Qua. Abr 24th, 2024

Oratório Peregrino

Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com

Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro


XXVIII Passo | A fé é a minha grande luz

 

Deus é sumamente próximo, imensamente belo, infinitamente grande, todo Ele amor, mas invisível… Isabel, ao meditar sobre a necessidade da fé, apresenta-no-lo «envolvido em luz» e «escondido na obscuridade». Ela aposta por esta fé pura, que é uma homenagem a Jesus e uma expressão do seu amor confiado e gratuito. «Basta com acreditar», dizia um dia numa síntese magnífica (Ct 273). Há um mês escrevia Isabel a uma jovem amiga: «Diz-me que peça a Deus um sinal (…); apesar de desejar muito agradar-lhe, não posso fazê-lo, não é esse o meu estilo, parece-me que seria sair do abandono» (Ct 293).

Jesus é, para Isabel, o sinal, e com esse sinal basta. Há que ter a valentia de franquear com decisão a porta que Ele nos entreabriu: com isso nos basta para amar a Deus e ao nosso próximo como cristãos. A sua vida de amor até à entrega total, a sua personalidade única e irrepetível, a sua ressurreição e a graça do seu Espírito que trabalha nos corações das primeiras testemunhas e hoje continua a trabalhar no nosso: basta isto para aderir a Ele e à sua mensagem. «Quero ser toda ouvidos ao teu ensino – havia dito Isabel a Cristo –. E depois, no meio de todas as noites, de todos os vazios e de toda a minha incapacidade, quero viver com os olhos cravados em Ti» (NI 15).

Aos vinte e seis anos, Isabel sabe que em breve partirá «ao encontro do Esposo». Mas vê-o apenas com os olhos da fé. «Também eu tenho necessidade de procurar o meu Mestre que se esconde bem – confiava há pouco a Guida –; mas então desperto a minha fé, e fico mais contente de não gozar a sua presença, para o fazer gozar, a Ele, do meu amor» (Ct 298).

A fé de Isabel é assim, uma fé límpida, pura, toda ela dom, toda louvor. Crente até à medula, afirma hoje muito ufana que «quando se vê afectada» pelo desejo egoísta de «sentir», de gozar, ou de se banhar na «luz», «se despreza profundamente pelo seu pouco amor e dirige imediatamente o olhar ao seu Mestre para que a liberte disso.

Basta com Jesus, e com a fé n’Ele. «Passar por cima de tudo para se unir com o seu Amado». Guiada pela «bela luz da fé» – essa luz que derrama «a única lâmpada» que é Cristo –, Isabel quer caminhar «na treva sagrada» para a Jerusalém celeste. A fé é a câmara escura que nos oferece uma imagem autêntica e verídica, embora limitada, da paisagem divina. Dá-nos já «a substância». E à medida que o amor de Deus vai crescendo, «os olhos do coração» (Ef 1, 18) iluminam-se interiormente e vêem à sua maneira. Intuitivamente. Através do coração, que conhece e recorda. É o caso de Isabel.

Todo aquele que quer orar encontrar-se-á sempre com o problema da alteridade de Deus. Falar com uma pessoa humana é distinto: vês o seu rosto, ouves o timbre da sua voz, as tuas palavras suscitam n’Ele uma resposta, conversais um com o outro. A Deus não o vemos, e os nossos ouvidos não ouvem som algum. Mas Jesus diz-nos que o nosso «Pai, que está escondido, no escondido» (Mt 6, 6). Se Jesus nos convida a orar dizendo «Pai nosso», encontra-se aí implicitamente a prova de que esse Deus invisível nos escuta e que nem uma só das nossas palavras se dissipará no vazio.

A oração, pois, é uma conversação especial com a qual nos devemos familiarizar. Tratar-se-á aqui também de uma questão de amor? Falar no teu coração e no teu pensamento com alguém ausente a quem amas, é algo que fazes com muita frequência. E, nestes casos, o teu amor põe espontaneamente em movimento a tua atenção. Na tua mente tens uma imagem dele, ou dela, uma simples recordação, o seu nome, o seu «ele», a sua «ela», e graças a isso a atenção da tua mente e o afecto do teu coração vão ao seu encontro. Toda a gente conhece esse fenómeno de proximidade interior a alguém que está invisível.

É certo que não há imagens, nem conceitos que consigam representar a Deus, que «é espírito» (Jo 4, 24). Mas, apesar disso, as nossas palavras são postes indicadores válidos e autênticos, que nos assinalam a boa direcção, e através delas o nosso amor alcança o seu objectivo. Jesus também se servia de palavras humanas para falar com o seu Pai e para nos falar de Deus. «Teu Pai, que vê no segredo», te entenderá perfeitamente. O problema e as limitações estão em nós, não n’Ele.

Entre Deus e tu não há distância: Ele está muito perto de ti, dentro de ti. Por isso, para orar, «basta com acreditar», dizia Isabel, e basta com orar. Além disso, em todos os tempos e em todas as regiões da terra os seres humanos, de maneira espontânea, oraram. O problema não consiste tanto em poder orar quanto em fazê-lo bem.

