Peregrinação Arciprestado de Ílhavo – Homilia
Peregrinação Jubilar de Ílhavo
- Um dia na vida Jesus
A primeira leitura oferece um texto do livro de Job. Trata-se de uma reflexão sobre o sentido do sofrimento, sobretudo no homem justo, e de como o sofrimento interfere nas relações com os outros e com Deus. Job, personagem principal, é aquele que Deus vê e que é visto pelos seus, os da sua casa. “viste o meu servo Job?” diz Deus a Satan (1,8). Através deste personagem são muitas as questões que se colocam ao homem sobre o sentido do sofrimento.
Paulo, em sua defesa, adverte que espera uma outra recompensa que não a dos direitos de apóstolo. Espera a recompensa maior que é participar dos bens do evangelho. Porque anunciar o evangelho é “um encargo” e não “um título de glória”, porque ele não o faz, “por minha iniciativa”, mas porque “é uma obrigação que me foi imposta”.
A sua única preocupação é fazer com que muitos, e ele próprio, possam participar dos bens, das bênçãos, do evangelho e não sejam apenas ouvintes.
O texto do evangelho divide-se em três cenas. Na primeira, Jesus deixa a sinagoga e vai a casa de Pedro, símbolo da Igreja reunida, ainda que seja a pequena comunidade constituída por Jesus, Simão, André, Tiago e João. Alguém, fundamental na casa, está doente, é a sogra de Pedro. “Logo lhe falam dela”, quer dizer, sem perder tempo apresentam a Jesus a situação daquela mulher. O assunto é importante e Jesus, também de modo imediato, se aproxima, agarra-a pela mão e levanta-a. A mulher, tocada pela força de Jesus, responde com os critérios do mestre, que não veio “para ser servido mas para servir” e coloca-se de imediato a servi-los, prova de que está curada de um mal que a impedia de estar ao serviço dos outros.
Na segunda parte do evangelho, Marcos, mostra a casa de Pedro de portas abertas para todos, os doentes, os possuídos de espíritos impuros e toda a cidade. “Ao cair da tarde, já depois do sol-posto” quando as forças do mal entram em ação, há uma casa aberta de onde surge a luz da esperança para todos os que experimentam o sofrimento. Na casa está Jesus que devolve a esperança aos que eram trazidos até ele. Jesus é o rosto de Deus que cura as chagas da humanidade.
Na terceira cena do evangelho Jesus sai para um lugar isolado, um lugar de encontro e intimidade. É assim quando se encontra com o Pai e quando se encontra com os discípulos. Um lugar para estar a sós, neste caso, para rezar. Ali o encontram, pela manhã, Simão e os outros discípulos e fazem-lhe saber que “todos te procuram”, como que a desafiar Jesus a ficar ali porque teve sucesso.
A missão de Jesus, porém, não termina ali naquela povoação nem naquela casa. Devem ir, Jesus e os discípulos, “proclamar” em outros lugares, fora da comunidade, o que ali já foi proclamado.
2. Ai de mim se não anunciar o Evangelho!
No seu caminhar com os discípulos de Emaús, Jesus aproxima-se, escuta os motivos da sua tristeza e desilusão. É no partir o pão que o reconhecem e, sem demora, sentem a necessidade de compartilhar com os companheiros na fé a alegria do encontro com o Mestre. Renasce neles o amor pela comunidade e o ardor pelo anúncio.
Neste caminhar, espera-se que os discípulos suscitem outros discípulos. «A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão reveste essencialmente a forma de comunhão missionária. Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém» (EG 23). A conversão pastoral requer que as comunidades eclesiais sejam comunidades de discípulos missionários ao redor de Jesus Cristo, Mestre e Pastor. Os discípulos deixam-se transformar pelo encontro com Jesus e tornam-se Igreja em “saída missionária”, que leva necessariamente à conversão pastoral. É preciso um “sair de para trazer a”.
No encerramento da visita pastoral ao arciprestado de Ílhavo, na festa do Corpo de Deus de 2017, tracei alguns desafios pastorais que hoje quero recordar aqui nesta peregrinação à nossa igreja catedral.
1º Desafio: Ser testemunhas de Cristo ressuscitado
O Papa Francisco insiste, uma e outra vez, que o anúncio de Cristo vivo e ressuscitado deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial. Fazer parte da comunidade cristã deve levar-nos a esta certeza: não são os discípulos que procuram Jesus, mas é Ele que vem ao nosso encontro. Foi o que aconteceu com os discípulos de Emaús que, frustrados e tristes, abandonavam Jerusalém e regressavam à sua terra: foi Jesus que se aproximou deles e se pôs com eles a caminho (Lc 24, 15).
2º Desafio: Comunidades cristãs vivas e fraternas
Formar comunidades que sejam autênticas escolas de vivência da fé e da comunhão, gerando entre todos os seus membros laços de fidelidade, de proximidade e de confiança, que se traduzam no serviço humilde da caridade fraterna. É este o caminho para avivar o sentido de pertença à comunidade e para fortalecer os laços da comunhão, que é a primeira forma de missão, de acordo com a Palavra de Jesus, Bom Pastor: «Nisto todos saberão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,35). Comunidades que rezam e, ao mesmo tempo, são berço de novas vocações à vida matrimonial, à vida sacerdotal e de consagração. A vitalidade de uma comunidade cristã também se mede pela capacidade de viver a vida cristã como um caminho a percorrer, descobrindo o que Deus quer de cada um de nós.
3º Desafio: A formação cristã
Em todas as Eucaristias de encerramento da respetiva visita pastoral às várias paróquias do arciprestado referi a necessidade de uma formação cristã mais profunda, de modo que cada um de nós saiba dar as razões da sua fé. Sem uma paixão pela Palavra de Deus – a pessoa de Jesus, não teremos o fogo necessário para sermos evangelizadores. E isto nasce da formação cristã.
Tal como Maria e José apresentaram Jesus no templo e hoje o arciprestado de Ílhavo se desloca à nossa Igreja mãe em peregrinação, assim saibamos concretizar na nossa vida as palavras de Jesus no Evangelho: «Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe: «Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim».
Que Santa Joana Princesa, nossa padroeira, não entusiasme no anúncio do Evangelho nas paróquias que nos foram confiadas.
Aveiro, 3 de fevereiro de 2024.
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro