Sex. Abr 19th, 2024

POR DETRÁS DA BÍBLIA XI

Pe. Júlio Franclim do Couto e Pacheco

Leia, aqui, AS ADMOESTAÇÕES DE IPU-WER

                Para além do contacto natural do povo de Israel com os outros povos e civilizações, como foi o caso das que se situavam a norte (Ugarit), na Mesopotâmia (suméria, acádia e babilónica) ou na Assíria, a influência do Egipto fez-se sentir na mentalidade israelita pelo facto de este povo ter estado centenas de anos a viver e a conviver com esta civilização até a ter abandonado no séc. XIII a.C. sob a liderança de Moisés.

                O contacto com o Egipto restabeleceu-se mais tarde quando o rei Salomão casou com a filha do faraó (1Rs 3,1). A sabedoria de Salomão tornou-se proverbial: A sabedoria de Salomão excedia a de todos os filhos do Oriente e toda a sabedoria do Egipto. Foi o mais sábio de todos os homens; mais sábio do que Etan, o ezraíta, e do que Heman; do que Calcol e Darda, filhos de Maol; o seu nome era conhecido por todos os povos em redor. Proferiu três mil provérbios, e seus hinos são em número de mil e cinco (1Rs 5,10-12).

Tendo herdado o trono de seu pai David, Salomão criou e procurou formar uma administração para o reino de Israel. Esta formação, sabemos agora, foi feita ao estilo egípcio através de provérbios que estabeleciam normas para toda a vida.

                Porém, a literatura egípcia esteve vedada durante muitos séculos até que, tal como aconteceu com a escrita cuneiforme, surge uma chave de leitura: a célebre Pedra de Roseta, descoberta em 1799, que foi analisada durante dezenas de anos até se perceber que apresentava o mesmo texto: um decreto do corpo sacerdotal do Egito, reunido em Mênfis, instituído em 196 a.C., sob o reinado de Ptolomeu V Epifânio (205 a 180 a.C.), escrito em dois idiomas: egípcio tardio e grego. O texto em antigo egípcio foi escrito em duas versões: hieroglífico e demótico, esta última uma variante cursiva da escrita hieroglífica. Foi assim que se tornou possível decifrar e traduzir os textos que já se conheciam e outros que a arqueologia foi trazendo à luz do dia.

                Dentre os muitos textos egípcios, são apresentados apenas alguns que poderão ajudar à compreensão de textos bíblicos, sobretudo no campo da sabedoria. De facto, a Sabedoria é mais antiga que Israel. Na formação do povo de Israel, o deserto foi o berço da sabedoria e o ponto de referência dos sábios. Israel forjou a sua história, recebendo o influxo de outras civilizações, sem jamais perder seus traços essenciais. Os livros sapienciais das Escrituras são fruto de um povo adulto.

O Egipto desenvolveu a literatura sapiencial por meio de instruções, utilizando pequenos poemas. Em geral, estas instruções eram feitas pelo rei que ensinava o príncipe herdeiro, ou por um escriba ao seu sucessor. Todo o discípulo era chamado “filho”. Os poemas giravam em torno de temas que preocupam o homem de todos os tempos: os males da vida presente, em especial as injustiças, as dúvidas em relação ao período depois da morte.