Sex. Mar 29th, 2024
Notícia e foto recolhidas da Agência Ecclesia

«Patient advocate», que já passou por graves problemas de saúde, lamenta confusão de conceitos que reina na sociedade portuguesa

Raquel Abreu, que superou uma doença incapacitante e é hoje uma ‘patient advocate’, dedicando-se a acompanhar doentes com patologias graves, crónicas e raras, defendeu que é necessário “cuidar das pessoas” e nunca se pode “desistir” dos doentes.

“Vamos cuidar das pessoas enquanto elas sofrem. E sofrem até ao fim da vida, não é só depois de termos decidido se a doença que estamos a tratar tem cura ou não. Não podemos desistir dos nossos doentes”, referiu, na entrevista conjunta semanal Ecclesia-Renascença, que é publicada e emitida à sexta-feira.

Uma semana depois da aprovação, no Parlamento, de cinco projetos lei com vista à futura legalização da eutanásia, a entrevistada lamenta confusão de conceitos que reina na sociedade portuguesa, considerando que é preciso, também, parar tratamentos quando não há mais nada a fazer, rejeitando a distanásia.

“O que me preocupa muito foi que não se ouviram os especialistas, fez-se tábua rasa do que disseram os especialistas”, observa, criticando a “pressa” com que se legislou sobre esta matéria.

A ‘patient advocate’ considera inevitável que a legislação portuguesa ceda à lógica da “rampa deslizante”, admitindo cada vez mais “exceções”, assim que a eutanásia for despenalizada.

“A natureza humana é sempre a mesma. Os portugueses não são diferentes dos belgas, dos holandeses”, justifica.

Considerando o referendo como último recurso para travar a legalização da eutanásia, Raquel Abreu admite que está em causa “um esforço monumental” da sociedade civil e dos movimentos pró-vida, numa “enorme luta de consciencialização”.

Para a entrevistada, que tem dado a sua voz a várias iniciativas contra a legalização da eutanásia, a mentalidade vigente passa por “tratar a doença e não o doente”.

“É exatamente a obstinação terapêutica que fundamenta e que tem fundamentado a discussão em Portugal da necessidade da eutanásia”, indica.

Na década de 90, Raquel Abreu chegou a estar ligada à máquina e a receber morfina, e passou cinco anos entre uma cadeira de rodas e canadianas; em 2014 foi-lhe diagnosticada outra doença incurável, autoimune.

“Eu jamais pensei em pedir que me aliviassem o sofrimento, matando-me. Isso, para mim, está fora de questão”, assume.

A entrevistada considera que o sofrimento também pode ser “uma oportunidade de crescimento” e admite que, no seu caso, a ajudou a “reinventar” o sentido da vida.

“O meu apelo [aos deputados] é que, com o mesmo zelo, entusiasmo e vontade com que se dedicaram, tão prontamente, à legalização da morte assistida, se dediquem, já, a partir de hoje, à criação de uma rede de cuidados paliativos”, conclui.

Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)