
Modos de interação entre ciência e religião
Uma Questão de Relacionalidade
Miguel Oliveira Panão
Há alguns anos participava numa conferência dedicada às questões ecológicas sob os olhares da ciência e da fé. A um dado momento, um dos oradores questiona – “qual a marca impressa por Deus no universo?” – Confesso que nada me ocorria, e foi no momento em que ele pronunciou a palavra – “relacionalidade “ – que se fez luz.
Mais tarde, enquanto me dirigia para o Metro lia um artigo do físico e filósofo Ian Barbour onde reflectia sobre o que queremos dizer com “Jesus salva.” Eu só me questionava, “mas salva o quê?” Quando li “salva os relacionamentos”, até parei de caminhar. Foi um outro momento de luz.
Ao ler a última Encíclica do Papa dedicada à ecologia, a Laudato Si’, inúmeras vezes o Papa Francisco usa a expressão de que “tudo está relacionado”, fazendo da relacionalidade uma chave de leitura essencial em todo o documento.
A relacionalidade cedo tornou-se o princípio base sob o qual é possível compreender melhor o sentido e significado de tudo o que existe neste universo. O que é a crise ecológica senão um défice relacional entre nós e o planeta que nos abriga? O que é a crise de fé que pode levar ao ateísmo senão um défice relacional entre nós, os outros e Deus?
A dúvida é, na minha opinião, um passo essencial no caminho da reconciliação entre a visão científica que temos do mundo e a da fé que lhe dá sentido e significado. Mas é a relacionalidade que cria o contexto onde se pode desenvolver uma visão do todo que nos aproxima da verdade sobre a realidade. Esse contexto exprime-se, essencialmente, através do diálogo, onde experimentamos a relacionalidade, e fazemos dessa uma pedagogia que nos mantém numa atitude mental aberta à novidade que provém do contacto com o outro.
Se a relacionalidade é a base do princípio narrativo do universo, qualquer atitude de divisão é contra-natura. Logo, da próxima vez que alguém vos impingir uma divisão entre ciência e religião, desconfiem.