Qui. Mar 28th, 2024
Artigo e foto recolhidos do SNPC

«Nunca me despedi desta obra-prima. O primeiro contacto não é fácil, mas, quando se entra naquele mundo, é difícil abandoná-lo»: o universo de “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa (1908-1967) está no centro da coluna semanal que Fr. Bento Domingues propôs, este domingo, no “Público”.

Riobaldo Rosa é o «grande teólogo narrador» que «procura decifrar as coisas que são importantes», conduzindo o leitor por um «grande romance», no qual «não se discute, de forma abstrata, se Deus existe ou não existe», porque é «uma evidência tumultuosa».

A determinado passo das mais de 450 páginas, há «interrogações que se desdobram sempre em novas interrogações: “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há de a gente perdidos no vaivém e a vida é burra”».

«Somente, não ache que religião afraca. Senhor, ache o contrário. E dar tudo a Deus, que de repente vem, com novas coisas mais altas, e paga e repaga, os juros dele não obedecem medida nenhuma. Deus é alegria e coragem – que Ele é bondade adiante, quer dizer», assevera o personagem criado pelo autor mineiro.

Na religião de “Grande sertão: veredas”, expressão do «encontro com o Essencial, nas muitas e variadas mediações do divino», o «Amor vem sempre acompanhado de justiça. É ele que faz madrugar e amanhecer».

«Neste universo, não há conflito entre a afirmação religiosa e a afirmação humana. Não são rivais, fortalecem-se mutuamente. É o testemunho desta grande e difícil obra da literatura brasileira», conclui o Fr. Bento Domingues.

“Dostoievski, nosso contemporâneo” é o tema da crónica que o cardeal Tolentino Mendonça assinou, sexta-feira da semana passada, no “Expresso”, no contexto do bicentenário do seu nascimento e dos 140 anos da morte, que se assinalam em 2021.

«Quando nos abeiramos de Dostoievski, um século e meio não faz qualquer diferença. Os seus livros continuam a dirigir-se a nós, a oferecer-nos instrumentos para o conhecimento de nós próprios, a falar connosco sobre coisas que já sabemos, e, ao mesmo tempo, a destapar nos vazios da alma (no nosso “subsolo”, como ele diria) o que ignoramos ou tememos reconhecer», sublinha.

Dostoievski «é um profeta enviado para revelar os mistérios da alma humana», que se recusa a «acreditar que o mal deva ser considerado um estado normal dos homens», porque «cada coração conserva um rastro de causa do mal, mas também um vestígio inapagável do remédio».

O texto termina com uma citação de Herman Hesse: «Devemos ler Dostoievski quando estamos mal, quando sofremos até o limite do suportável e sentimos a vida como uma ferida total, corrosiva e ardente. Nesse momento deixamos de ser espetadores, e tornamo-nos apenas irmãos desses pobres desgraçados a que ele deu vida nas suas criações, e conseguimos então colher a música, a sua consolação, o significado admirável do seu mundo».

Rui Jorge Martins
Fontes: PúblicoExpresso
Imagem: D.R.