Sex. Mar 29th, 2024

Pe. Franclim Pacheco

Breve comentário
O texto deste domingo pode dividir-se claramente em duas partes: o diálogo de Jesus com os discípulos que culmina com a solene profissão de Pedro e a declaração de Jesus acerca de Pedro.
Jesus faz uma espécie de sondagem acerca da sua identidade: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?». A resposta dos discípulos, que referem a opinião das pessoas, elenca quatro modelos interpretativos da figura e actividade de Jesus. É identificado com João, o Baptista, nos ambientes da corte de Herodes Antipas (cf. Mt 14,2); a figura de Elias é usada pelo próprio Jesus para apresentar a figura de João Baptista (Mt 11,14); o profeta Jeremias, profeta da crise e da destruição do primeiro templo, representa o destino de Jesus, o profeta contestado na sua pátria (Mt 13,57).
A resposta à segunda pergunta de Jesus, que interpela os discípulos, é dada por «Simão Pedro», designação que prepara a intervenção de Jesus: «És feliz, Simão… Tu és Pedro». A declaração messiânica de Pedro já foi em parte antecipada na profissão de fé dos discípulos que acolhem Jesus no barco depois do misterioso encontro nocturno sobre o lago (Mt 14,33). A formulação posta na boca de Pedro é uma síntese da fé eclesial: Jesus é o Cristo e o Filho de Deus vivo. O título de Cristo (Messias) é assim esclarecido com a denominação característica da comunidade de Mateus: «Filho de Deus». Ele é o Eleito, o enviado definitivo de Deus para realizar o seu projecto salvífico na história. O nome «vivente/vivo», dado a Deus, sublinha este aspecto da presença e acção eficaz de Deus na história humana (cf. Mt 26,63).
As palavras dirigidas por Jesus a Pedro partem da sua profissão de fé mas dilatam o seu horizonte porque anunciam o papel e o destino futuro do discípulo. Pedro é chamado «feliz» por participar da condição dos «pequenos» e «humildes» a quem o Pai revela o seu projecto salvífico, escondido aos «sábios e inteligentes». Daí o contraste entre a condição humana e histórica de Pedro, «carne e sangue»» e a iniciativa do Pai que está nos céus que lhe revela a identidade profunda de Jesus, Messias e Filho de Deus.
A segunda palavra de Jesus a Pedro é uma promessa a respeito do futuro. Este anúncio profético apoia-se na imagem da «pedra», à qual é associada a da «construção». O Simão «Pedro» será a base e alicerce para a construção da comunidade messiânica, a igreja.
O vocábulo grego ekklēsia, donde vem a nossa palavra Igreja, através do latim, traduz habitualmente a palavra hebraica qāhāl, a assembleia ou convocação do povo de Deus libertado do Egipto e unido a Deus pela Aliança. O que era a «igreja do Senhor ou de Deus» torna-se a Igreja de Cristo, a comunidade messiânica, da qual Pedro é constituído o alicerce, que toma o lugar de Israel e na qual entrar a fazer parte todos aqueles que reconhecem Jesus como Messias, Filho de Deus vivo.
A esta comunidade messiânica, fundada sobre a rocha-Pedro, Jesus promete a indefectibilidade perante os assaltos das «portas do Inferno». Em Cesareia de Filipe, actual Banias (deturpação de «Panias»), encontrava-se o maior centro pagão do Israel antigo, incluindo o templo dedicado ao deus Pan à frente duma enorme gruta, donde surge o rio Jordão. Os judeus da época acreditavam que essa gruta era a entrada do mundo das trevas, a porta do inferno. A expressão refere-se, pois, às forças do mal, representadas pelo adversário ou maligno que se opõe à acção de Deus e à perseverança dos crentes. Num e noutro caso, a promessa de Jesus garante à sua comunidade a estabilidade espiritual e histórica, simbolizada pela rocha, alicerce sobre a qual é construída.
A terceira palavra anuncia a sua tarefa futura, representada pela imagem das chaves do reino dos céus, a seguir desenvolvida e esclarecida com a sentença sobre «ligar e desligar». Na tradição bíblica o símbolo das chaves indica autoridade e responsabilidade; daí que Pedro recebe a responsabilidade em relação a entrar ou a ser excluído do reino. Por outro lado, os rabinos estavam convencidos de possuírem as chaves da Torah, isto é, toda a autoridade sobre a interpretação da Sagrada Escritura e sobre as leis de Deus.
Ao longo do evangelho de Mateus torna-se claro que Jesus leva a cumprimento a Lei e os profetas, na linha da vontade de Deus. O poder das chaves, transmitido a Pedro, diz respeito à interpretação autorizada da vontade de Deus como a revelou e realizou Jesus. Pedro, como sábio discípulo do Reino dos Céus, tem a tarefa de interpretar de modo autorizado a vontade de Deus revelada pelas palavras e gestos de Jesus.