SEXTA-FEIRA SANTA
Celebração da Paixão do Senhor
«Diante da pandemia que está espalhando tanto sofrimento pelo mundo, muitos se perguntam sobre o que faz Deus em relação à dor humana. A resposta é a Paixão de Cristo. Contemplando a Jesus crucificado, podemos descobrir a verdadeira face de Deus: não um Deus que seria uma projeção daquilo que somos – do que consideramos como sucesso, do nosso sentido de justiça, da nossa indignação – mas de um Deus que, em vez de se revelar de forma espetacular e impor com força, se revela através do amor, manifestado na humildade, proximidade e entrega. De fato, o poder deste mundo passa, mas o amor permanece» (Papa Francisco, 8-4-2020)
Jesus não quis morrer na cruz para se mostrar, mas para mostrar quanto Deus ama todas as pessoas, indistintamente das razões que elas dão para serem amadas. A razão de Deus para amar é o amor. Jesus, ao dar-nos a vida, mostra que o seu caminho passa necessariamente pela morte… e morte de cruz. Carregar com a cruz é o requisito necessário para avançarmos pelo caminho de Jesus em direção à vida verdadeira.
A cruz, como uma Boa Notícia e como sinal de identidade do cristão, marca o estilo de vida que guiou Jesus ao longo da sua existência terrena. Digamo-lo de outra forma: a Cruz que nos salva não é o madeiro, mas a humanidade de Jesus na qual Deus incarnou e foi cravada no madeiro da cruz. Quem salva é o Crucificado e não a cruz.
Hoje participamos, de um modo particular, na humanidade que está crucificada na cruz do coronavírus. São muitas as formas de sofrimento que nos crucificam também a nós nesta cruz, que pode ser vivida com tristeza e desânimo, ou com confiança nos novos tempos que estão a chegar. Penso em tantos responsáveis de lares e outras instituições, onde a Covid-19 entrou e aumentou o sofrimento daqueles que já estavam muito limitados; a dor de tantos familiares que não conseguem estar presentes no momento da partida dos seus entes queridos ou no momento da sua sepultura; o desânimo de tantos que, confinados em suas casas, veem passar os dias sem a luz da esperança a entrar pelas janelas; o desespero de querer fazer testes em lares, em funcionários e não haver resposta pronta para os seus problemas…
Dentro de momentos, vamos adorar o crucificado no madeiro da cruz. A adoração da Cruz deve levar-nos a dizer sim ao projeto de Deus revelado em Jesus; a reconhecer que o caminho da salvação é o serviço e o amor feito dom para os outros; a pedir que possamos também carregar a cruz na nossa vida; que o amor triunfe de uma vez por todas perante tantos sinais de morte e desespero; a oferecer o nosso humilde contributo na transformação de um mundo melhor.
Está na hora…
de tirar forças da fraqueza
para impedir
que o medo se apodere de nós
porque é um mau companheiro de viagem;
que o cansaço psicológico nos faça mal;
que a fé e a esperança desapareçam
porque nos afundamos na miséria.
Está na hora…
de agradecer:
aos profissionais de saúde
e a outros servidores do bem público
que arriscam a sua vida
para salvar as dos outros
e às pessoas anónimas e esquecidas
que cuidam do corpo e consolam a alma
de velhinhos e doentes
nestes dias de extrema fragilidade
e obrigada solidão.
Está na hora…
de viver com pena e dor por aqueles que partiram
sem que a família e os amigos
pudessem ir à estação da vida para se despedirem;
com as portas das casas fechadas
para que não entre o maldito vírus,
mas com a mente e o coração abertos
à vida, ao Amor e a Deus,
pedras angulares da nossa existência.
Está na hora…
de sonhar:
que quando tudo isto passe
— sim, há de passar —
haverá um novo céu e uma nova terra
porque todos faremos o que pudermos
para que o sonho se torne realidade:
“eu vi um novo céu e uma nova terra,
porque o primeiro céu e primeira terra
tinham desaparecido” (Ap 21,1)
…………….… (Julian del Olmo – 27-3-2020)
+ António Manuel Moiteiro Ramos, bispo de Aveiro
Sé de Aveiro, 10 de abril de 2020