Qui. Abr 25th, 2024

Oratório Peregrino

Um oratório à maneira de um viático para tempos de carestia
Uma proposta desenvolvida em parceria com

Irmãs do Carmelo de Cristo Redentor – Aveiro


XXVI Passo | Em busca da unidade interior

 

 

Durante esse tempo de sofrimento físico que a vai aproximando de uma morte inevitável, Isabel pousa com frequência os seus olhos em Jesus, admirando a sua paz, a sua fortaleza e o seu enraizamento em Deus. Busca a sua presença. É bom apoiar-se n’Ele e agir como Ele.

Gosta de chamar a Jesus «Mestre». Jesus ensina-a a viver e a amar até ao fim. Mas mais do que um mestre que propõe umas atitudes a adoptar, Jesus é o seu «Mestre» no sentido bíblico: a Palavra do Pai reveladora da Trindade de Amor que nos quer envolver a todos no seu circuito de vida. E «Mestre» também, porque Isabel lhe oferece a sua jovem vida com um sentido de pertença incondicional e inamovível. E assim experimentará como esse Cristo, a quem olha com uma admiração sem limites, a fascina, respira nela e a transforma. «É tão formoso…! Eu amo-o apaixonadamente, e amando-o transformo-me n’Ele» (Ct 130).

Jesus quer ser também o meu «Mestre». Mas por mais que eu seja chamado a essa vida nova em Cristo, enquanto não aceite a mão que se me oferece e não entre – humildemente, pobremente, pouco a pouco – na relação de amizade que Ele me propõe, não se desenvolverá em mim a sua força, nem a alegria da sua Presença, nem o gozo de me pôr ao seu serviço no meio dos outros.

 

Neste segundo texto, Isabel, com uma lógica suave e impecável, convida-me a abrir-me decididamente a Deus, para «tornar possível que me ilumine com a sua luz». Toda a zona em penumbra, todos esses cantos ocultos nos que me escondo obstinadamente para dar satisfação aos meus próprios interesses superficiais e egoístas, um dia deverão expor-se ao seu Sol. Porque não desde hoje mesmo? Mais cedo ou mais tarde, só o Sol ficará. Porquê não cedo?

 

Se quero que Cristo me declare abertamente o seu amor, terei que fazer «silêncio interior em todo o meu ser». E Isabel recorda-nos até que ponto as nossas «potências» – as nossas capacidades de prestar atenção e de amar, de desejar e de resistir, de sentir e de gozar – podem ver-se paralisadas, apressadas daqui para ali e apartadas do «único exercício importante, o do amor» em todas as coisas.

 

Conflitos interiores de tipo egoísta, redobrado sobre a minha sensibilidade ferida, busca apaixonada de desejos triviais, e aí estou eu «dispersando as minhas energias»: já não sou livre, simplesmente aberto a Deus, «orientado totalmente para Deus». Serei vítima de todas essas vozes caprichosas que se levantam no meu interior e estarei longe desse «silêncio interior», dessa «bela unidade interior» que me permite louvar a Deus na terra como no céu. E como Deus o mereceria.

 

À pena de Isabel, a pianista, aflora uma imagem: sem a unidade interior de todo o meu ser, eu sou como uma «lira» que não vibra «em uníssono» com o que Cristo quer tocar nela; produzo «dissonâncias». Pelo contrário, se vivo na «unidade interior», dirigido para Deus e «orientado para Ele», as «cordas» de minha lira estarão bem afinadas e a música da minha vida humana será «harmoniosamente divina». O Senhor gostará de se pôr em sintonia comigo e eu farei da minha vida, sob a sua batuta, uma sinfonia de louvor à formosura do seu amor.

 

Isto pode levar-me muito longe. Isabel, a música, sabia que estava completamente a ponto, totalmente afinada. Mas por detrás da imagem poética da lira, que programa de ascese e de disponibilidade, de amor purificado! «Tudo sacrifiquei por seu amor», repete Isabel com S. Paulo.

 

Mas no Seu amor, Isabel encontrou tudo, «ao descobrir o seu Deus presente e vivo nela». Tem a sua «fortaleza» em Deus. Escondida n’Ele, é portadora de uma grande felicidade para os outros e acha-se revestida de «fortaleza» para vencer os obstáculos e as dificuldades. Isabel compara-se com Maria Madalena, livre por fim e totalmente cativa. Se é difícil libertar-se, é muito doce ser livre.

 

Se nos custa tanto orar, é porque estamos apegados a muitas coisas. Honra, riquezas, conforto, diversões, profissão, poder, prestígio, êxitos, triunfo, uma formosa casa e fazer muito barulho. E tudo isto não garante a verdadeira felicidade.

