Qui. Abr 25th, 2024
Artigo e foto recolhidos do SNPC

O tempo parece ter parado na catedral de Notre-Dame, em Paris, danificada, mas salva. A um ano de distância do incêndio que engoliu a igreja gótica, uma grua sobressai ainda diante da estrutura, envolvida em numerosos andaimes.

Tudo mudou pelas 18h50 de 15 de abril de 2019, quando as chamas irromperam no teto falso, provavelmente por causa dos trabalhos de restauro. E depois as imagens do incêndio, extinguido só depois de muitas horas, o pináculo em madeira de Viollet-le-Duc que desaba sobre o teto da catedral, rompendo-o, mas as duas torres salvas, como também a coroa de espinhos e a túnica de S. Luís.

O aniversário chega em plena emergência do coronavírus, com as medidas de contenção do contágio que tornam as operações de reconstrução e restauro mais complexas. Agora, a catedral símbolo de Paris e da cristandade na Europa ergue-se contra a pandemia. Acendeu-se uma esperança por ocasião de Sexta-feira Santa, quando o arcebispo da capital francesa, D. Michel Aupetit, presidiu a uma celebração especial.

No centro da veneração estava precisamente a coroa de espinhos. Debaixo dos restos enegrecidos do teto de pedra, o prelado recordou: «Estamos nesta catedral destruída a metade a testemunhar que a vida ainda está aqui». Uma mensagem atual como nunca.

«O cardeal Lustiger tinha decidido que Notre-Dame fosse um lugar de intensa ligação entre o cultor e a cultura. Também a cultura é um meio de evangelização. E Notre-Dame ressurgirá falando aos contemporâneos.»

O P. Hénry de Villefranche, capelão de Notre-Dame e professor junto da sua faculdade, não perdeu o otimismo mesmo quando há um ano o víamos andar em roda-viva entre as autoridades e a imprensa de todo o mundo apinhada diante da catedral ainda fumegante. Hoje tornamo-lo a ouvir para nos fazer o ponto da situação.

P. Hénry, como viveu a segunda Semana Santa fora de Notre-Dame, em tempo de coronavírus?
Desde setembro passado que as nossas celebrações foram transferidas para a igreja de Saint-Germain-l’Auxerrois, que era a paróquia dos reis de França, desde onde, ao anoitecer, é transmitida, pela internet e televisão, às 18h15, a missa do arcebispo. O problema terrível é que não se podem fazer os funerais para todos estes defuntos.

Como estão os trabalhos?
A catedral é propriedade do Estado francês, que se ocupa de reconstruir as paredes e a estrutura. A arquidiocese de Paris ocupa-se, por seu lado, do interior. O presidente Macron deu um forte impulso para concluir os trabalhos em cinco anos, confiando a reconstrução ao “établissement public”, que pode agir rapidamente ultrapassando a burocracia. O problema da estaticidade da catedral subsiste: até que sejam removidos os andaimes os peritos não podem dizer nada, ainda que estejam otimistas.

Quando entrou pela última vez na catedral?
Encomendámos um novo altar, porque é o único objeto que foi destruído, as outras coisas estão no seu lugar. Quando entrei pela última vez, antes do encerramento por causa do Covid-19, que tristeza. Não tínhamos notado como as paredes estavam tão sujas; agora que tínhamos começado a limpar, reemergiram as cores vivas. Seis meses antes do incêndio uma pedra tinha caído no centro da nave. Notre-Dame precisava há muito de um restauro, mas não tínhamos dinheiro nem projetos; afora podemos fazer muito melhor.

Como é que a arquidiocese de Paris pensa intervir?
Estamos empenhados em reparar o interior para recomeçar o culto, e também as visitas à catedral. Segundo uma lei de 1905, a missa é um ato de culto para os cristãos, para a França é também um ato cultural. Em Norte-Same havia cinco missas por dia no centro da nave, mas os visitantes podiam aceder sempre para as visitas, andando à volta. Havia muitos católicos na missa, mas também um milhar de pessoas sentadas para escutar também só pela música, enquanto duas ou três mil andavam à volta e ouviam a pregação. Eu considerava que devia falar de Deus também para os outros, e via que as pessoas de todo o mundo paravam para escutar. Somos testemunhas de Cristo para todos os seres humanos que são filhos de Deus.

Como pensa envolver, futuramente, os visitantes?
Com a ajuda do Estado, equiparemos os edifícios próximos da prefeitura, que está prestes a sair, e do hospital que está vazio, para a preparação para a visita. Queremos dar uma perspetiva contemporânea a Notre-Dame, a partir da entrada que colocaremos no centro, debaixo do portal do Juízo: sem as cadeiras, quem entrar verá o altar, a amplitude da nave, a Pietá, a Cruz de ouro. Queremos que as pessoas tenham um encontro maravilhoso, que se detenham um momento para tirarem as medidas da casa de Deus.

E quanto às capelas laterais?
O roteiro das capelas da nave Norte compreenderá a evocação dos grandes momentos da Bíblia: a criação, a libertação do Egito, a sabedoria. Depois, à volta do coro, colocaremos no centro a relíquia da Coroa de espinhos, porque queremos fazer uma preparação para o Evangelho. Nas capelas do fundo percorrermos, de maneira contemporânea, a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Será a evocação dos grandes momentos da história da salvação. Na nave Sul veremos os frutos da obra de Cristo: as missões, a oração, o cuidado pelos pobres. Na nave central colocaremos os catorze grande quadros de esmalte, de cinco metros por três, sobre os Atos dos Apóstolos, que remontam ao século VII, que antes não se viam.

Como serão as estruturas internas?
A catedral será refeita exatamente como era, inclusive o interior em madeira, graças a uma cuidadosa reconstrução a três dimensões. É preciso criar uma cobertura pesada para que as paredes permaneçam de pé.

E o pináculo?
Ainda não se decidiu, mas será impossível fazer uma coisa muito diferente do que estava. O presidente Macron propôs criar uma estrutura contemporânea. Mas não se fará sobre Notre-Dame, mas no exterior, na praça.

Angela Calvini
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: RazvanPhotography/Bigstock.com