Qui. Abr 25th, 2024

Carta de Luís Manuel Pereira da Silva


Ao homem e padre que fez da fidelidade o seu lema

Escrevo-lhe, Pe. Arménio, neste dia em que saiu da nossa presença. Escrevo-lhe porque o sei na eternidade, junto de Deus, porque esse é o lugar dos homens que moldaram a sua vida à luz de Deus-Santo.

A sua e a minha história começam nos meus já longínquos tempos de infância, em Pessegueiro, tempos em que, inspirado na sua imagem de homem de Deus, fiel e leal, se acendeu em mim a luz de que poderia vir a ser, eu próprio, padre como via em si.

O meu caminho foi longo e levou-me a perceber que Deus me chamava a ser cristão no mundo, como leigo, mas de si nunca abandonei (e muitas vezes revisitei) a memória da rocha firme, nestes tempos tão movediços e instáveis. A sua vida foi a de um profeta para o nosso tempo, apelando à austeridade diante da ilusão de podermos viver sem Deus, mas, como os de outrora, tantas vezes incompreendido pela sobranceria com que parecemos olhar para quem nos diz o que não queremos ouvir.

Como me custou ouvir, há cerca de dois anos, a triste notícia de que a voracidade do nosso mundo o atropelara, deixando-o numa condição física que se foi agravando até ao abandono final que hoje ocorreu.

Na sua vida, havia ‘sempres’ e ‘nuncas’, porque o amor, para si, era fiel como o é Deus.

Sei que muito do que pensava, Pe. Arménio, estará reservado em escritos que, um dia, há uns cinco ou seis anos, me mostrou. Esses escritos talvez possam, algum dia, merecer ser partilhados por quem neles reveja a importância da solidez de uma inteligência fina e densa. Uma inteligência que se preocupava ao ver que o mundo se afastava, airosa e despreocupadamente, da certeza de nada ser sem Deus. Mas essa preocupação nunca o demoveu de confiar, nem lhe retirou a serenidade e a paz de quem sabe onde está a sua fonte, onde está a nascente da vida.

Pe. Arménio, recordo com saudade a sua sempre insatisfeita atitude de quem procura ouvir o que dizem os que em algum momento estiveram longe da fé. Quantas vezes lhe ouvi falar do que dizem aqueles que, um dia, se afastaram, mas que, honestamente, vieram a reconhecer que o Deus que tinham abandonado os continuava a buscar, sem cessar. Quantas vezes o ouvi referir os ateus que se tinham deixado olhar por Deus, reconhecendo a sobranceria da outrora posição descrente! As suas palavras eram as de quem sabe que o caminho do homem é um permanente superar da tentação de Adão que se quer fazer sem Deus.

A sua partida deixa-nos uma enorme missão: a de continuarmos acordados quando tudo nos quer adormecer. Adormecer à sombra da satisfação e orgulho de quem parece prescindir de Deus para se engrandecer. Quantas vezes a sua foi uma voz que clamava no deserto! A voz dos que ousam dizer que o Dia está próximo e que é ilusão viver-se sem Deus.

Pe. Arménio, a sua partida deixa-me com o coração apertado, pois em si vi um Pai, porque o é quem de nós foi ‘pároco’ em tempos tão decisivos como os da infância e juventude… Mas este é o aperto de coração de quem se sente investido de nobre tarefa: a de garantir a todos que um dia, na terra, alguém foi rocha sólida e firme quando as areias se moviam, sedutoras, sob os nossos pés.

Obrigado, Pe. Arménio. A sua partida deixa-nos um legado: o de anunciarmos, com palavras e vida, que o caminho fiel e leal continua a ser o sinal que nos pede o mundo, mesmo quando o rejeita. Pois, quanto maior for a noite, maior a importância do farol. Mesmo que, de dia, muitos o dispensem como desnecessário.

Esta é, também, hora de agradecer aos que, com amor, lhe deram o conforto e o afeto, nestes últimos tempos após o seu acidente. Na APCDI e pela mão de um dos seus sucessores na paróquia de Pessegueiro, o Pe. António, a sua vida pôde voltar, até aos últimos dias, a ser fecunda e dedicada, celebrando e rezando por todos, pelo mundo, pelos Homens que sempre amou porque neles viu a Criação de Deus que Ama.

Obrigado, Pe. Arménio. Vele por todos nós, junto de Deus a quem foi fiel toda a sua vida.

Com afeto,

Luís