Para orar bem, é necessário fazer silêncio – silêncio suficiente – e prestar atenção interior – Isabel sabia-o bem. E ao fazê-lo aprenderás de forma progressiva. Começa, persevera, a correr aprendeste correndo. A oração leva em si mesma o seu mestre, assistido pelo Mestre interior que é o Espírito de Jesus. O Espírito do Filho de Deus está dentro de ti e ajuda-te a orar (Rm 8, 15-27). Os «Três» estão presentes «no céu da tua alma»: «fixa o teu olhar» em Deus, diz Isabel e repete por duas vezes que, graças à fé, já se levantou «um pouco» o véu. Será tão «inquebrantável a tua fé» como a sua?

O texto de Isabel

  1. Ontem, São Paulo, levantando um pouco do véu, permitia-me dirigir o olhar para a «herança dos santos na luz» (Col 1, 12), a fim que veja qual é a ocupação deles e que tente, tanto quanto possível, conformar a minha vida com a deles, para exercer o meu ofício de «Laudem gloriae» [louvor de glória]. Hoje, é São João, o discípulo que Jesus amava, que me vai entreabrir um pouco «as portas eternas» (Sl 23, 7) para que possa repousar a minha alma na “santa Jerusalém, doce visão de paz…!”.

E, primeiro diz-me, que não há luz na cidade, «porque a claridade de Deus a iluminou e o Cordeiro é a sua lâmpada» (Ap 21, 23). Se desejo que a minha cidade interior tenha alguma conformidade e semelhança com a «do Rei dos tempos imortal» (1 Tm 1, 17) e receba a grande iluminação de Deus, é necessário que apague todas as outras luzes e que, como na cidade santa, o Cordeiro seja «a única lâmpada».

  1. Eis a fé, a bela luz da fé, que me aparece. É só ela que me deve iluminar para ir ao encontro do Esposo.

O salmista canta que Ele se «esconde nas trevas» (Sl 17, 12), e, por outro lado, parece contradizer-se ao afirmar que «a luz o rodeia como uma veste» (Sl 103, 2). Porém, o que para mim ressalta, desta aparente contradição, é que devo mergulhar na treva sagrada, fazendo a noite e o vazio em todas as minhas potências: então, encontrarei o meu Mestre, e «a luz que o rodeia como uma veste» me envolverá também a mim, porque Ele quer que a esposa brilhe com a sua luz, unicamente com a sua luz, «tendo a claridade de Deus».

Diz-se de Moisés que era «inabalável na sua fé, como se tivesse visto o Invisível» (Hb 17, 27). Parece-me que tal deva ser a atitude de um louvor de glória que quer continuar, através da todas as coisas o seu hino de acção de graças: «inabalável na sua fé, como se tivesse visto o Invisível»… inabalável na sua fé nesse «tão grande amor» (Ef 2, 4). Nós conhecemos a caridade de Deus por nós e acreditamos nela…» (1 Jo 4, 16).

  1. «A fé, diz S. Paulo, é a substância das coisas que se devem esperar, e a demonstração das que se não vêem» (Hb 11, 1). Que importa à alma, que se recolheu sob a luz que nela criou esta palavra, sentir ou não sentir, estar na noite ou na luz, gozar ou não gozar… Experimenta uma espécie de vergonha em estabelecer uma diferença entre estas coisas; e quando ainda se sente por elas atingida, despreza-se profundamente pelo seu pouco amor; e então dirige-se depressa ao seu Mestre para, por Ele, se fazer libertar. Na expressão de um grande místico [Ruysbroec] ela «exalta-o» até ao mais alto cume da montanha do seu coração, acima das doçuras e das consolações que d’Ele procedem, porque resolveu tudo ultrapassar para se unir Àquele a quem ama».

Parece-me que a esta alma, assim inabalável na fé no Deus-Caridade, podem aplicar-se estas palavras do Príncipe dos Apóstolos: «Porque acreditais, sereis repletos de uma alegria inabalável e glorificada» (1 P 1, 8).

 

Sugestões para orar

Não estranhes nem desanimes se a tua atenção foge para outra parte. Com frequência, um longo tempo de oração é, pelo que se refere à atenção, algo assim como um fluxo e refluxo: estás junto a Deus e insensivelmente afastas-te d’Ele. Volta a começar como se nada tivesse acontecido: ao teu Pai agrada-lhe receber o seu filho pródigo quando regressa. No seu amor, o Pródigo é Ele.

E, ao lado de teu Pai, tens um irmão, homem como tu, Jesus, seu Filho, teu Senhor. No Filho, fala com Deus como com uma Pessoa humana à qual amas muito e que te entende maravilhosamente com o seu coração divino e com o seu coração humano.

Procura, hoje ainda melhor do que ontem, «continuar a cantar em todas as coisas um hino de acção de graças». Por exemplo, com esta breve oração: Senhor Jesus, eu creio em ti, em ti ponho a minha confiança, amo-te em tudo e em todos.


Imagem de My pictures are CC0. When doing composings: por Pixabay