontra na fidelidade de Deus, que é mais forte do que toda a nossa fragilidade» (Lumen fidei, 53). Como servidor desta Igreja que peregrina em Aveiro, é para mim motivo de viva satisfação o Jubileu da Catedral. Não posso deixar de expressar a minha gratidão junto da Santa Sé, por nos ter concedido esta graça.
O Decreto da Penitenciaria Apostólica “concede Indulgência plenária do tesouro celeste da Igreja, nas condições habituais (Confissão sacramental, Comunhão eucarística e oração pelas intenções do Sumo Pontífice) aos fiéis verdadeiramente arrependidos e movidos pela caridade, que pode ser lucrada a partir do dia 12 de maio de 2023 até ao dia 13 de maio de 2024, a qual também pode ser aplicada como sufrágio às almas dos fiéis que se encontram no Purgatório, se visitarem a mesma igreja Catedral em forma de peregrinação e aí devotamente cumprirem os ritos jubilares, ou então se durante um conveniente espaço de tempo se entregarem a piedosa meditação, concluindo com a Oração Dominical, Símbolo da Fé e invocação da Bem-aventurada Virgem Maria.
Os idosos, os doentes e todos aqueles que por uma causa grave não podem sair de casa, podem igualmente lucrar a Indulgência plenária, concebendo a aversão a todo o pecado e fazendo a intenção de, logo que seja possível, cumprirem as três condições de costume, unindo-se espiritualmente às celebrações jubilares, e oferecendo ao Deus misericordioso as suas preces e sofrimentos e também as incomodidades da própria vida.
A peregrinação é um dos elementos essenciais do Ano Jubilar. Segundo o calendário proposto para este ano, a peregrinação dos arciprestados e a dos vários setores da pastoral diocesana (catequese, ministérios litúrgicos, grupos sócio caritativos, movimentos apostólicos, cultura…) devem ver a catedral como o centro da vida diocesana.
A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo; pratiquemos gestos de misericórdia para com todos os que necessitam de ser acolhidos e ajudados nas suas fragilidades, sobretudo os mais pobres. Uma palavra especial merecem os imigrantes, que em grande número procuram as nossas terras para viver. A sua inserção e as suas convicções religiosas são outro desafio ao qual devemos estar atentos.
Toda a Diocese está convidada a participar no Ano Jubilar. Queremos ver reunida uma Igreja/ Diocese que anuncia, celebra e vive a sua fé. Importa que, a partir da escuta da Palavra e da ação, nos preparemos e consciencializemos da sua importância, para que brilhe em nós um novo rosto de Igreja.
Guiados pelo Espírito Santo, queremos ser pedras vivas com as quais Cristo edifica a Igreja diocesana de Aveiro. Que o Jubileu desperte os nossos corações!
Que Nossa Senhora da Assunção, titular da nossa Catedral, e a Princesa Santa Joana, nossa padroeira, nos ajudem a viver e a dar frutos de santidade neste Jubileu.
Senhor Jesus, Bom Pastor,
nós te agradecemos a Igreja que somos,
com as suas luzes, as suas sombras,
e o desejo de fidelidade ao Evangelho.
Ensina-nos a ver os sinais da tua presença.
Ajuda-nos a viver o amor e a comunhão, sinais da tua Igreja.
Faz-nos sentir a necessidade de edificar a Igreja pela oração,
pela colaboração e pela partilha de bens,
a construir a nossa Igreja de Aveiro sobre rocha firme.
Acendei no nosso coração um zelo ardente que nos entusiasme a anunciar a Boa Nova a todos.
Amen.
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Aveiro, 12 de maio de 2023
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro
[1] Cf. SOUSA, Frei Luís de – Frei Luís Cácegas, História de S. Domingos, II Parte, Livro III, Cap. III; Rangel de Quadros, Aveiro – Apontamentos Históricos, IV, fl. 51.
Frei Luís de Sousa narra uma lenda afirmando que na noite de 4 para 5 de agosto, a Virgem Maria apareceu a um velho aveirense, de nome Afonso Domingues, pobre e entrevado, curando-o e ordenando-Ihe que assinalasse com uma enxada o local onde desejava que o Infante D. Pedro mandasse erguer um convento em Sua honra – sendo esta a origem do Convento Dominicano de Nossa Senhora da Misericórdia.
[2] Cf. PT/AUC/III/1ªD/15/2/2, Convento de São Domingos de Aveiro, Livro de Lembranças de Missas, fl. 1; Rangel de Quadros, Aveiro – Apontamentos Históricos, IV, fl. 51.
[3] Memorial da Infanta Santa Joana e Crónica da Fundação do Convento de Jesus, Ed. Diocese de Aveiro, 2021.
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