 

Se te atreves a perder-te em Deus, encontrarás tudo isso de uma maneira nova. À luz de Cristo, tua vida, o mundo, o teu trabalho, as tuas semelhanças, inclusive o teu coração e a tua inteligência ser-te-ão devolvidos por um Amor que te envia sem te deixar de acompanhar. A tua agitação acalmar-se-á. O teu ser profundo estará mais «centrado em Deus, terás um «pleno domínio de ti mesmo». E Deus «proteger-te-á com solícito cuidado». Pois terás compreendido que a verdadeira linguagem do amor é a de um coração que se entrega. A bela canção do amor está escrita na partitura do esquecimento de si mesmo.

 

Sem o Amor de Deus, terás sempre a impressão de não ter vivido bastante nem suficientemente bem. Com o Amor, a eternidade tornar-se-á para ti demasiado breve. Aos seus vinte e um anos, Isabel já o sabia.

 

O texto de Isabel

 

  1. «A minha alma está sempre nas minhas mãos» (Sl 118, 109). Eis o que se entoava na alma do meu Mestre, eis também porque entre todas as angústias Ele sempre permanecia o Calmo e o Forte.

 

A minha alma está sempre nas minhas mãos!… Que quer [isto] dizer, senão esse pleno domínio de si na presença do Pacífico?

 

Há ainda um outro cântico de Cristo que eu quereria repetir sem cessar: «Para vós guardarei a minha força»… A minha Regra [do Carmelo] diz-me: «No silêncio encontrareis a vossa força». Parece-me, pois, que guardar a sua força para o Senhor, é realizar a unidade em todo o seu ser, pelo silêncio interior, é reunir todas as suas potências para as ocupar no exclusivo exercício do amor; é ter aquele olho simples (Mt 6, 22) que permite à luz de Deus iluminar-nos. Uma alma que discute com o seu eu, que se ocupa com as suas sensibilidades, que persegue um pensamento inútil, ou um qualquer desejo, esta alma dispersa as suas forças e não está inteiramente ordenada a Deus: a sua lira não vibra em uníssono e o Mestre, quando a toca, não pode tirar dela harmonias divinas, pois há demasiado de humano e é uma dissonância. A alma que ainda se reserve algo no seu reino interior e em que todas as potências não estejam «encerradas» em Deus, não pode ser um perfeito louvor de glória; nem está em condições de cantar, sem cessar, o «canticum magnum» [grande cântico] de que fala S. Paulo, porque a unidade não reina nela; e, em lugar de prosseguir, na simplicidade, o seu louvor em tudo, tem que estar sem parar a reunir as cordas do seu instrumento, que estão dispersas um pouco por todos os lados.

 

  1. Quão indispensável é esta bela unidade interior à alma que quer viver já aqui a vida dos bem-aventurados, quer dizer, dos seres simples, dos espíritos. Parece-me que o Mestre tinha isso em vista quando falava com Madalena do «Unum necessarium» [a única coisa necessária: Lc 10, 42). Como a grande santa o tinha compreendido! Com o olhar da alma esclarecido pela luz da fé tinha reconhecido Deus sob o véu da humanidade; e, no silêncio, na unidade das suas potências, «escutava a palavra que Ele dizia». E podia cantar: «A minha alma está sempre nas minhas mãos», e ainda esta pequenina palavra: «Nescivi». Sim, ela não sabia nada mais senão Ele! Podia-se fazer ruído, agitarem-se à volta dela: «Nescivi!». Podiam acusá-la: «Nescivi!» Nem sequer a sua honra, mais do que as coisas exteriores, podia fazê-la sair do seu sagrado silêncio.

 

  1. Assim acontece com a alma que entrou na fortaleza do santo recolhimento: o olho da alma, aberto à claridade da fé, descobre Deus presente, vivendo nela; por sua vez, ela permanece-Lhe tão presente, na bela simplicidade, que Ele a guarda com um cioso cuidado.

 

Podem sobrevir, então, as agitações do exterior, as tempestades do interior, pode-se mesmo atingir o seu ponto de honra: «Nescivi!» Deus pode esconder-se, retirar-lhe a sua graça sensível: «Nescivi»… E ainda, com S. Paulo: «Por seu amor, tudo perdi» (Fil 3, 8).

 

Então, o Mestre está livre, livre para se derramar, par se dar «segundo a sua medida». E a alma, assim simplificada, unificada, torna-se o trono do Imutável, pois, a unidade é o trono da Santíssima Trindade» [Ruysbroec].

 

 

Sugestões para orar

 

Continua a «descobrir o teu Deus presente e vivo em ti». Entra de vez em quando no teu coração para saudar o Hóspede interior. Isso vai exigir de ti pouco tempo. O tempo que poupes renunciando a este ou àquele «pensamento inútil», a este ou àquele «desejo vão», demasiado trivial, o tempo de «lutar com o teu eu e a tua sensibilidade».

De quando em quando, como lira nas mãos de Cristo e sob o sopro do Espírito Santo, canta suavemente no teu coração, atento a Deus que aí está presente: Oh Deus, tu és o meu Deus, eu te busco. A minha alma tem sede de ti.


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