
Oratório Peregrino
Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com
Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro
XXIX Passo | Fixos os olhos no Crucificado Ressuscitado
Ao chegar às últimas páginas da sua vida na terra, Isabel gosta de se inspirar no último livro da Bíblia, o Apocalipse, com as suas aberturas solenes sobre a vida futura e todo o clima de adoração que delas emana. Em breve estará diante do trono de Deus, como tanto desejou estar já aqui na terra no céu da sua alma.
Hoje, sumida na dor e impulsionada pela sua vontade de louvor, dirige o seu olhar com S. João aos primeiros cristãos, que frequentemente eram mártires. Estão no céu. Seduzidos pelo Senhor, passaram pela «grande tribulação» e pelo «aniquilamento de Cristo», com a confiança de que Ele lavaria os seus pecados com o seu Sangue. Agora acabou-se a sede e o ardor da luta: chegou a saciedade depois da fome, a comunhão depois das lágrimas. E, noite e dia, louvam ao Pastor e Salvador!
Isabel, mais ainda que os mártires, olha para o «Crucificado por amor». Sempre olhou para Ele. «Uma carmelita é uma alma que olhou para o Crucificado» (Ct 133). Jesus sofreu muito. Com amor. Para nos salvar. A Cruz, ou, melhor, o Crucificado, é, para ela, um livro aberto. «Aconselho-te que simplifiques mais isso dos livros – escrevia a Guida –. Toma o Crucifixo, olha, escuta» (Ct 93).
No dia da sua profissão religiosa, tinha recebido o crucifixo «como um selo sobre o coração» e tinha-o contemplado com enorme alegria dizendo: Por fim Ele é totalmente meu e eu sou totalmente sua. Ele é tudo o que tenho, Ele é tudo para mim». Mas nesta mesma carta confessa também que olhar para o Crucificado dá-lhe grande estímulo para se entregar de maneira muito concreta nos momentos difíceis: «Olho para o Crucificado, e, ao ver como Ele se entregou por mim, parece-me que o menos que posso fazer por Ele é prodigar-me, gastar-me para lhe devolver um pouco do que Ele me deu» (Ct 156).
Este quinto dia – que à primeira vista pode parecer uma simples meditação sobre uma passagem do Apocalipse – é de uma extraordinária densidade autobiográfica. Embora viva rodeada de uma madre prioresa que se desfaz por ela e dos cuidados – ineficazes – das suas irmãs, a jovem moribunda na sua pequena habitação da enfermaria está a passar «pela grande tribulação», com um corpo destroçado, que os que a rodeiam se perguntam há meses como pode aguentar tanto. No céu «já não haverá fome nem sede», mas na terra há uma grande penúria. «Já vês como observo o meu estômago – escreve ela à sua mamã –, e como faço tudo o que posso para não o deixar morrer à fome. Faço-o por amor a Deus» (Ct 309). Uns dias antes da sua morte, dirá num sussurro: «Não está bem dizê-lo, mas julgo que a primeira coisa que farei quando chegar ao céu, será beber…».
Não se detém no sofrimento. Defende-se na «fortaleza» da oração e do desejo de «dar culto a Deus dia e noite no seu templo», no «santuário interior» da sua alma onde Deus mora. Quando a dor ameaça com desfazê-la, «não se fixa nas sendas por onde vai, mas leva simplesmente os olhos cravados no Pastor que a conduz». Ele estará com ela e ela estará com Ele!
A sua irmãzinha Teresa de Lisieux tinha dito: «Amar é dar tudo e dar-se a si mesmo». Assim o havia vivido a sua Madre Teresa de Jesus, a do coração ardente. Assim o tinha ensinado Jesus, com a sua palavra e com o seu exemplo: «Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13). Isabel gostava citar esta frase de Jesus, invertendo o seu sentido para o Senhor: «Dar a vida pelo Amado». «É tão belo imolar-se quando se ama!» (P 80).
Unida a Deus pela oração, está disposta a «partilhar» com Cristo o sofrimento e a morte pela qual está a ponto de passar, «decidida a partilhar efectivamente [é ela quem sublinha] a paixão do seu Mestre». A caminho do Calvário, será a «rainha» que vai à direita do seu «Rei crucificado, aniquilado, humilhado». A nobreza obriga. O sofrimento é amargo, mas o amor fá-la-á «superar» essa amargura.
A forte Isabel! Reconhecemos nela a jovem Catez que, aos seus dezassete anos, se considerava «feliz e orgulhosa de partilhar a dor de Cristo a caminho do Calvário» (P 36), repetindo-lhe o seu sonho de amor insaciável: «Anelo dar-te a minha vida e partilhar a tua agonia. Quem pudesse morrer crucificada!» (P 34). Na hora da verdade, o orgulho e a dita daquela adolescente idealista não se esfumaram. Na provação suprema será fiel ao sonho da sua juventude. Mas será «forte com a Sua fortaleza» (Ct 294), graças a essa Mão que nunca soltará.
Há outra razão que a sustém e a anima sempre: a Igreja, os outros. Para que também outros aceitam a Cristo! «Todas as nossas orações e todos os nossos sacrifícios se dirigem a isto» (C 136). «Por eles eu me santifico, para que também eles sejam santificados na verdade. Façamos totalmente nossas estas palavras do nosso Mestre adorado. Sim, santifiquemo-nos pelas almas. E já que somos todos membros de um só corpo, na medida em que tenhamos a vida divina em abundância poderemos comunicá-la ao grande corpo da Igreja. Há duas palavras que, no meu entender, resumem toda a santidade e todo o apostolado: “União, Amor”» (Ct 191). Isabel vê-se a si mesma como «uma alma redimida que deve, por sua vez, redimir outras almas», mas «com Jesus Cristo», no Cristo total, o único mediador, que «quer associar a sua esposa à sua obra redentora».
