Qui. Abr 18th, 2024

SEXTA-FEIRA SANTA

Celebração da Paixão do Senhor

«Diante da pandemia que está espalhando tanto sofrimento pelo mundo, muitos se perguntam sobre o que faz Deus em relação à dor humana. A resposta é a Paixão de Cristo. Contemplando a Jesus crucificado, podemos descobrir a verdadeira face de Deus: não um Deus que seria uma projeção daquilo que somos – do que consideramos como sucesso, do nosso sentido de justiça, da nossa indignação – mas de um Deus que, em vez de se revelar de forma espetacular e impor com força, se revela através do amor, manifestado na humildade, proximidade e entrega. De fato, o poder deste mundo passa, mas o amor permanece» (Papa Francisco, 8-4-2020)

Jesus não quis morrer na cruz para se mostrar, mas para mostrar quanto Deus ama todas as pessoas, indistintamente das razões que elas dão para serem amadas. A razão de Deus para amar é o amor. Jesus, ao dar-nos a vida, mostra que o seu caminho passa necessariamente pela morte… e morte de cruz. Carregar com a cruz é o requisito necessário para avançarmos pelo caminho de Jesus em direção à vida verdadeira.

A cruz, como uma Boa Notícia e como sinal de identidade do cristão, marca o estilo de vida que guiou Jesus ao longo da sua existência terrena. Digamo-lo de outra forma: a Cruz que nos salva não é o madeiro, mas a humanidade de Jesus na qual Deus incarnou e foi cravada no madeiro da cruz. Quem salva é o Crucificado e não a cruz.

Hoje participamos, de um modo particular, na humanidade que está crucificada na cruz do coronavírus. São muitas as formas de sofrimento que nos crucificam também a nós nesta cruz, que pode ser vivida com tristeza e desânimo, ou com confiança nos novos tempos que estão a chegar. Penso em tantos responsáveis de lares e outras instituições, onde a Covid-19 entrou e aumentou o sofrimento daqueles que já estavam muito limitados; a dor de tantos familiares que não conseguem estar presentes no momento da partida dos seus entes queridos ou no momento da sua sepultura; o desânimo de tantos que, confinados em suas casas, veem passar os dias sem a luz da esperança a entrar pelas janelas; o desespero de querer fazer testes em lares, em funcionários e não haver resposta pronta para os seus problemas…

Dentro de momentos, vamos adorar o crucificado no madeiro da cruz. A adoração da Cruz deve levar-nos a dizer sim ao projeto de Deus revelado em Jesus; a reconhecer que o caminho da salvação é o serviço e o amor feito dom para os outros; a pedir que possamos também carregar a cruz na nossa vida; que o amor triunfe de uma vez por todas perante tantos sinais de morte e desespero; a oferecer o nosso humilde contributo na transformação de um mundo melhor.

Está na hora…

de tirar forças da fraqueza

para impedir

que o medo se apodere de nós

porque é um mau companheiro de viagem;

que o cansaço psicológico nos faça mal;

que a fé e a esperança desapareçam

porque nos afundamos na miséria.

Está na hora…

de agradecer:

aos profissionais de saúde

e a outros servidores do bem público

que arriscam a sua vida

para salvar as dos outros

e às pessoas anónimas e esquecidas

que cuidam do corpo e consolam a alma

de velhinhos e doentes

nestes dias de extrema fragilidade

e obrigada solidão.

Está na hora…

de viver com pena e dor por aqueles que partiram

sem que a família e os amigos

pudessem ir à estação da vida para se despedirem;

com as portas das casas fechadas

para que não entre o maldito vírus,

mas com a mente e o coração abertos

à vida, ao Amor e a Deus,

pedras angulares da nossa existência.

Está na hora…

de sonhar:

que quando tudo isto passe

— sim, há de passar —

haverá um novo céu e uma nova terra

porque todos faremos o que pudermos

para que o sonho se torne realidade:

“eu vi um novo céu e uma nova terra,

porque o primeiro céu e primeira terra

tinham desaparecido” (Ap 21,1)

…………….… (Julian del Olmo – 27-3-2020)

+ António Manuel Moiteiro Ramos, bispo de Aveiro

 

Sé de Aveiro, 10 de abril de 2020