Jesus vivia sempre atento às vontade de seu Pai. Isabel penetra até ao fundo nessa atitude do coração de Cristo. E é consciente de que o Pai «estremecerá de alegria quando ela, «sua filha adoptiva», reconheça o seu próprio Filho. E com que alegria não a receberá no céu, onde cantará sem cessar os seus louvores!
O texto de Isabel
- «Vi uma grande multidão que ninguém podia contar… Estes são os que vieram da grande tribulação, e que lavaram e branquearam as suas vestes no sangue do Cordeiro. Por isso, estão diante do trono de Deus, e servem-no noite e dia no seu templo, e Aquele que está sentado no trono há-de reinar neles. Nunca mais terão fome nem sede, e o sol não cairá sobre eles, nem qualquer vento abrasador. Porque o Cordeiro será o seu pastor, e os conduzirá às fontes das águas da vida, e Deus enxugará toda a lágrima dos seus olhos…» (Ap 7, 9. 14-17).
Todos esses eleitos que ostentam a palma na mão (Ap 1, 9), e que se encontram completamente banhados na grande luz de Deus, tiveram que anteceder essa dor «imensa como o mar» (Lm 2, 13), cantada pelo salmista. Antes de contemplar «de rosto descoberto, a glória do Senhor» (2 Co 3, 18), comungaram nos aniquilamentos do seu Cristo; antes de serem «transformados de glória em glória, na imagem do Ser divino» (2 Co 3, 18), foram conformados à do Verbo incarnado, o Crucificado por amor.
- A alma que quer servir a Deus noite e dia no seu templo, quero dizer nesse santuário interior, de que fala S. Paulo, quando diz: «O templo de Deus é santo e vós sois esse templo» (1 Co 3, 17), essa alma deve estar resolvida a comungar efectivamente na paixão do seu Mestre. É uma redimida, que deve redimir outras almas por seu turno e, para isso, há-de cantar na sua lira: Glorifico-me na Cruz de Jesus Cristo (Gl 6, 14). Com Jesus Cristo estou pregada à Cruz…» (Gl 2, 19). E ainda: «Sofro no meu corpo o que falta à paixão de Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja» (Col 1, 24).
«A rainha está à vossa direita» (Sl 4, 11): tal é a atitude dessa alma; avança pelo caminho do Calvário à direita do seu Rei crucificado, aniquilado, humilhado e, apesar disso, sempre tão forte, tão calmo, tão cheio de majestade, dirigindo-se à sua paixão para «fazer brilhar a glória da sua graça», segundo a expressão tão forte de S. Paulo (Ef 1, 6). Quer associar a sua esposa à sua obra de redenção, e essa via dolorosa, por onde anda, aparece-lhe como o caminho da Beatitude: não só porque a ela conduz, mas ainda porque o Mestre santo lhe fez compreender que deve ultrapassar o que há de amargo no sofrimento para, como Ele, nele encontrar o seu repouso.
- Então, pode servir a Deus «noite e dia no seu templo». As provações, de fora ou de dentro, não a podem fazer sair da sua santa fortaleza, onde o Mestre a encerrou. Ela já não tem mais, «nem fome nem sede», porque, apesar do ardente desejo da Beatitude, encontra a saciedade naquele alimento que foi o do seu Mestre: «a vontade do Pai» (Jo 4, 32-34). «Já não sente o sol cair-lhe em cima», quer dizer, já não sofre de sofrer.
Então, o Cordeiro, pode «conduzi-la às fontes da vida», onde Ele quer, como Ele entende, porque ela já não repara nas veredas por onde passa, mas fixa simplesmente o Pastor que a conduz (Sl 22, 3-4).
Deus, inclinando-se sobre esta alma, sua filha adoptiva, tão conforme à imagem do seu Filho, «primogénito de entre todas as criaturas» (Col 1, 15; Rm 8, 29), reconhece-a como uma daquelas que Ele «predestinou, chamou, justificou» (Rm 8, 30). E, nas suas entranhas de Pai, estremece ao pensar em consumar a sua obra, quer dizer, ao «glorificá-la» (Jo 17, 4), transferindo-a para o seu reino, para aí cantar, pelos séculos sem fim, «o louvor da sua glória» (Ef 1, 12).
Sugestões para orar
Que fazer com as nossas horas de solidão, com a nossa terceira idade, com as nossas horas de sofá e de esperar a que amanheça? Que fazemos com a nossa dor, se a temos, grande ou pequena? Que fazemos com Deus, que está sempre presente no templo da nossa alma, «de dia e de noite»? Que fazemos com Jesus Cristo ressuscitado, que está ao nosso lado, que vive em nós? Isabel formula um desejo para ti: «Que o Mestre te revele a sua divina presença. É tão suave e tão doce, e fortalece tanto a alma…!» (Ct 305).
Tudo passa, Deus permanece. Cresce hoje em comunhão. Com Jesus e com Isabel, poderás voltar muitas vezes o coração para o Pai a fim de lhe repetir filialmente: Pai nosso, santificado seja o vosso Nome, venha o teu Reino, faça-se a tua Vontade…